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Energia

Open Energy: como a startup Lemon quer revolucionar o setor elétrico

Empresa defende autonomia de compartilhamento de dados de consumidores e enviou provocação à Aneel; outras empresas apoiam iniciativa

Lemon: dados abertos dos consumidores são primeiro passo para país modernizar sistema elétrico ((Adriano Machado/Bloomberg/Getty Images)
Lemon: dados abertos dos consumidores são primeiro passo para país modernizar sistema elétrico ((Adriano Machado/Bloomberg/Getty Images)

Publicado em 27 de agosto de 2022 às 10:30.

Há três anos, nascia uma startup que tinha como missão impulsionar a geração distribuída de energia no Brasil. O modelo de negócio? Um tanto diferente do que se está acostumado a ver. Nada de venda de placas solares, mas algo mais parecido com uma ‘imobiliária': a empresa faz o meio de campo entre quem tem uma grande quantidade de placas solares e PMEs, que desejam consumir energia desse tipo de geração. No fim das contas, ganha um fee pelo consumo mensal. De largada, a Lemon Energy já atraiu a atenção de gente grande no mundo dos investimentos. Em setembro de 2019, captou US$ 1 milhão em uma rodada seed com o Canary. Em 2022, num cenário difícil para startups de modo geral, a empresa captou outros R$ 60 milhões em uma rodada série A com o fundo Kaszek e o Lowercarbon Capital. Agora, mais do que provar que um modelo de negócios ‘diferentão’ focado no princípio de que a sustentabilidade pode é negócio, a empresa parte para um voo maior: o de encabeçar o passo a passo prático do Open Energy no país. Em resumo, promover uma revolução similar ao que deve ser o Open Banking, para o setor financeiro, no elétrico.

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As discussões começaram a efervescer ainda neste ano e ganharam um tom prático em julho, com o apoio de uma associação do setor. A Abraceel (Associação Brasileira das Comercializadoras de Energia) enviou à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), no mês passado, um pedido conjunto de sandbox regulatório um ambiente controlado para testar novas iniciativas, similar o que fez a Comissão de Valores Mobiliário (CVM) em parceria com o Banco Central (BC) — focado em Open Energy. No fim das contas, isso significa criar regras e parâmetros para que os dados de consumo de energia elétrica fiquem disponíveis para que clientes possam compartilhá-los com quem bem entenderem. Há, sim, certa similaridade com o Open Banking. 

E por que a Lemon Energy se interessa por isso? Um motivo: eficiência operacional. Hoje, no modelo de negócios que existe para o setor elétrico, todos os dados de consumo de energia de clientes ficam restritos às distribuidoras — mais ou menos como quando os bancos tinham todos os dados dos correntistas e não permitiam que isso fosse compartilhado com outras instituições financeiras. 

Isso faz com que a startup hoje precise pedir, tanto aos novos clientes quanto aos atuais, uma cópia da conta de luz mensalmente. É a partir desses dados que a empresa analisa o consumo de cada cliente e consegue fazer o cruzamento de informações entre o quanto eles tinham contratado com a Lemon e o quanto foi consumido de fato a partir da energia solar e se houve algum excedente que veio do sistema cativo.  Gerenciar esse fluxo com 3,5 mil clientes é uma tarefa complexa e que impede a startup de chegar ao máximo de produtividade e de organização que seriam possíveis com a abertura dos dados, segundo Luciano Pereira, fundador da Lemon Energy.  

“A nossa ideia com a abertura desses dados não é tomar o lugar da distribuidora. Muito pelo contrário, nossos clientes continuam pagando todas as tarifas da conta de luz, com impostos e outros encargos relacionados à atividade de levar a energia de um lugar para o outro”, diz, ao EXAME IN. Hoje, em média, os clientes da Lemon voltam a pagar a tarifa mínima de energia para a distribuidora quando fecham contrato com a startup, relacionado justamente a esse pagamento de tarifa da transmissão e encargos. Anualmente, a média de economia de gastos para PMEs no portfólio da Lemon com eletricidade é de 20%, comparado ao consumo totalmente feito dentro do sistema tradicional.

Com uma nova regra — ou ao menos a aprovação do sandbox regulatório — a empresa busca, mais do que trazer eficiência para o modelo de negócio que já mantém, agregar um novo portfólio de serviços aos clientes. Fornecer auditoria e criar novas soluções baseadas em dados, como o envio da conta de luz em um modelo diferente do que vem da distribuidora, são apenas alguns dos pontos na mira para o futuro. 

“Se eu tenho acesso a esses dados eu começo a dar recomendações muito mais acertadas, mesmo que as pessoas não sejam clientes da Lemon. Por exemplo, se um cliente está em busca de economia de energia, eu não vou dizer apenas ‘tome um banho mais curto’, mas consigo dizer ‘diminua dois minutos do seu banho todos os dias’, ‘troque sua geladeira por uma nova’ e outros pontos de forma muito mais precisa. Acho que a riqueza está na interpretação desses dados, o que é muito legal para a empresa e é, também, para o consumidor, por ser um valor que agregamos para ele”, diz Ana Capelhuchnik, sócia da Lemon Energy.

São vantagens mencionadas até mesmo por outros players no país. A 2W Energia, maior empresa de comercialização 100% sustentável, também vê a oportunidade de gerar mais eficiência operacional a partir da abertura dos dados. Diferentemente da Lemon, a companhia não está tão focada em geração distribuída, mas em fazer a migração de pequenas e médias empresas do mercado cativo para o mercado livre de energia. 

“Para isso, eu também preciso entender o consumo energético dos clientes. Se isso estivesse disponível, muito provavelmente aceleraria mais os negócios da empresa, construiria mais projetos de energia e cresceria mais rápido do que o ritmo atual. Do ponto de vista comercial e de velocidade de expansão seria excelente”, afirma  Claudy Marcondes, VP de Operações e Marketing da 2W Energia, ao EXAME IN. 

Também há a chance de colher benefícios para empresas que nem estão ligadas à parte de geração, mas de prestação de serviços para o setor elétrico de modo geral. A Flexpag, única instituição do país especializada em meios de pagamento para utilities, óleo e gás, afirma que seria possível trazer uma nova avenida de crescimento para o negócio por meio da abertura dos dados. “Se o processo de geração distribuída evolui com isso, nós temos toda a condição de sermos um player relevante. Inclusive, já temos diálogos com as comercializadoras para fazer o ‘match’ entre a conta que vem da distribuidora e da GD para proporcionar uma interface mais simples para o cliente. Acredito muito que isso será o futuro”, diz Luís Filipe Cavalcanti, diretor de Operações da Flexpag.

O que falta

Apesar dos benefícios que o Open Energy pode trazer para consumidores, fato é que não se trata de um processo simples de ser tirado do papel. Todas as fontes ouvidas pelo EXAME IN reconhecem que há a necessidade de se criar uma regulamentação específica para esse tipo de compartilhamento de dados dos consumidores, garantindo que a troca entre empresas seja feita em um ambiente seguro e que atenda a todas as normas da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), por exemplo.

A reportagem procurou a Aneel para entender melhor como (e se) as discussões sobre o assunto dentro do órgão estão avançando. A resposta recebida foi a de que o assunto ainda é analisado internamente e que, por enquanto, não há novidades a serem divulgadas.

Em uma tentativa de olhar ‘pelo lado de fora’, Ana Karina Souza, sócia especializada em Energia e Infraestrutura do escritódio de advocacia Machado Meyer, e Thiago Sombra, sócio especializado em Infraestrutura e Energia do Mattos filho, destacam que apesar de muitos agentes envolvidos no setor dizerem que essa troca de informações estaria em conformidade com as demais regras da Aneel, a ausência de um alinhamento claro entre todos os agentes será um obstáculo relevante para que esses planos saiam do papel. 

Dois caminhos estão na mesa: o mais rápido, de a agência aprovar uma proposta simples, “menos engessada” — de olho em um aval rápido ao pleito das comercializadoras de energia — ou o mais longo, de consultas públicas e conversas com agentes do setor para, só então, definir o caminho a ser seguido. 

Na opinião de ambos os advogados, a definição não deveria demorar. “Estamos em um momento de inovação, de modernização do setor elétrico. Houve até um seminário em São Paulo no início do ano com várias associações e com a própria Aneel sobre o futuro do consumidor de energia. Dá para dizer que o próprio regulador está de olho nisso. O que fica é a dúvida sobre quem e como será o primeiro passo para essa nova iniciativa”, diz Souza. 

As distribuidoras de energia 

A respeito desse futuro ainda incerto, o EXAME IN procurou três distribuidoras para entender melhor como veem o novo ambiente regulatório e quais dificuldades encontrariam nesse processo. Todas evitaram um posicionamento individual, mas recomendaram a procura pela Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee).

Em um bate-papo com Marcos Madureira, presidente da associação, o executivo ressalta que as distribuidoras não são contrárias à inovação, mas, diferentemente do que as comercializadoras defendem — um processo simples, por assim dizer — a visão desse lado do balcão é a de que a decisão já tem de considerar o passo seguinte, que é uma definição do PL 414/2021. O projeto de lei em questão atualiza o marco regulatório do setor elétrico, de olho em ampliar o acesso ao mercado livre de energia — hoje restrito a quem consome 500 kV por mês. O PL já passou pelo Senado e, agora, aguarda a decisão da Câmara dos Deputados, ainda sem data prevista.

“Nós vemos com cuidado qualquer mecanismo que traga a ampliação da migração dos consumidores ao mercado livre sem uma norma muito bem definida. Não somos contrários ao avanço da tecnologia, mas a nossa posição é de que sem parar de criar subsídios dados hoje ao setor elétrico. Geração distribuída já conta com incentivos elevadíssimos e, se esse processo for conduzido sem a cautela necessária, vai sobrecarregar a base de consumidores no mercado regulado”, diz Madureira.

Os subsídios ao setor, para lembrar, foram colocados no Marco Regulatório da Gestão Distribuída, aprovado em janeiro deste ano. Basicamente, garante que as usinas conectadas à rede de média tensão paguem uma tarifa (TUSD) que pode chegar a ser três vezes mais barata do que a tradicional. O documento também cria um cronograma para o pagamento das tarifas relativas à remuneração, operação e manutenção dos ativos e serviços de distribuição no país. E introduziu mudanças na cobrança da taxa de disponibilidade — montante mínimo de energia cobrado pela distribuidora para remunerar a manutenção da rede elétrica à disposição do consumidor. Antes da lei, os consumidores pagavam duas vezes esse montante e, com a nova regulação, passou a ser apenas de uma vez. 

Foi o marco que deu segurança jurídica para que a Lemon pudesse operar, na visão de Capelhuchnik, e trata-se apenas do primeiro passo para levar esse segmento em uma direção de futuro, na visão da executiva. “Open Energy é o próximo passo disso. E, na nossa visão, não vai demorar muito para que ele aconteça. Temos tido conversas com a Aneel e eles se mostraram bastante interessados no assunto”, diz. A conversa, do lado da startup, é o de que a geração distribuída pode ajudar a garantir a sustentabilidade da matriz energética brasileira no futuro, colaborando para o país depender menos de uma geração centralizada em grandes usinas.

Apesar de os caminhos para a startup avançar permanecerem sem definição clara, fato é que a discussão para uma descentralização do consumo de energia está pronta para avançar no país. O Open Energy, nesse processo, promete ser a porta para uma revolução.  

 

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