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Juro menor só em 2023 e estagflação não pode ser descartada

Copom ainda vê retomada robusta no segundo semestre, riscos fiscais impondo “viés de alta” para inflação e Selic a 8,50% em 2022 e 6,75% em 2023

Prática e discurso do Copom, de transparência inédita, não mexem apenas com as perspectivas para investimentos, mas rondam economia real pelo canal do crédito (PM Images/Getty Images)
Prática e discurso do Copom, de transparência inédita, não mexem apenas com as perspectivas para investimentos, mas rondam economia real pelo canal do crédito (PM Images/Getty Images)
AB

Angela Bittencourt

28 de setembro de 2021 às 16:38

Nada de ilusão. O Brasil parece caminhar para o pior dos mundos: a estagflação. Nada popular, o termo combina baixo crescimento econômico e inflação alta. O país conhece os dois. E, por ora, não há sinal de trégua na escalada dos preços que tem, por baixo, conhecidas e graves consequências: destrói o poder de compra da população; a expectativa de venda de produtos e serviços de empresas, com impacto na produção; e aborta pontos do produto interno bruto (PIB). Para domar a inflação, o Banco Central aperta o juro. E não vai parar.

Na ata de sua última reunião, publicada nesta terça, o Comitê de Política Monetária (Copom) reprisa o sinal de aumento de mais 1 ponto percentual na Selic em outubro. Hoje a 6,25% ao ano, a taxa avançará a 7,25%. Em dezembro, o juro encostará em 8,25%. E tem mais.

O Copom vai além, na ata, e informa que as perspectivas para a inflação pressupõem trajetória de juro de 8,50% durante 2022 e redução para 6,75% em 2023. Nessas condições — e com dólar a R$ 5,252 — a inflação fica em torno de 8,5% em 2021, 3,7% em 2022 e 3,2% no ano seguinte, diz o comitê que ainda vê uma retomada robusta da atividade neste segundo semestre com o efeito da vacinação contra a covid-19; recuperação do mercado de trabalho, embora ainda abaixo do nível pré-pandemia; e riscos fiscais elevados implicando um “viés de alta" para a inflação.

O cenário que compõe o neologismo estagflação (velho conhecido no Brasil) contém a já citada perda do poder de compra, o que implica em impacto no consumo e, portanto na produção e mais. O que isso significa? Menos emprego do que o potencial, e isso sustenta a ciranda toda onde ninguém sabe o que é razão e o que é consequência com o passar do tempo. Soma-se a isso o aumento no custo financeiro das companhias, devido à alta na taxa de juros (para tentar contem a inflação). Endividadas no pós-pandemia, ainda que em patamares muito inferiores do que já foram registrados no passado, as companhias vão gastar mais para servir seus compromissos, com o CDI mais esticado. Sobra menos para investir. Contração é o risco da vez.

Contracionista no discurso e na prática

O balanço semântico da ata do Copom é sempre revelador. O comando do BC é enfático quanto aos riscos para a inflação e para o poder contracionista da política monetária. “Contracionista” é palavra repetida cinco vezes no texto, ante duas vezes em agosto. “Risco” recebeu dez alertas ante 12 no documento anterior. A “inércia” — que estreou com uma menção em agosto — ficou do mesmo tamanho. O “neutro”, referência para o nível da taxa de juro perseguido pela autoridade monetária, perdeu relevância. Já a “inflação”, razão de todo o esforço de atuação do comitê, foi citada 20 vezes, ante 31 na ata de agosto. E as “expectativas” abrandaram, de oito menções em agosto para três em setembro.

Sinal de que o “real time” fala mais alto. E continuará falando, enquanto a inflação continuar mirando os dois dígitos. O IPCA-15 — prévia da inflação oficial — alcançou 10,05% em 12 meses até agosto, informou o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na sexta-feira passada.

Foco nas pequenas e médias

A prática e o discurso do Copom, de transparência inédita, não mexem apenas com as perspectivas para investimentos, fortalecendo a renda fixa, mas rondam a economia real pelo canal do crédito. A sinalização — vista mais como uma confirmação pelo Copom de taxa básica em queda só em 2023 — contrata um aumento no custo do crédito.

O estoque de operações do sistema bancário cresceu 7,8% no ano até agosto e, em 12 meses, 15,9%, puxado pelo crédito concedido às famílias. No segmento de empresas, juro em alta praticamente sacramentada atingirá, em cheio, micro, pequenas e médias empresas — com receita bruta anual até R$ 300 milhões ou ativo total de até R$ 240 milhões.

A expansão dos empréstimos para esse nicho é de 12,6% no ano até agosto e quase 27% em 12 meses, enquanto os contratos com grandes empresas — com receita bruta acima de R$ 300 milhões ou ativo total superior a R$ 240 milhões — tiveram queda de 1,8% no ano e de 3% em 12 meses até agosto, mostram as estatísticas do BC. Vale lembrar que a imensa maioria dos empregos do país está nas PMEs, e não nas grandes corporações.

A alta alavancada do juro básico — que potencializa a correção das taxas mais longas em um cenário de persistência inflacionária — tende a castigar particularmente justamente esse segemento, que vem ampliando sua participação no estoque de crédito destinado às pessoas jurídicas. Em agosto, a fatia das micro, pequenas e médias no saldo total alcançou R$ 812 bilhões (43,9% do total); em agosto de 2020, o estoque era de R$ 641 bilhões (39% do total).

Embora com saldos bem mais baixos, duas modalidades de operações que despertam interesse crescente das instituições financeiras e registradoras de recebíveis — atores mais novos integrados ao mercado brasileiro a partir da adoção de novas regras de recebíveis em 7 de junho — são desconto de duplicatas e antecipação de faturas de cartões. As duplicatas atingiram R$ 142,59 bilhões em agosto, crescimento de 13,1% no ano e 60,3% em 12 meses, enquanto as antecipações de recebíveis de cartões somaram R$ 53 bilhões — avanço de 17,1% no ano e 42,3% em 12 meses.

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