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Nvidia

Nvidia está perto de valer US$ 1 trilhão na bolsa americana. Bolha ou o começo de uma nova era?

Companhia tem oferta única no mercado -- mas concorrência se movimenta para capturar o próprio quinhão do 'boom' de IA

Jensen Huang, CEO e fundador da Nvidia: empresa avança a passos largos em mercado de IA (Carlos Avia Gonzalez/Getty Images)
Jensen Huang, CEO e fundador da Nvidia: empresa avança a passos largos em mercado de IA (Carlos Avia Gonzalez/Getty Images)
Karina Souza

Karina Souza

22 de agosto de 2023 às 18:35

A Nvidia está perto, bem perto, de valer US$ 1 trilhão na bolsa norte-americana. Esse patamar, ocupado (ou até superado) por poucas empresas de referência nos Estados Unidos, como Apple, Alphabet, Microsoft e Amazon, vem depois de uma valorização de mais de 20% nos papéis da empresa ao longo desta semana. O motivo? A surpresa positiva que a companhia trouxe ao mercado, ao informar uma perspectiva de receita para o segundo trimestre 50% maior do que a expectativa de analistas mostrava. É um repeteco, em maior grau, do que a empresa entregou neste início de ano, com a primeira linha do balanço 10% acima do consenso de mercado.

São resultados que vêm na esteira de um diferencial competitivo difícil de ser copiado pela concorrência: a capacidade de produzir chips nos quais é possível treinar aplicações de inteligência artificial. No ano em que IA é a bola da vez, a euforia com os papéis veio com tudo -- mas é suficiente para justificar um valor de mercado de US$ 1 trilhão? 

Projetar um futuro que muda de forma tão dinâmica, para um assunto cuja 'onda' ainda está bem no início, é quase impossível. Resta, então, olhar para o presente. Em uma comparação com outra big tech que também tem avanços recentes em inteligência artificial, a Meta, a fabricante de chips deve ter uma receita próxima a 40% da companhia fundada por Mark Zuckerberg (considerando um patamar de ganhos trimestrais próximos ao deste início de ano para ambas) e hoje vale 50% mais do que a dona do Instagram e do Facebook. Olhando para os dados de forma histórica, a comparação fica ainda mais interessante. 

Nos últimos 10 anos (considerando o ano fiscal finalizado em 31 de março de 2013 e de 2023), a receita da Meta multiplicou por 21,4 vezes, com um crescimento de 36% ao ano. Saiu de US$ 5,5 bilhões para US$ 117,3 bilhões, em números absolutos. No mesmo período, a Nvidia saiu de US$ 4,3 bilhões para US$ 25,9 bilhões, ou seja, multiplicou por seis vezes, com um crescimento de 19,6% ao ano. O que dá, no fim das contas, um diferencial total de crescimento de 3,6 vezes no mesmo período.

Além disso, a Nvidia tem um múltplo de forward revenue (uma métrica que divide o valuation pela receita de uma companhia, usado para analisar empresas de tecnologia, resumidamente) na faixa de 25 vezes, um ponto que merece atenção, segundo uma fonte que acompanha o papel, ouvida pelo EXAME IN, mesmo em meio às perspectivas de futuro para a empresa.

Claro, a comparação serve muito mais para ilustrar um paralelo entre duas empresas com valores de mercado similares do que uma simetria exata de oferta. A Meta tem seus avanços em inteligência artificial, com a LLaMA, especialmente depois de ter vazado parte desse componente para a comunidade e poder aproveitar as benesses do open source -- desenvolvimento rápido a baixíssimo custo. Enquanto isso, a Nvidia tem o mérito de ser uma empresa com uma oferta única no mercado, até agora, para o desenvolvimento de inteligência artificial: os tais GPUs. 

A sigla, que designa Unidade de Processamento Gráfico (em inglês) traduz, essencialmente, chips que podem realizar cálculos matemáticos e renderizar gráficos rapidamente. A Nvidia é líder nesse mercado, hoje, principalmente por sua herança de experiência com jogos online. Em uma explicação simples: assim como jogos precisam de capacidade de processamento rápido gráfico para exibir imagens, as ferramentas de inteligência artificial também precisam para o processo de machine learning. 

À medida que empresas em todo o mundo valorizam cada vez mais a capacidade de construírem processos de inteligência artificial, a demanda por GPUs para os próprios servidores -- ou seja, para 'turbinar' a capacidade de processamento de olho em IA -- aumenta consideravelmente. Para financiá-lo, empresas estão migrando o orçamento de cloud para esse tipo de tecnologia, ainda segundo o relatório do Morgan Stanley. O que pode trazer uma deflação para o setor de 'nuvem', mas beneficia amplamente quem trabalha com IA.

Esse conjunto de fatores ajuda a entender por que o mercado ficou tão animado com a empresa. A visão é a de que companhias estão investindo massivamente e desde já para adquirirem esses componentes e começarem a trabalhar com o que a inteligência artificial pode oferecer de melhor para os seus negócios. Apesar de ser um fator inegavelmente positivo para a Nvidia, esse ponto, considerando que a curva de adoção de IA ainda está no início, não impede reflexões a respeito da concorrência que a empresa pode enfrentar daqui para frente. 

Concorrência

Do lado mais questionador sobre a Nvidia entregar o tamanho das expectativas que são colocadas em cima dela, está o argumento de que GPU não é a única forma de rodar processos de machine learning, apesar de ter ganhado amplo espaço ao longo dos últimos anos. Outras grandes empresas investem em soluções similares a essa, de olho justamente em reduzir a independência da Nvidia, ainda que os esforços estejam em graus diferentes.

O Google tem um chip próprio, chamado TPU — um dispositivo que tem, hoje, uma capacidade computacional, hoje, melhor até do que a do chip da Nvidia, de acordo com uma fonte que acompanha o setor. Essa solução surgiu a partir da necessidade de a gigante de buscas melhorar o uso da computação para processar de forma mais eficiente seu motor de buscas, conforme foi ficando gradativamente mais complexo. O lado negativo? O chip pode ser poderoso, mas o melhor uso dele vem para rodar o modelo de search da empresa, ou seja, não há casos de uso para adaptação desse modelo em outras companhias, ou mesmo para rodar outras aplicações, como um ChatGPT, por exemplo.

A Meta também tem conduzido esforços nesse sentido, ainda que não diretamente proporcionais. A dona do Facebook e do Instagram é dona do PyTorch, uma ferramenta usada para trabalhar o aprendizado de máquina bastante conhecida pela comunidade de desenvolvedores. Mas, de novo, não se trata de uma simetria perfeita com a combinação de software e hardware que a Nvidia oferece hoje. 

Ainda no campo das big techs, a Microsoft firmou recentemente uma parceria com a AMD para desenvolver chips voltados à inteligência artificial, segundo a Bloomberg. A agência de notícias também reportou que a AMD estaria ajudando, ao mesmo tempo, a Microsoft a desenvolver o próprio chip de IA, chamado Athena -- o que foi negado pela empresa co-fundada por Bill Gates ao veículo. 

Ou seja, mesmo com essas soluções em andamento, fato é que, hoje, tirar o domínio da Nvidia não será tarefa simples. Para ficar em análises do grupo das empresas avaliadas em mais de US$ 1 trilhão, a Amazon é uma das principais clientes da fabricante de chips para desenvolver funcionalidades para a AWS, a maior provedora de cloud no mundo. 

“Os engenheiros estão acostumados com isso, tem um lock-in muito claro. O que vai quebrá-lo é ter uma solução de alto nível em machine learning e no nível de hardware. Se a Nvidia virar mesmo um padrão, tirar isso dela se tornará cada vez mais difícil", afirma uma fonte que acompanha o papel. 

E ainda tem um bônus: ao contrário de soluções de IA generativas, como o ChatGPT, que foi feito por uma startup com o apoio da comunidade de desenvolvedores ao longo de todo o seu tempo de vida, chegar ao nível da Nvidia requer uma enorme capacidade de investimento. Por isso, a comparação com o que big techs têm feito ganha cada vez mais espaço, uma vez que são elas, hoje, as principais empresas capazes de bancar um esforço deste tamanho -- o que, também, reduz as chances de que startups possam eventualmente entrar no mercado da Nvidia. Para dar uma dimensão do esforço da fabricante de chips, a empresa tem, hoje, 14 mil PhDs em seu quadro de funcionários.

Ainda do lado de dúvidas, há um aspecto macroeconômico que pesa sobre a companhia: a tensão entre Estados Unidos e China. Há alguns meses, a Nvidia começou a pressionar a principal fabricante de chips do mundo, a TSMC, para que consiga atender a pedidos de GPUs antes de as restrições começarem. Hoje, a empresa é impedida de comercializar seus modelos mais atuais de processamento com o país asiático -- o que também coloca alguma dúvida sobre o formato e o tamanho da demanda daqui para frente, ainda que seja um ponto de extrema necessidade.

Mesmo com todos esses pontos na mesa, fato é que inovação demanda tempo e dinheiro -- e quem chega primeiro, tradicionalmente, consegue colher os louros de toda essa transformação. É com isso que a Nvidia (e os investidores) contam para ver a companhia atingir um nível de crescimento sem precedentes diante da transformação que a inteligência artificial traz. Em meio a um período difícil para as empresas de tecnologia, a fabricante de chips é, hoje, a menina dos olhos de todo um setor.

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Karina Souza

Karina Souza

Repórter Exame IN

Formada pela Universidade Anhembi Morumbi e pós-graduada pela Saint Paul, é repórter do Exame IN desde abril de 2022 e está na Exame desde 2020. Antes disso, passou por grandes agências de comunicação.