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Snap aposta em realidade aumentada e público 30+ para crescer. Mas será que consegue?

Companhia viu as ações despencarem 75% em 2022 e demitiu 20% dos colaboradores. Em meio à competição acirrada com novas plataformas, dona do Snapchat corre contra o tempo para provar que ainda pode crescer

Snap: companhia conseguiu ter fluxo de caixa positivo pela primeira vez em 2022 (Daniel Acker/Bloomberg)
Snap: companhia conseguiu ter fluxo de caixa positivo pela primeira vez em 2022 (Daniel Acker/Bloomberg)
KS

14 de setembro de 2022 às 11:21

Pensar em “Snapchat” no Brasil é sinônimo de lembrar de uma rede social alvo de uma febre passageira de pelo menos dez anos atrás. Com a premissa de divulgar vídeos e imagens que desapareciam em 24 horas, a plataforma começou a ganhar espaço, mas logo teve seu crescimento minado pela função Stories do Instagram, lançada em 2016. De lá para cá, apesar de ter reformulado a própria oferta, incluindo pontos como realidade aumentada, e de manter a popularidade nos Estados Unidos, fato é que a Snap – empresa dona do app – ainda sofre para se tornar rentável. De 2018 a 2022 (o IPO foi em 2017), a última linha do balanço só mostrou resultados no vermelho, mesmo com o avanço significativo de ter fluxo de caixa positivo pela primeira vez desde sua história. Agora, o Snap quer mostrar que tem apetite para mais: chegar a US$ 6 bilhões de receita no ano que vem, crescimento de 45% em relação a 2021, e ter um fluxo de caixa livre de US$ 1 bilhão, ante US$ 220 milhões há dois anos. 

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Os planos foram divulgados em um memorando enviado aos colaboradores recentemente, ao qual o The Verge teve acesso. Segundo as informações, confirmadas como verídicas por um porta-voz da empresa, as metas para 2023 são de 450 milhões de usuários no fim de 2023, além de aumentar o tempo gasto por usuário único na plataforma em 10% e garantir que a vertical de realidade aumentada cresça e passe a representar 10% da receita. A ‘receita’ para isso é garantir que população de 30 a 40 anos passe a usar o aplicativo, focando nas funções Map (em que é possível encontrar amigos e descobrir eventos nas proximidades) e Spotlight (uma função similar ao TikTok, com vídeos de 60 segundos). Além disso, está na meta aumentar a presença em uma das cinco regiões-alvo da empresa: Brasil, México, Itália, Espanha e Japão.

O vazamento do comunicado fez com que o Bank of America reiterasse a recomendação de compra das ações. As metas, caso sejam atingidas, poderiam ser vistas como o início de uma recuperação para a companhia. “Condições macroeconômicas mais favoráveis podem ser necessárias para atingir essas metas, mas com o crescimento da receita de agosto, impulsionada pelo Snapchat Plus [assinatura paga lançada em junho] a empresa pode chegar a esse patamar”, afirmou o analista Justin Post. 

As ações acompanharam a perspectiva otimista. No dia 8 de setembro, seguinte ao vazamento de informações, as ações da companhia fecharam a US$ 12,53, o patamar mais alto desde 21 de julho. Mesmo depois do anúncio, os papéis não arrefeceram: ficaram acima de US$ 12,60 até o dia 12, fechando a US$ 11,75 nesta terça-feira, um patamar superior ao preço da ação durante todos os dias do mês de agosto

Ainda assim, é um desafio e tanto. A principal questão, num primeiro momento, é a capacidade de a empresa avançar nesse cenário em meio ao ganho de espaço significativo no TikTok. Em uma perspectiva global, olhando para dados compilados pela consultoria alemã Statista, a plataforma de origem chinesa tem 1 bilhão de usuários ativos por mês, enquanto a empresa norte-americana tem pouco mais do que a metade disso, 557 milhões.

Em um evento realizado nos Estados Unidos na última semana, a Code Conference, o CEO do Snap destacou principalmente o investimento em mídia da plataforma chinesa para avançar nos últimos anos. Um fator, que, segundo ele, “ninguém” nos Estados Unidos havia antecipado. Mas, não se trata só de dinheiro, como Martin Peers, editor do The Information, aponta em newsletter enviada nesta semana. 

O ponto principal está mais na própria proposta de valor do Snap. O fato de querer convencer usuários de que se trata de “um lugar seguro para a auto expressão” não é necessariamente um problema, mas uma vaga já preenchida em grande medida pelo avanço da plataforma da ByteDance desde a pandemia. Com usuários cada vez mais cansados da ‘vida perfeita’ que o principal rival – o Instagram – divulga, a plataforma de vídeos ganhou espaço por promover justamente o oposto, um espaço em que o conteúdo do dia a dia ‘real’ é o centro da estratégia para usuários e marcas.

Dentro dessa estratégia, mirar o público de 30 a 40 anos talvez seja o passo que mais busca um espaço único dentro da rede social. Hoje, de acordo com informações compiladas pelo Statista, 24% dos usuários globais do TikTok são mulheres de 18 a 24 anos (enquanto os homens são 18%). O grupo de 24 a 34 anos é 17% feminino e 14% masculino, com base em informações de abril deste ano. 

Ainda assim, a plataforma enfrenta a competição das redes sociais da Meta – tendo em grande parte o Facebook como a principal rede já adotada por usuários nessa faixa etária – e, analisando geograficamente, isso vem com o desafio adicional de se restabelecer no Brasil e no México, regiões nas quais nem mesmo a população jovem tem o hábito de usar o Snap. É uma “tempestade perfeita”, como afirma Dan Ives, analista da Wedbush Securities ao Washington Post. 

Realidade aumentada

O outro ponto mencionado no memorando de 4.000 caracteres aos colaboradores é o investimento da empresa em realidade aumentada (AR) como prioridade para o futuro. Ao contrário da visão de Metaverso de Mark Zuckerberg, o que o Snap acredita é em um modelo de óculos (chamados Spectacles) que possibilite sobrepor imagens digitais (Lenses) como um híbrido da interação entre os mundos físico e digital. 

Apesar de os óculos ainda não terem atingido um modelo ideal – a primeira versão foi lançada em dezembro do ano passado e não era dos mais confortáveis – os recursos de AR podem ser usados também dentro do aplicativo. É quase como os filtros do Instagram, com uma maior gama de opções criadas pelos próprios usuários. O CEO do Snap, Evan Spiegel, afirmou na última divulgação de resultados que 250 milhões de usuários usam hoje alguma função nesse sentido e que já há mais de 2,5 milhões de filtros criados dentro da plataforma. A companhia não divulga, entretanto, quanto da receita vem a partir das funções de realidade aumentada, apontando apenas a receita total. 

A empresa segue investindo para melhorar a experiência de desenvolvedores com esse tipo de recurso. No segundo trimestre, lançou o “Lens Cloud”, uma coleção de serviços de backend que expande os tipos de experiências que desenvolvedores podem criar, além de liberar a última versão do Lens Studio, que traz novidades em relação à quantidade de APIs disponíveis. E trouxe ao mercado uma aplicação de realidade aumentada em que usuários podem pesquisar e encontrar filtros desenvolvidos por empresas de moda e criadores de conteúdo. 

Em relação aos óculos, fica a questão para entender como a usabilidade deles vai funcionar e qual será a adoção deles pelo público. O que existe de track-record, ao menos até o momento, é o Google Glass – que falhou em encontrar o público final, mas hoje existe dentro da gigante de buscas principalmente direcionado a uma demanda empresarial. Não custa lembrar também que a Meta, que também tinha planos de lançar óculos de realidade aumentada em 2024, desistiu do plano para focar em outros dispositivos.

O Snap hoje

Ainda que o futuro da companhia esteja incerto, fato é que o ano de 2022 não está de todo perdido para a empresa. Mesmo sem ter um boom de crescimento efetivo para o ano, a empresa conseguiu trazer alguns passos importantes para a confiança dos investidores. No primeiro trimestre deste ano, o Snap teve pela primeira vez um fluxo de caixa de US$ 131 milhões, a primeira vez em que o indicador ficou positivo em toda a história da companhia

Além disso, o app ainda segue bastante popular nos Estados Unidos, país em que 59% dos adolescentes usam a plataforma, sendo 15% de forma frequente. É a região de onde vem a maior parte da receita da companhia, naturalmente. No segundo trimestre, US$ 786 milhões vieram da América do Norte, um aumento de 12% na comparação anual. Outros US$ 170 milhões vieram da Europa (incremento de 12%) e outros US$ 155 milhões de outras regiões, 21% a mais do que no mesmo período do ano passado.

Apesar de países de fora dos EUA e Europa terem apresentado o maior crescimento de receita no período, eles são menos rentáveis do que os consumidores norte-americanos. A receita média por usuário no segundo trimestre foi de US$ 7,93 entre os que estão na terra do Tio Sam, um aumento de 8% na comparação anual. Na Europa, esse número cai para US$ 1,98 (incremento de 2%) e nos demais países é de US$ 0,96, queda de 11% ante o segundo trimestre do ano passado.

A empresa também enfrenta o desafio operacional de ainda precisar de um alto custo de capital para continuar crescendo. Do primeiro trimestre de 2021 para cá, a empresa aumentou sequencialmente todas as linhas de custos e despesas: Pesquisa e desenvolvimento (a maior parte), vendas e marketing e gerais e administrativas. Na comparação entre os segundos trimestres, o que era um gasto de US$ 427 milhões passou a ser um de US$ 665 milhões. Os gastos, que eram 44% da receita há um ano, representam 60% nos três meses encerrados em junho.

Em meio a todo esse cenário, o Snap padece de um mal comum às empresas de tecnologia em 2022: a corrida contra o tempo para se tornar rentável diante de investidores cada vez mais cautelosos. Diante das perspectivas de alta da inflação e de juros ainda persistindo pelo menos durante 2023 em todo o mundo, a empresa tenta remodelar a própria oferta e mostrar que ainda pode manter tudo sob controle. Até lá, fica a desconfiança, que se reflete nos preços da empresa na bolsa: as ações já despencaram 75% só em 2022.

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