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Linx: futuro da oferta da Totvs nas mãos de apenas dois conselheiros

Os três sócios fundadores, que terão prêmio em oferta da Stone, não vão analisar proposta da Totvs

João Cox, conselheiro profissional com cadeira na Linx: só ele e mais um membro vão avaliar oferta da Totvs que rivaliza com Stone (Divulgação/Divulgação)
João Cox, conselheiro profissional com cadeira na Linx: só ele e mais um membro vão avaliar oferta da Totvs que rivaliza com Stone (Divulgação/Divulgação)
GV

Graziella Valenti

16 de agosto de 2020 às 16:49

O conselho de administração da Linx vai avaliar a proposta da Totvs e qualquer outra que vier, concorrente à da Stone — havia rumores na sexta-feira de que a Rede, a companhia de maquininhas do Itaú, que já tem um importante contrato comercial com a empresa, poderia entrar na disputa ao longo deste fim de semana. Até agora, nada. Mas, por conselho, entenda-se que a decisão e a opinião serão dos dois únicos membros classificados como independentes: João Cox e Roger de Barbosa Ingold. O conselho de administração da empresa tem cinco participantes efetivos: os dois independentes citados mais os três fundadores Nércio Fernandes, como presidente do colegiado, Alon Dayan e Alberto Menache, que é vice-presidente do coletivo. O trio de sócios receberá um prêmio de 30% a mais na oferta da Stone, na forma de uma indenização pela proibição de competirem com a atividade por 3 anos.

A Linx terminou a sexta-feira avaliada em 6,3 bilhões de reais, acima de ambas as ofertas conhecidas, com a aposta dos investidores em uma disputa com novos lances — seja dos mesmos interessados ou de novos. A ação fechou a sexta-feira cotada a 36,01 reais, após valorização de 12,6% — em uma semana na qual acumulava ganho superior a 19%, até quinta-feira.

Conforme o EXAME IN apurou, os sócios da Linx não vão participar da avaliação da proposta da Totvs, encaminhada na sexta-feira à empresa e tornada pública ao mercado. Mas, exceto isso, tudo seguirá os ritos de governança e, se for avaliado procedente, o assunto pode sim seguir para assembleia.

A responsabilidade toda vai recair sobre Cox e Ingold, que estarão em um incômodo papel. Precisam decidir se a oferta da Totvs — que ainda não tem um protocolo de incorporação na mesa — deve ou não ser levada para apreciação dos acionistas em assembleia, uma vez que a Linx é uma companhia sem sócio majoritário e a posição dos três fundadores é de apenas 14% do capital total.

Ainda que Cox e Ingold entendam que a operação com a Totvs possa ser boa, para que seja levada à assembleia, precisa ser negociada no detalhe e ter um protocolo para incorporação da Linx assinado pela administração de ambas as empresas. Mais uma vez, o caso volta para eles, pois o presidente da Linx, Alberto Menache, é um dos sócios e vice-presidente do conselho que se julga em situação de conflito. Assim como Fernandes, presidente do conselho.

Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come

O trio, mesmo próximo de receber milhões e ter o reconhecimento do sucesso da empreitada de uma vida, vive dias puxados. Fernandes plantou as bases do que hoje é a Linx ainda em 1985, quando fundou a Microserv. Ao não avaliarem a proposta da Totvs, estão na prática assumindo a situação de conflito  diante dos ganhos extras que receberão no modelo da Stone. Quando o conselho da Linx avaliou a oferta, na segunda-feira da semana passada, o trio não participou da decisão sobre seus ganhos adicionais e sobre a multa de exclusividade.

O conflito deles, contudo, não é com a Linx (quem vai pagar a conta, inclusive, é a Stone), mas com os demais acionistas da empresa. No caso, a vantagem dos sócios fundadores se caracteriza na forma que advogados experientes classificam como “benefício particular”. A Fama Investimentos, acionista da Linx com 3% da empresa, qualificou o ganho extra como um "prêmio de controle disfarçado". O princípio do Novo Mercado da B3 é impedir a existência de prêmio para grupo específicos em situações de aquisição.

O entendimento da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) sobre se, em situações de conflito de interesses, administradores e acionistas podem votar já mudou e há jurisprudência para quase tudo à disposição. Desde que o voto é permitido a priori para depois ser alvo de avaliação de abuso até que o impedimento é prévio. Mas, se no caso da Linx, os ganhos forem mesmo um benefício particular, a lei é clara na vedação do voto.

A operação é alvo de análise pela autarquia, assim como se houve ou não negociação em mercado com uso de informação privilegiada na terça-feira, dia 11.

Fernandes, Dayan e Menache receberão da Stone o equivalente a 227 milhões de reais em ações da companhia listada na Nasdaq (cálculo com ação a 50 dólares e câmbio a 5,4 reais) para, durante três anos, não adotarem nenhuma iniciativa de competição — esses ganhos equivalem a um prêmio de quase 30% sobre o que recebem pela venda efetiva dos papéis da Linx na mesma condição que o mercado. No caso de Menache, o ganho é acrescido de quase 86 milhões de reais para que atue como conselheiro na operação de software, também por três, em regime de jornada diferenciada — ou seja, seu adicional é de 192 milhões de reais ou 70% a mais do que vai obter com a venda dos papéis da Linx.

No caso da Totvs, o entendimento deles está comprometido pelos ganhos extras que terão em uma oferta, mas não em outra. Para completar, eles assinaram um contrato com a Stone em que se obrigam a votar favoravelmente a sua proposta de incorporação em assembleia — antes mesmo de conhecer potenciais ofertas rivais — e se impedem de negociar com outros interessados. Do contrário, há uma multa que o mercado chama de “break up fee”. Só que essa tem requintes.

Caso negociem com outro interessado e fechem negócio, a Linx deve pagar 605 milhões de reais à Stone — valor equivalente a 10% da oferta. Mas, a exclusividade não era suficiente para a Stone, que sabia se tratar de um ativo cobiçado. Ficou estipulado que se a transação não for aprovada em assembleia, isso custará aos cofres da empresa de software 151 milhões de reais. Se for rejeitada e uma operação ocorrer em um intervalo de 12 meses, a Linx paga 75% da multa, ou 454 milhões de reais, à empresa listada nos Estados Unidos. Quem ganha são os sócios, mas quem paga a multa é a empresa.

Há quem diga que toda a polêmica em torno das peculiaridades do contrato são desconhecimentos do mercado brasileiro a respeito de dois temas: quanto valem os cérebros em negócios de tecnologia e como multas altas são comuns quando as empresas alvo têm o capital pulverizado e precisam ficar previamente amarradas a um compromisso. O que os acionistas insatisfeitos de Linx respondem a esse argumento é que faltou adequar toda essa modernidade à realidade e à lei brasileira.

Os tais ‘break up fees’ são de fato muito comuns nos Estados Unidos. Essas multas têm a função de preservar a vitória a um comprador, de forma a desencorajar competição por um ativo. Qualquer outro interessado fica, na largada, comprometido a pagar essa penalidade. Enquanto são aceitas — até certo ponto — nos Estados Unidos, essas cláusulas são proibidas no “take over code”, que rege as operações de fusões e aquisições na city londrina e, cada vez mais, em todo restante da Europa. O objetivo é justamente promover competição.

O Brasil tem um código de autorregulação para fusões e aquisições, do Comitê de Aquisições e Fusões (CAF). Incentivado pela CVM na gestão de Maria Helena Santana, o órgão foi criado, porém jamais usado. Apenas emitiu alguns poucos pareceres.

Para a disputa com a Stone, a Totvs já declarou que pretende tomar toda as medidas cabíveis para questionar o pagamento da multa, que considera “contrária ao interesse dos acionistas minoritários da Linx, que não se beneficiarão de pagamentos adicionais, criando indevido ônus ao exercício do direito de voto no melhor interesse da companhia” e ainda buscar ressarcimento.

Quase tudo igual, mas muito diferente

As ofertas de Linx e Stone, quando avaliados apenas os valores sugeridos a todos os acionistas, são muito próximas. Variam na casa dos centavos. Mas, para a Stone, o desembolso é maior. O pagamento aos executivos equivale a um ‘gasto’ adicional de 315 milhões de reais — a ser pago a sua maior parte em ações. Trata-se de uma extra que, no total agregado, é pouco mais de 5% de toda a transação.

A Stone, como se sabe, avaliou a Linx em 6,04 bilhões de reais. Tomando as cotações do dia 10, essa oferta avaliou cada ação da empresa em 33,76. Na sexta-feira, esse valor já havia mudado — e vai mudar todos os dias, pois 10% do pagamento por ser feito em ações da Stone: estava um pouco menor, em 33,69 reais.

A proposta da Totvs, formulada no dia 10 para ser entregue no dia 11, mas formalizada apenas dia 14, é equivalente a 1 ação de sua emissão mais 6,20 reais a cada ação da Linx. Na prática, isso dava 32,85 reais na segunda-feira, que no fim da sexta-feira estava em 33,97 reais.

As diferenças estão no que ocorre com o acionista da Linx e com o negócio propriamente, em cada um dos casos. Do ponto de vista estratégico, o mercado gamou no modelo com a Stone, que agrega mil possibilidades a ambas as companhias. Porém, nesse caso, embolsa o lucro à vista e assiste à distância: a Stone é uma empresa listada na Nasdaq a qual poucos têm acesso ou mandato livre para investir.

Já na Totvs, os acionistas podem ver o bolo crescer. A maior parte do pagamento seria com ações da nova Totvs combinada. O movimento estratégico é um aumento de participação de mercado pelo lado da Totvs, e ganhos de sinergias são esperados — assim como riscos de execução, com maior sensibilidade à análise do Cade.

 

 

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