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O que o plano do Inter e da Natura para os EUA diz da B3 e do Brasil

Natura &Co anunciou junto do balanço do trimestre planos de migrar para bolsa americana

Touro de Wall Street: o destino cobiçado por techs e brasileiras globalizadas (Kay Nietfeld/Corbis/Getty Images)
Touro de Wall Street: o destino cobiçado por techs e brasileiras globalizadas (Kay Nietfeld/Corbis/Getty Images)
GV

Graziella Valenti

17 de novembro de 2021 às 11:03

O Banco Inter colocou em números seus motivos para escolher migrar para os Estados Unidos e levar suas ações para a Nasdaq, no lugar da B3. O exercício realizado pela instituição controlada pela família Menin ajuda a entender por qual razão existem diversas companhias com o mesmo plano.

A visão dos donos é que as vantagens são tão significativas que nem mesmo o risco de ter de encarar uma despesa de até R$ 2 bilhões, com direito de recesso dos investidores, desencorajou o movimento.

Aqui, na B3, a capacidade de levantar capital sem perder o controle permite aos acionistas captar, a preços atuais, cerca de US$ 570 milhões. Mas, a estrutura do super voto existente nos Estados Unidos dá flexibilidade para que a instituição levante perto de US$ 20 bilhões em dinheiro. É uma diferença e tanto: 35 vezes mais dinheiro. Para um negócio intensivo em tecnologia parece fazer sentido.

Enquanto as techs listadas na bolsa brasileira são negociadas a uma média de 3,1 vezes a receita de 12 meses, lá esse múltiplo é de 8,7 vezes. Há muitas companhias que pensam em fazer a migração. Contudo, estudam uma forma — ou aguardam um momento — em que a matemática faça sentido.

A migração para os Estados Unidos não encanta apenas as techs — a Locaweb já namora essa rota também. O porte e a internacionalização de algumas empresas brasileiras fazem com que Nyse e Nasdaq estejam nos planos de quem se entende por “global”. JBS está nessa lista há tempos e agora o mercado ficou sabendo que a Natura &Co também estuda essa transição. Para qualquer negócio com pretensões de consolidação mundo afora, ter uma ação no mercado mais líquido do mundo é um passo quase lógico. E isso não vale só para empresas brasileiras.

As regras do Novo Mercado e do Nível 2 são desencorajadoras para essa transição. O princípio de governança embutido aqui é o oposto da flexibilidade existente lá. Por aqui, impera a lógica de uma ação, um voto. Enquanto lá, a ordinária do acionista controlador pode valer 10 votos, enquanto o papel em circulação no mercado dá direito a apenas um.

Tanto que os Menin passam a ter um controle sobre os votos ainda maior lá fora, na largada. O poder de voto passaria dos atuais 53,4% para 82,1%.

Para sair dos ambientes diferenciados de governança da bolsa, de adesão voluntária, é preciso lançar uma oferta pública ou realizar uma assembleia na qual os acionistas deem uma permissão para a mudança sem a realização de tal oferta — na qual, pelas regras, os acionistas têm maiores poderes de negociação do que em outras situações.

Recentemente, a Americanas anunciou a união societária das antigas Lojas Americanas e B2W, depois de já ter realizado a combinação apenas dos ativos. As companhias tinham ficado societariamente separadas ainda, com bases de acionistas distintas. Mas, o mercado penalizou essa estrutura de holding, como é comum ocorrer, e o valor do negócio não deslanchou na proporção que os controladores — o trio da 3G Capital, Jorge Paulo Lemann, Carlos Alberto Sicupira e Marcel Telles – acreditavam que ocorreria após a fusão operacional. Como também planejam o movimento tipo exportação, é essencial uma boa avaliação. Do contrário, chegariam mirrados em Wall Street.

Apesar de ter sido alardeado que o trio abriu mão do controle, não é esse o plano. Ao contrário, a ideia é, ao ir para Nova York, também aderir ao modelo de super voto e, portanto, voltar a concentrar o controle. A mentalidade do trio sempre valorizou o controle, não seria diferente agora. O Novo Mercado é apenas um rito de passagem. Contudo, ainda não há data para essa migração ocorrer, diferentemente do Banco Inter que já colocou o plano em marcha.

No caso da Natura &Co, onde o trio de fundadores já não é mais majoritário, a mudança de sede de negociação traz um recado que poucos entenderam: os planos seguem grandes. As aquisições de Avon, The Body Shop e Aesop foram emblemáticas, transformando-a na 4ª maior empresa do mundo em higiene e beleza, mas o projeto não acaba aí. Que o diga o avanço sobre a China com a própria marca Natura, o país dos vários bilhões de habitantes. No acumulado dos primeiro nove meses de 2021, 43% da receita consolidada de R$ 28,5 bilhões vieram das operações para além da América Latina. E a tendência é que Brasil seja uma fatia cada vez menor do todo. Não porque vá encolher por aqui, mas porque vai crescer lá fora.

O racional é diferente das techs, mas a preocupação é a mesma: como deixar o Novo Mercado sem que isso se transforme em um passivo de governança. Ao contrário, seja percebido com um indicativo de que o Brasil tem sim potencial para marcas globais — uma conquista e tanto.

Celeiro de inovação

Para alguns investidores, as contas do Inter trazem um outro recado, quase um chamado à B3. Eles acreditam que a bolsa brasileira deveria rapidamente promover um movimento de modernização de seus regulamentos dos segmentos especiais. A bolsa propôs a criação da super ordinária, o que chamou de voto plural. Em agosto, a inovação legislativa foi sancionada. Mas, até o momento, parece não ter gerado nenhum interesse.

A percepção é que o Nível 2, onde é permitida a existência da ação preferencial, deveria passar por um choque cultural e se transformar em um ambiente mais propício à safra das aberturas de capital que deve vir após o forte movimento do venture capital em 2020 e 2021. A listagem em mercados abertos é o passo seguinte quando as startups de hoje forem negócios mais maduros amanhã.

Por enquanto, as empresas mais inovadoras — e com porte para tal — escolhem ir direto ao centro mundial do dinheiro. Na opinião de alguns grandes investidores, não há vergonha nenhuma nisso para a B3 desde que ela se proponha a ser um caminho até lá. Nem todas as empresas terão condições de se listar no maior mercado global — ou, pelo menos, não logo de cara.

O Brasil já tem uma lista crescente de unicórnios. Mas, por enquanto, todos que passaram por essa condição elegeram os Estados Unidos. Já foram direto para Nova York nomes promissores como Stone, Pag Seguro, XP Investimentos, VTEX e o próximo é o Nubank e sua estrondosa avaliação de US$ 50 bilhões.

Os US$ 8 bilhões investidos no país pelo venture capital em 2021, até outubro, equivale a metade de tudo que as grandes companhias captaram via bolsa, seja com follow-ons ou ofertas inicias (IPOs) — ou seja, em ofertas primárias.

É desse movimento que vem a conclusão de que a B3 precisa criar um espaço para dar vazão aos IPOs que virão nos próximos anos, de forma que as empresas possam ter no mercado local um caminho para seu próximo estágio de desenvolvimento. Se elas irão ou não para os Estados Unidos, então, seria uma questão do quão pujantes e internacionais elas se tornariam em suas operações.

Só para contextualizar o que isso significa em termos de perspectiva, vale citar que em total de transações foram mais de 600 aportes. Ainda que algumas possam ter realizado duas rodadas dentro do ano, o que não é a praxe, o número mostra o caldeirão de oportunidades para a bolsa.

E não custa nada lembrar que hoje, a B3 tem cerca de 450 companhias listadas, sendo pouco menos de 400 realmente com alguma liquidez nas negociações das ações. Também é importante chamar atenção para o fato de que, atualmente, as maiores empresas do mercado americano, aquelas do clube do trilhão, foram as startups de ontem.

O super voto

O mercado tende a ser pendular em seus problemas e anseios. E isso não é uma questão de regulação, nem do Brasil. É muito mais do comportamento humano do que de qualquer regra que se possa colocar no papel.

Lá, em Nova York, o super voto é algo para lá de velho. É lá da época em que a Ford era uma vedete do mercado de capitais. Mas, os abusos cometidos pelos super controladores daquela época tornaram a estrutura venenosa e a colocaram em desuso por décadas. No pós-guerra, a estrutura era considerada um horror.

Mas bastou o Google, no início dos anos 2.000, mostrar que a presença de um dono forte era necessária — e isso logo após a decepção com as grandes corporations (companhias sem dono) devido aos escândalos como Enron e WorldCom — que a moda voltou. Os investidores não apenas aceitaram como abraçaram a causa. Ter um dono não majoritário econômicamente, uma referência, um olhar de longo prazo passaram a ser quesitos valorizados.

Há poucas dúvidas de que os problemas de governança devem voltar com o uso indiscriminado desse caminho do super poder, na opinião de especialistas. Para alguns, isso sequer vai demorar. Então, chegará o momento que as empresas sem dono voltarão a ser as preferidas.

“É sempre um ciclo. Mas a B3 precisa urgentemente se preparar a próxima safra e oferecer alternativas para toda essa inovação que vem surgindo. Do contrário, vai tirar o valor de um esforço que deu frutos nos últimos 20 anos”, comentou um gestor de recursos, ao falar do Novo Mercado. “E também não pode virar barreira para quem quer crescer. Essa visão da bolsa brasileira como limite precisa urgentemente ser revisada”, completa.

Boa parte dos grandes investidores de companhias abertas brasileiras também têm hoje suas frentes de venture capital e estão experimentando na pela a importância dos fundadores. Mudar para os EUA, para os investidores, já não tem o mesmo estigma. Se as companhias e os investidores já mudaram, ainda falta a B3 encontrar o seu caminho.

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