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Política

Os verdadeiros líderes têm a coragem de tomar decisões difíceis

A pandemia nos iguala como indivíduos, mas nos separa enquanto nações: de um lado, lideranças que se orientaram por dados; do outro, os líderes populistas

Pandemia no Brasil: não se pode liderar bem sem os pés no chão e a cabeça no lugar (Wilton Junior/Estadão Conteúdo)
Pandemia no Brasil: não se pode liderar bem sem os pés no chão e a cabeça no lugar (Wilton Junior/Estadão Conteúdo)
DRo

21 de junho de 2020 às 15:24

A pandemia do coronavírus nos coloca diante de um paradoxo. Se por um lado a doença nos iguala enquanto indivíduos, contaminando a todos independentemente de raça, gênero e classe social, de outro a doença nos separa enquanto nações. Na vanguarda do combate e da contenção à pandemia temos Alemanha, Coreia do Sul, Uruguai, Islândia, Nova Zelândia, Portugal, Taiwan. No fim da fila, amargando números desalentadores de contaminação e mortes estão Brasil, Estados Unidos, Grã-Bretanha, Itália, Rússia.

Há uma peculiaridade política que separa os dois grupos. No primeiro bloco de países temos lideranças que se orientaram por dados e evidências e que contaram com o respeito e a confiança de suas populações. No segundo, líderes com tendências populistas. Não há, no entanto, qualquer distinção de viés ideológico. O desempenho de Angela Merkel, membro da direita conservadora alemã, não deixa nada a desejar ao do socialista português António Costa. A presidente taiwanesa Tsai Ing-wen é uma liberal-progressista, o recém-eleito Lacalle Pou é do Partido Nacional da direita uruguaia e a primeira-ministra neozelandesa Jacinda Ardern, do Partido Trabalhista. No grupo que vem fracassando em combater a COVID-19, Donald Trump e Vladimir Putin não poderiam estar ideologicamente mais apartados.

A definição de populismo não é exatamente simples, como não costumam mesmo ser as definições da política. Cas Mudde, professor da School of Public and International Affairs da Universidade da Geórgia, define o populismo como “uma ideologia rasa que considera que a sociedade se divide em dois grupos homogêneos e antagônicos, o ‘povo simples’ e a ‘elite corrupta”. A diferença entre os populismos de esquerda e direita é simplesmente a definição de quem são este “povo” e esta “elite”. O que há de comum entre os dois lados é justamente a superficialidade. A busca por soluções fáceis para problemas complexos e a negação da realidade.

Se não é um trabalho óbvio categorizar o populismo, ainda mais difícil é determinar quais são as características comuns à boa liderança. Eu me debruço sobre essa tarefa complexa desde 2017, quando fundei o RenovaBR. O Renova é, em termos simples, uma escola de formação de novos líderes políticos. Oferecemos cursos gratuitos a pessoas das mais diversas ideologias em temas como políticas públicas, funcionamento institucional e comunicação. Para encontrar os alunos, temos um longo e detalhado processo seletivo nacional que já atraiu quase 50 mil inscritos. Selecionar aqueles com maior potencial para se tornarem boas lideranças é um dos pontos mais sensíveis de todo o processo.

Entre outras características, buscamos pessoas com experiências relevantes, alta capacidade de empatia e um respeito absoluto ao conhecimento e à realidade. Não se pode liderar bem sem os pés no chão e a cabeça no lugar. Boas lideranças têm, sobretudo, a capacidade de avaliar o cenário com a necessária profundidade, tomar decisões difíceis e convencer as pessoas a segui-las. São uma espécie de antipopulistas.

É simples liderar em momentos de bonança. O desafio real é guiar o povo nas horas graves. Moisés, figura fundamental na tradição judaico-cristã e islâmica, é uma espécie de arquétipo do bom líder. O indivíduo capaz de tirar seu povo da escravidão e guia-lo em uma longa e penosa peregrinação pelo deserto, até atingir a Terra Prometida. A lição de liderança aqui é que a capacidade de conduzir as pessoas em uma jornada difícil é tão importante quanto a coragem de agir no momento necessário.

Grandes lideranças da história emergiram nos momentos sombrios. Foi com a Europa de joelhos diante do avanço aparentemente inexorável das tropas nazistas, em junho de 1940, que o primeiro-ministro britânico Winston Churchill proferiu seu histórico discurso: “Iremos até ao fim. Defenderemos nossa ilha, qualquer que seja o custo. Lutaremos nas praias, lutaremos nos terrenos de desembarque, lutaremos nos campos e nas ruas, lutaremos nas colinas. Nós nunca nos renderemos”. O Reino Unido acreditou e a resistência se fez realidade.

E a realidade é o pilar de sustentação da boa liderança, em oposição frontal às mentiras convenientes do populismo. Grandes líderes se valem de conhecimento e fazem valer os fatos.

Por tudo isso, não chega a ser uma surpresa que países comandados por líderes de viés populista apresentem resultados catastróficos diante de uma pandemia que exige remédios tão amargos. Os populistas não têm a coragem das grandes lideranças de olhar os fatos de frente não importa quão feio seja o cenário. Os populistas não têm a humildade de conhecer suas limitações e aceitar as duras verdades da ciência. Os populistas não têm a fibra moral necessária para tomar as decisões certas nos momentos mais graves e, por sua lógica divisionista, são incapazes de unir a população como se faz necessário para vencer as grandes batalhas.

A pandemia vai nos deixar muitas lições, várias para os governos a algumas para nós, cidadãos. Nas próximas eleições, escolheremos quem serão as lideranças responsáveis pela tarefa de reerguer as cidades brasileiras da maior crise de nossa história. Que tenham a competência necessária para assumir tamanha responsabilidade e a coragem de tomar as decisões difíceis.

Eduardo Mufarej é investidor e empresário, fundador do RenovaBR, da GKventures e co-fundador da Alicerce Educação

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