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Ibovespa já tem 20 empresas com mais de 100 mil acionistas

Crescimento da pessoa física como investidor direto impõe desafio de comunicação a empresas e reguladores do mercado

Lojas Renner: companhia viu base de acionistas ultrapassar 100 mil investidores durante pandemia (Renner/Divulgação)
Lojas Renner: companhia viu base de acionistas ultrapassar 100 mil investidores durante pandemia (Renner/Divulgação)

Publicado em 21 de julho de 2020 às 13:38.

Última atualização em 21 de julho de 2020 às 13:51.

Entre as 72 companhias que compõem o grupo de elite do mercado brasileiro, aquelas com ações no Índice Bovespa, já há pelo menos 20 com mais de 100 mil investidores individuais em sua base de acionistas. Esse total aponta para uma direção que especialistas consideram como inexorável: o aumento dos aplicadores que compram ações diretamente na bolsa e que vão assumir fatias cada vez mais relevantes do capital das companhias.

Até 2018, essa era uma realidade restrita praticamente aos grandes bancos e às empresas de telecomunicações, que tiveram a base ampliada artificialmente pelos planos de expansão de telefonia que davam ações aos compradores das linhas no mundo pré-privatização.  A lista completa das ‘100 mil’ agora tem AmBev (138 mil), B3 (126 mil), Banco do Brasil (447 mil), Bradesco (498 mil), BB Seguridade (127 mil), Engie Brasil (133 mil), Gerdau (106 mil), Itaú (379 mil), Itaúsa (714 mil), Klabin (152 mil), Lojas Renner (101 mil), JBS (101 mil), Petrobras (373 mil), Santander (150 mil) , Taesa (144 mil), TIM Participações (1.253 mil), Telefônica Vivo (1.819 mil), Vale (202 mil), Via Varejo (349 mil) e Weg (219 mil).

É bastante provável que o total seja ainda maior, mas há companhias que não atualizam esses dados desde abril de 2019, como é o caso de Magazine Luiza — com grande potencial de ter superado a marca de 100 mil aplicadores. São 22 empresas atrasadas, algumas há mais de dois anos, com esse dado, obrigatório do Formulário de Referência. A Natura& Co., outra potencial candidata, ainda não publicou os números depois da incorporação da Avon, no começo deste ano.

Com a pandemia e a súbita queda no preço dos ativos, as pessoas físicas decidirem ir às compras sem intermediários, para aproveitar rapidamente as oportunidades. O número de contas abertas em corretoras aumentou de 1,68 milhão em dezembro do ano passado para 2,65 milhões em junho deste ano.

‘Numeralha’ que impressiona

No ano passado, para cada 100 reais aplicados em fundos de investimento em ações, havia outros 8,5 reais destinados para compras diretas na bolsa, conforme levantamento realizado pelo EXAME IN com base em dados do Boletim Diário da B3 e da Anbima. Neste ano, essa proporção está absurdamente maior: a cada 100 reais aportados em um fundo de ações, outros 75 são investidos diretamente pelos pequenos aplicadores por meio de corretoras.

Além dos mais de 500 mil novos investidores que a B3 conquistou em 2020, o dinheiro direcionado às aplicações diretas neste ano é 5,5 vezes maior em termos absolutos. Em 2019, os fundos de ações registraram uma captação líquida de 88,4 bilhões de reais, enquanto os investidores diretos da bolsa deixaram lá aplicados um total líquido de 7,5 bilhões de reais. Neste ano, conforme dados da Anbima, os fundos de ações já levantaram um total de 52,2 bilhões de reais em dinheiro novo, até meados de julho. E as compras diretas de ações na B3 já somam quase 40 bilhões, no acumulado do ano — saldo líquido das posições vendidas.

Para alguns especialistas, se fosse possível isolar o varejo nas estatísticas, sem grandes investidores institucionais como fundos de pensão, gestão de fortunas e family offices, o resultado encontrado seria que a pessoa física preferiu investir sozinha e tomar suas próprias decisões em um ano como 2020, com altíssima volatilidade e o um evento tão imprevisível e difícil de ler quanto uma pandemia que trancou metade da população mundial simultaneamente. "É muito saudável para a economia um maior direcionamento da poupança para ações, mas as transaformações associadas não são pequenas para a rotina do mercado", disse um gestor com anos de experiência no mercado.

A participação da pessoa física na negociação do mercado à vista, de acordo com dados da própria B3, saiu de 18,2% na média de 2019 para 20,2%, na média acumulada neste ano. Apenas como perspectiva, há cinco anos, esse percentual era de 13,7% — e nem é preciso comentar que em volume de dinheiro o aumento é muito maior já que houve forte valorização das empresas desde então.

E a comunicação?

É praticamente unânime entre os especialistas que na média as empresas estão distantes de saber como se relacionar com esse público, enquanto outras adotam costumes de vanguarda. A tecnologia acelerou não apenas a digitalização dos consumidores de produtos, mas também das informações — o que traz novos desafios às companhias e aos reguladores. E as lives da pandemia mostraram o quanto a comunicação direta pode ser eficaz.

Com um público investidor cada vez mais jovem, é notória relevância que as redes sociais e canais diretos estão conquistando. A recente pesquisa realizada pela B3 sobre os pequenos investidores quantificou a transformação. O público acima de 60 anos respondia por 39% dos 700 mil aplicadores em 2018 e caiu para 23% dos quase 2 milhões de CPFs cadastrados em março deste ano. A faixa etária que vai dos 25 aos 39 anos era 35% do público de dois anos atrás e agora é quase metade do total, com 49%. E os jovens entre 18 e 24 anos, já são 10% dos aplicadores – comparado a 2%.

Expoente da pulverização de capital da B3, a varejista de lojas de departamento Lojas Renner, que viu a base de acionistas saltar de 27 mil para mais de 100 mil só neste ano, decidiu organizar uma pequena equipe dedicada a esse público, dentro da secretaria de governança corporativa. A participação no capital dos pequenos investidores saiu de 2,8% para 4%, contou Laurence Gomes, diretor financeiro e de relações com investidores, ao EXAME IN. “Isso traz uma enorme responsabilidade para nós, como gestores da empresa”, destacou o executivo. “Temos um papel muito importante, como parte da educação financeira desse público, de sermos didáticos e também de apontarmos os riscos.”

Ao mesmo tempo, segundo o executivo, é muito interesse perceber como os consumidores podem se tornar acionistas e ter um pouco da visão de dono do negócio. Os temas de maior interesse do varejo, contou, são dividendos e calendário dos eventos da companhia.

A Via Varejo, dona das marcas Ponto Frio e Casas Bahia, é outro expoente desse movimento. As ações de comunicação da direção ajudaram a base de investidores se multiplicar — junto com o valor de mercado — mas colocaram a empresa na mira da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Em setembro de 2019, a companhia tinha 122 mil pessoas físicas no seu livro de acionistas. Esse total estava em quase 350 mil no início de junho. A companhia, como parte de um profundo processo de reestruturação do negócio, intensificou sua comunicação com investidores. Roberto Fulcherberguer, presidente desde junho do ano passado, dedicou boa parte do seu tempo, a partir de abril, para dar visibilidade à transformação digital do negócio, acelerada pela pandemia.

O valor de mercado da Via Varejo, que estava abaixo de 7 bilhões de reais em março, no auge do estresse com a pandemia, foi multiplicado por cinco. A empresa está experimentando um dos desafios da exposição direta: os limites da xerife do mercado. As constantes aparições de Flucherberguer já tinham despertado atenção do regulador e, nesta semana, a situação foi levada ao extremo por uma falha da equipe de comunicação. A companhia publicou em sua conta no Twitter alguns dados de crescimento de receita de produtos campões de venda sem o devido contexto. Foi um burburinho só no mercado. Com crescimentos que passam de 1.000% em algumas categorias, a ação da empresa disparou mais de 7% e a companhia renovou suas máximas históricas. O resultado até agora? Alguns bilhões a mais de capitalização na bolsa e um processo de investigação da CVM sobre o episódio.

Fora do Índice Bovespa, quem também assistiu a base de investidores se multiplicar foi a JHSF, com o esforço do presidente Thiago Alonso de Oliveira, em se comunicar diretamente com o público investidor e em promover um material cada vez mais didático na apresentação das informações da empresa. A base de investidores saiu de 30 mil CPFs em dezembro para mais de 100 mil em maio. A companhia também é uma das campeãs de valorização da pandemia: o valor de mercado passou menos de 2 bilhões de reais em março para os atuais 6,6 bilhões de reais.

O desafio dos canais diretos não é muito diverso dos releases de resultados das companhias, peça que não faz parte do material auditado entregue à CVM: notícia boa todo mundo quer dar na frente, o difícil é assumir e explicar a ruim ou complexa.

No balanço do primeiro trimestre, a Suzano experimentou na prática. A companhia teve de justificar o efeito negativo de uma posição de hedge cambial, assunto para lá de árido. Depois de ver a empresa equivocadamente virar meme nas redes sociais, comparada à Sadia e à Aracruz que quase quebraram com derivativos cambiais, o diretor financeiro Marcelo Bacci contou ao EXAME IN na ocasião que abriria uma conta no Twitter. Além disso, dedicou tempo relevante para educar seus investidores sobre o tema em diversas transmissões na internet.

A B3, que também é companhia aberta e com mais de 120 mil investidores, inovou no balanço do primeiro trimestre, diante da expansão de sua base de acionistas. Depois de um lucro líquido recorde de 1,16 bilhão de reais com o alvoroço das movimentações de mercado na pandemia, passou a produzir um podcast de 15 minutos que passará a acompanhar a divulgação de resultados. No episódio de estreia, a ideia foi deixar claro que o número do período estava fora do padrão e explicar o que aconteceu.

É para todo mundo?

Enquanto muitos comemoram o movimento como sinal de maturidade do mercado de capitais brasileiro, Mauro Rodrigues da Cunha, que há anos milita pela evolução das boas práticas de governança do país e foi presidente da Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec), se preocupa. Ainda que reconheça a melhoria de ambiente com a tecnologia e os avanços na educação financeira, ele destaca que que o pequeno aplicador deveria sempre concentrar suas aplicações em profissionais, ou seja, em gestores de fundos. “Ação é algo que jamais pode ser vendido como um produto. Eu tenho sérias dúvidas sobre a capacidade de análises profundas desse público, que pode ficar a reboque e à mercê dos interesses dos grandes investidores.” O temor do especialista é com o risco de frustração desse público, o que poderia inibir uma saudável migração de recursos para renda variável, ou seja, uma injeção direta de dinheiro na economia produtiva. Rodrigues da Cunha sempre foi um entusiasta do mercado de ações como o melhor caminho para a democratização do capital.

Para Eduardo Mendez, chefe de mercado de capitais e renda variável para América Latina do Morgan Stanley, é natural o aumento da participação dos investidores diretamente no mercado, em especial, diante da forte queda da taxa Selic, que atualmente está em 2,75% ao ano. Apesar do crescimento recente do público aplicador, ainda é uma parcela muito diminuta da população brasileira — com mais de 210 milhões de habitantes e 80 milhões de pessoas economicamente ativas — que compra ações diretamente na bolsa.

O executivo do Morgan Stanley destacou que ainda que esse público continue em expansão, a formação de preços sempre será feita pelo investidor institucional, que possui maior capacidade de análise. Além disso, segundo ele, nem mesmo nos Estados Unidos, onde a penetração da bolsa é altíssima na população (acima de 50%), a pessoa física não movimenta mais que os investidores institucionais. Mendez acredita que em um mercado saudável, a divisão entre cada um dos participantes — pessoa física, institucional e estrangeiro — pode ficar mais próxima do equilíbrio.

 

 

 

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