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Rumo às bolsas de NY: migração tem lista de espera e muitos desafios

Exigências para deslistagem do segmento de governança se tornam alvo de críticas de companhias que querem "crescer" em Nova York

Wall Street: liquidez e valuation seduzem companhias já listadas na B3 (Bloomberg/Bloomberg)
Wall Street: liquidez e valuation seduzem companhias já listadas na B3 (Bloomberg/Bloomberg)
GV

Graziella Valenti

20 de outubro de 2021 às 10:30

Americanas, Banco Inter, Locaweb, JBS e outras ainda não conhecidas publicamente. A lista de companhias que flertam, tem planos ou estão em rota de migrar o mercado de negociação da B3 para os Estados Unidos cresce continuamente. O mercado americano, seja Nyse ou Nasdaq, com seus múltiplos e sua liquidez, está cada dia mais atraente para o empresário brasileiro — que não para de desdenhar o ‘valuation’ dolarizado das empresas lá listadas.

O caminho até lá, contudo, não é nada óbvio. Em especial para companhias que nesse momento sejam listadas no Novo Mercado ou no Nível 2 de governança da B3. Um grupo de advogados renomados — sim, os grandes bastiões da atualidade — está debruçado sobre o assunto. Por enquanto, também sem muitas respostas. São, pelo menos, seis empresas interessadas.

Os níveis de governança da B3, criados no ano 2.000, são de adesão voluntária. Isso quer dizer que quem lá está listado aceitou as regras porque assim quis. Porém, é quase consenso que acessar o mercado brasileiro de capitais sem ser via Novo Mercado (só de ações ordinárias) ou Nível 2 (com ações preferenciais que votam em temas importantes) é algo só para quem tem justificativas regulatórias muito fortes. Do contrário, o investidor local torce — e não é pouco — o nariz. E, é preciso admitir, que os investidores têm sua razão, após décadas e décadas de abusos de controladores.

Não por acaso a criação dos segmentos especiais foi essencial para a revitalização da bolsa brasileira como fonte de capital produtivo. Desde então, a bolsa, que hoje tem cerca de 450 companhias listadas, foi palco de aproximadamente 240 ofertas públicas iniciais (IPOs), após anos e anos de paradeira.

A grande questão que se impõe é que, para chegar em Nova York como um local, é preciso sair do Novo Mercado, sair da B3 como mercado principal. E isso não é tarefa fácil. O regulamento da bolsa exige que a saída do Novo Mercado passe ou por uma oferta pública a “preço justo”, em um processo no qual os investidores podem escolher avaliadores, ou por uma assembleia que aceite a dispensa desse rito, desde que mais de 2/3 do capital em circulação concorde. Criar essa dificuldade era parte importante da estratégia — e continua sendo, na opinião de muitos — porque seria o termômetro do compromisso do empresário que escolhe o segmento.

Portanto, sair do Brasil para ir a Nova York pode demandar recursos e, inevitavelmente, debates sobre as práticas de governança. Mas não parece ter sentido algum em recomprar aqui e, em seguida, ofertar lá fora. Do lado dos advogados, a percepção é que as empresas correm o risco de ficarem expostas a uma espécie de chantagem do mercado — em tese, com mais incentivos para buscar retorno com uma oferta de compra cara, do que defender o interesse da companhia no longo prazo.

Os especialistas não estão encontrando formas de garantir que as empresas não ficarão sujeitas a esse risco nesse processo. E isso tem dado uma tremenda dor de cabeça. Pensar no contrário, mudar a regra no lugar de segui-lá também está longe de ser trivial, muito menos simples ou rápido.

A alteração de regras do Novo Mercado — e dos demais níveis — demanda também quórum alto de aprovação das empresas listadas. E um debate desses, por mais que possa contar com adesão elevada das companhias, certamente deve passar por exigências de compensação para os investidores. Passa, garantidamente, pela discussão de risco de redução de interesse. O tema, portanto, ganha relevância inclusive para a própria B3. Ser um mercado interessante é essencial para a Bolsa. Sem investidor, sem liquidez, sem mercado, sem empresa.

A Bolsa tem proposto debates para  oferecer por aqui facilidades que existem lá fora, como a criação do voto plural. Não é raro ver controladores que se sentem confortáveis de alavancar sua participação econômica sem perder seu poder político. Nos Estados Unidos, a ação ordinária pode ter classes diferentes em que um papel pode ser equivalente a até 10 votos. Na prática, garantem mandar na empresa com cerca de 10% do capital.

Aqui, no Brasil, a ferramenta não existe. A B3 defende sua criação. No máximo, o que se encontra no país, são as empresas aéreas, por exemplo, com uma estrutura de superpreferencial — na qual a ação sem voto têm uma grande concentração do valor econômico, via dividendos. O empresário David Neeleman, por exemplo, controla a Azul com uma participação equivalente a 3% do capital total, mas essa situação se consolidou bem depois da listagem da empresa.

A Lei das Sociedades por Ações limita a divisão entre ordinárias e preferenciais à metade do capital total por espécie. Os investidores, em sua maioria, são críticos da estrutura do voto plural. E o debate legislativo não anda. Isso para não se falar do risco de criar ou mudar leis no Brasil. "A gente tenta passar um cavalo e sai camelo", costumava dizer com frequência o saudoso jurista e ex-presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) Luiz Leonardo Cantidiano.

Seja como for, fazer o caminho tipo exportação não é simples. Há especialistas para toda sorte de gosto. Quem conhece o mercado bem sabe que, de fato, é muito difícil não admitir a diferença da liquidez e da profundidade do mercado americano — reconhecida, aliás, pelo mundo todo. Não só as empresas brasileiras gostam da Nyse e da Nasdaq. Europeias, chinesas, japonesas, israelenses, latinas. Lá se encontram ativos de todos os continentes, literalmente. E investidores com os mais variados escopos e focos.

Por isso, para algumas companhias, a avaliação é que estar em Nova York é estar no lugar certo. E não são apenas as empresas já abertas que fazem esse juízo, como uma JBS, na qual a maior parte da receita já é produzida (literalmente) fora do Brasil. Os unicórnios brasileiros também acabam indo direto para a Nasdaq, como aconteceu com PagSeguro, Stone, XP Investimentos, entre outras, incluindo a Vtex, mais recentemente. A estrela das startups brasileiras, o Nubank, deve ser o próximo, almejando uma avaliação entre US$ 50 bilhões e US$ 100 bilhões (estimativa máxima anterior à piora do humor generalizada com o Brasil).

Apenas na Nyse, ao fim de maio, o número de empresas estrangeiras listadas alcançava 494 — mais do que o total listado na B3 — cobrindo um total de 45 países. No total, são mais de 2.400 companhias, em um mercado que negocia uma média diária superior a US$ 120 bilhões — ou mais de R$ 650 bilhões. A Nasdaq, mercado mais focado em inovação, não fica nada atrás. Já são quase 5.000 companhias listadas e uma média diária de negociação já bastante próxima dos US$ 100 bilhões ou R$ 550 bilhões a dinheiros de hoje.

A bolsa brasileira, que vive um forte momento de expansão, movimentou uma média de US$ 6 bilhões ao dia em 2021, até outubro, ou pouco mais de R$ 34 bilhões.

Mas nem tudo é essa maravilha. Como o mercado brasileiro, em termos de segurança e transparência, tem poucos no mundo. Aqui, replicar Game Stop (e sem consequências), por exemplo, seria um desafio e tanto. As companhias, mesmo as mais seduzidas pelo “coração do mercado de capitais global”, como a própria Nyse se define, também precisam enfrentar o dilema entre ser uma grande estrela do espaço nacional ou mais uma num espaço internacional e altamente disputado.

Mesmo assim, é inegável o crescimento do número de interessados. O Brasil está, de fato, mais internacional. E é sob qualquer ângulo que se avalie. Há mais companhias com forte presença fora do país, seja com produção ou exportação para outros mercados, e mais investidores internacionais estão atentos ao país — ainda que com o humor mais azedo do momento.

Seria, então, impossível evitar que isso faça com que cada vez mais companhias brasileiras habitem a tão amada Manhattan? A força do interesse do venture capital internacional pelo Brasil, com a presença dos grandes gestores, também é marcante. Estão por aqui Softbank, Tiger, GFC, entre muitos. Desnecessário dizer onde eles vão querer listar suas investidas.

Para os banqueiros de investimento, nada disso preocupa. A lista de companhias brasileiras interessadas em se captalizar com emissão de ações na B3 — e que tiveram de congelar seus planos — é tão grande nesse momento que nada parece ameaçar o futuro. Para eles, Wall Street será sempre um lugar para poucos, uma pequena fração, como era a própria bolsa brasileira até 2019, antes da abertura de capital de diversas médias empresas e mesmo algumas startups.

 

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