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Economia

IA elevará a outro nível os trabalhos que só humanos podem fazer, diz reitora de Wharton

Erika James, primeira mulher e primeira negra reitora da tradicional escola de negócios, visitou a EXAME e falou sobre pandemia, diversidade e o futuro do capitalismo

Erika James: “Os negócios sempre estiveram na base fundadora de todas as sociedades modernas” (Leandro Fonseca/Exame)
Erika James: “Os negócios sempre estiveram na base fundadora de todas as sociedades modernas” (Leandro Fonseca/Exame)

12 de junho de 2023 às 19:09

A psicóloga Erika James é a primeira mulher e a primeira pessoa negra reitora de Wharton, uma das mais tradicionais escolas de negócios do mundo, com 140 anos de história. Especialista em gestão de crises, ela levou a teoria para a prática nos últimos 3 anos. Assumiu em 2020 a escola que já teve alunos como Elon Musk, e precisou adaptar e repensar o papel de uma instituição de elite durante a pandemia.

Passado o pior da covid-19, precisou entender e planejar como uma nova onda de mudanças afeta a educação: a explosão das ferramentas de inteligência artificial. James acredita que para ampliar o impacto de Wharton, precisa chegar a novos públicos e ampliar a diversidade dentro e fora dos muros da escola.

Ela veio ao Brasil no início de junho prospectar oportunidades no país e reunir-se com alguns dos 500 brasileiros entre os 100.000 alumni de Wharton. Autora de The Prepared Leader, escrito em parceria com Lynn Perry Wooten, ela concedeu a seguinte entrevista na sede da EXAME, em São Paulo.

Gostaria de voltar a 2020. Como foi começar um novo desafio como esse no meio da pandemia. O que mudou na forma como você e Wharton vêem a sociedade, e o que não mudou?

Eu comecei em julho de 2020, e quando cheguei já estávamos 100% remotos. Então uma das primeiras coisas que fizemos para que o mundo pudesse receber nosso principal produto, educação, foi investir muito em tecnologia para poder chegar a nossos alunos em todo o mundo. Tivemos que treinar nosso time e os preparar para entregar conteúdo de formas com as quais eles não estavam familiarizados. Nos adaptamos para oferecer nossa educação e nossa experiência. Quando pudemos voltar com as atividades presenciais, tínhamos a pergunta de como pegar tudo que aprendemos na pandemia e trabalhar de forma ainda melhor? Como chegar a mais pessoas no mundo? Antes, atraíamos 5 mil estudantes, de graduação, pós-graduação e MBA, temos 100 mil alumni pelo mundo, mas queremos chegar a audiências maiores.

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De fato, o número é grande, mas ao mesmo tempo é uma fração muito pequena do público endereçável, certo?

Temos mais alumni que qualquer outra escola de negócios no mundo. Por essa perspectiva, é muito. Mas após a pandemia vimos que havia caminhos para chegar a um segmento mais amplo da população. E uma das coisas novas que fizemos foi lançar o Global Executive MBA Program, feito principalmente de forma virtual, mas de uma maneira síncrona, com pessoas conectadas em tempo real. Isso nunca tinha sido feito antes. Lançamos há algumas semanas e temos 50 alunos de 13 países. Além disso, temos o Global Youth Program, um programa focado em trazer estudantes de ensino médio dos Estados Unidos para estágios de verão, mas que agora também podemos oferecer para todo o mundo. Já temos centenas de estudantes. Também lançamos uma competição global de cases, que já atinge 10 mil estudantes em todo o mundo, de forma virtual. Apenas para a final eles virão para a Filadélfia para defender seus projetos a uma audiência de executivos. São apenas alguns exemplos de como usamos a tecnologia para chegar a novas audiências. Também investimos em tecnologia para melhorar a experiência em sala de aula, que permite a nossos professores conectar estudantes de forma que antes não era possível.

E o que não mudou após a pandemia?

O que não mudou foi o foco em ser uma escola de negócios que privilegia dados e experiência. Nossos professores e pesquisadores são muito focados em análises empíricas para suas pesquisas e para os ensinamentos e conselhos que passam a executivos e estudantes. Isso é nossa fundação há 140 anos, e segue relevante.

Numa entrevista recente, a senhora afirmou que a ESG e diversidade são temas cada vez mais importantes para Wharton, mas que os elementos fundadores da escola seguem relevantes. Como combinar essas duas frentes?

Somos uma escola de negócios com foco em finanças. Essa é nossa história e legado, e continuará a ser. Mas à medida que o mundo evolui e muda, a escola também precisa evoluir e mudar. Eu assumi o posto em 2020, no mesmo verão em que o Business Roundtable colocou ESG como prioridade para os negócios. Se aquela era a direção para onde os negócios estavam indo, então as escolas de negócios, que preparam as novas gerações de líderes, também precisam se mover nesta direção. Wharton sempre teve professores pesquisando e ensinando pautas ambientais e mudanças climáticas, assim como em temas sociais como diversidade ou governança. O que tentamos fazer nos últimos anos é jogar luz sobre essas áreas para que as pessoas não nos reconheçam apenas pelas finanças, mas também por essas pautas.

A senhora acredita que o propósito principal de uma escola como Wharton mudou?

Acho que se expandiu. Nosso propósito sempre foi fornecer educação excepcional e pesquisa que forma a base de conhecimento para nossos estudantes seguirem em frente. Mas o que ensinamos e pesquisamos precisa se expandir para incluir o contexto e questões como mudanças climáticas, diversidade, ética, que são centrais para as sociedades, nos Estados Unidos ou no Brasil. Nosso currículo tem que incluir isso.

Para uma escola de negócios que prepara a próxima geração de líderes, como vocês se preparam para seguir estrategicamente na frente?

Nos últimos tempos, especialmente nos Estados Unidos, os negócios passaram a ter uma reputação ruim. Como se fossem um campo apenas para os gananciosos. Mas os negócios sempre estiveram na base fundadora de todas as sociedades modernas. O que eu tento fazer em Wharton é destacar todas as formas como os negócios geram valor para as sociedades. São os negócios que têm os meios para promover pesquisas em clima, ou empregar pessoas para que as sociedades sigam avançando. Perdemos isso de vista de tempos em tempos. Uma escola como Wharton precisa liderar a forma como os negócios são percebidos pela sociedade.

Gostaria de conectar esse ponto com seu último livro, The Prepared Leader. A senhora fala da oportunidade de os líderes e as empresas saírem mais fortes das crises. A pandemia ajudou a construir essa resiliência em seus estudantes?

O mundo e nossos estudantes mudaram fundamentalmente após a experiência da pandemia. Foi um ambiente muito estressante. As conversas que passamos a ter e os investimentos que passamos a fazer em saúde mental formaram uma nova realidade. Olho para esses jovens que navegaram tempos difíceis, morando em seus quartos por um ano, tendo aspectos da sua vida disruptados e concluo que isso muda as pessoas. Eles aprendem a se adaptar, e a usar os recursos disponíveis para conseguir ter sucesso em suas vidas. Olhamos para a inovação e a capacidade empreendedora desta geração como um resultado da experiência que tiveram. O que escrevi no livro é que usar essa experiência difícil para galvanizar inovação e criar coisas que não teriam existido sem as crises é uma grande oportunidade.

Até porque as pessoas não são perfeitas. Nem mesmo os estudantes de Wharton... Nenhum de nós é perfeito.

A senhora conseguiu usar essa capacidade inovadora para desenvolver soluções para as pessoas triunfarem, uma visão mais proativa da questão de saúde mental?

O foco dos nossos estudantes está em identificar a causa de problemas de saúde mental, embora os projetos levem tempo. Uma das coisas que tentamos fazer é colocar todas as faculdades da Universidade da Pensilvânia trabalhando pelo mesmo objetivo. A escola de medicina tem profissionais dedicados, assim como engenheiros criam produtos que podem ir ao mercado em conexão com a escola de negócios. Quanto mais conseguirmos trabalhar em conjunto com outras áreas, mais vamos conseguir avançar.

O quanto diversidade e conexões para além dos muros da escola são importantes para o futuro de Wharton?

Uma das coisas que tentamos fazer ativamente é criar as conexões de pessoas com expertises diferentes. Os negócios podem resolver uma série de problemas complexos que estamos enfrentando, mas não sozinhos. Precisamos de diferentes profissões, e de pessoas que tragam diferentes perspectivas. É isso que trará as soluções para os problemas tecnológicos que estamos enfrentando. Como escrevi no livro e como falo para meus estudantes, diversidade é central para a força competitiva de qualquer país num mundo que se transforma. Não podemos depender de um único grupo demográfico, de uma única profissão, ou de uma única expertise, ou de um único gênero, e ainda assim esperar ser competitivos globalmente. Temos que arrumar formas de trazer essa diversidade e despertar as oportunidades positivas.

Como a sua história é representativa para o valor da diversidade em Wharton?

Cresci como parte de uma família muito diversa. Meus pais biológicos são negros, mas se divorciaram quando eu era jovem. Minha mãe se casou com alguém que é branco e judeu, meu pai se casou com uma pessoa branca, irlandesa e católica. Tive a experiência de ter que navegar em diferentes comunidades desde ser uma criança pequena. Isso me fez ser muito aberta e receptiva ao valor de diferentes históricos e perspectivas. Vejo com otimismo que os silos demográficos estão convergindo, sobretudo entre a população mais jovem. Eles não veem as diferenças da mesma forma como a minha geração via as diferenças, então vejo que a gestão precisa ver essa diferença entre os que têm mais de 50 e os que tem menos de 25 anos e como eles veem o mundo. Politicamente falando, vemos que as pessoas estão mais e mais entrincheiradas ideologicamente. Precisamos achar uma forma de comunicar mais com mais eficiência, para permitir que nossas diferenças não impeçam a sociedade de seguir evoluindo.

Os silos políticos e ideológicos também são uma pauta relevante no Brasil.

Eu vejo uma grande oportunidade vindo entre os mais jovens. E vejo que é isso que me manteve a vida toda conectada à educação e ao potencial que as pessoas têm. Procuro buscar formas de destravar a tendência natural que as pessoas têm a não olhar as diferenças que as dividem. Usar essa capacidade de aceitar as pessoas pelo que elas são pode ser um diferencial em cargos de liderança.

Há o desafio de aumentar a diversidade dentro da universidade, mas como fazer com que os alunos de Wharton não se sintam numa bolha na comparação com o restante do mundo?

Para ter mais impacto no mundo, precisamos servir mais de 4 mil ou 5 mil pessoas por ano. E agora com a tecnologia podemos oferecer informação e conteúdo para comunidades que de outra forma não teriam acesso a escolas como Wharton, Harvard ou Stanford. Essa é uma avenida. Temos de usar nossos profissionais para oferecer conteúdo para ensino médio no mundo, especialmente em comunidades em que os estudantes nunca teriam possibilidade de ir para Wharton. Podemos oferecer cursos e dar exposição a nossos alunos e profissionais. São formas que escolas como Wharton, que têm os meios para promover acesso, conseguirem ampliar o impacto. Nem todo mundo precisará de um diploma de MBA, mas de acesso a conteúdo de negócios que os permitam ter sucesso na sociedade, seja em carreiras de saúde, engenharia, em empresas do terceiro setor.

Considerando a necessidade global por educação, que impacto tem e terá uma ferramenta de inteligência artificial como o ChatGPT? Elas são importantes ou perigosas?

As duas coisas. A razão pela qual temos ferramentas como o ChatGPT é porque a profunda formação das pessoas ao longo dos anos as permitiu criar esse tipo de tecnologia. Temos que reconhecer que o mundo está se movendo cada vez mais nesta direção, então temos que aprender como utilizar essas ferramentas. Quando eu tive contato com o ChatGPT, seis meses atrás, minha primeira reação foi achar que os estudantes poderiam fraudar exames e processos de acesso à faculdade. Mas depois me dei conta que essa era apenas uma preocupação inicial. A forma como essas ferramentas reposicionam a forma como os trabalhos são feitos e que habilidades as pessoas precisam para fazer um trabalho é o que importa mais. Nós como educadores temos que repensar a forma como preparamos nossos estudantes.

Algumas mudanças já foram implementadas?

Sim, alguns de nossos cursos já tiveram o currículo adaptado, assim como muitos de nossos professores estão permitindo o uso dessas ferramentas. Nossos estudantes precisam aprender a usar as ferramentas de forma que possam levar os trabalhos que humanos podem fazer para um nível diferente. Escolas de negócios continuarão considerando aspectos técnicos como finanças e contabilidade importantes, mas cada vez mais precisarão focar no que a tecnologia não pode fazer, que é a comunicação interpessoal. As mudanças de estratégia. A construção de cultura. E essas coisas serão cada vez mais importantes. É onde acho que as escolas de negócio precisam investir.

A proeminência da inteligência artificial levou Wharton a investir mais em ética na tomada de decisões?

Temos um departamento chamado "Estudos legais e ética", e nossos estudantes sempre foram demandados a ter aulas de ética em sua formação. Mas o foco em ética no contexto atual vai ganhar mais importância. Estamos trabalhando nisso.

Mesmo com o alto nível de estudantes que vocês têm, a preocupação com fraudes envolvendo ChatGPT é real?

A primeira questão é definir o que é "fraudar" neste contexto. Imagine quando as calculadoras chegaram às escolas. Havia a preocupação de que elas poderiam modificar nossa forma de pensar e tornariam o estudo de matemática obsoleto. Mas mudou o que precisamos saber. Penso que com inteligência artificial é parecido. Se os estudantes usam as ferramentas sem permissão, e sem informar, então, sim, isso é uma fraude e vira uma questão ética. Mas se os professores permitem o uso, ou os estudantes avisam de onde retiraram o material, talvez não seja uma fraude, mas ainda assim precisa levar a um debate sobre responsabilidade e acurácia.

De que forma a formação em negócios pode levar o Brasil a atingir seu potencial como país?

Como disse antes, acredito que negócios estão na fundação de qualquer sociedade bem sucedida. Mas não podemos falar apenas de apenas negócios. Parte do que faz um país como o Brasil ser tão incrível é a forma como historicamente vocês espalharam arte, música e comida pelo mundo. Isso também importa. E o mundo se beneficiaria com mais exposição às coisas que fazem o Brasil ser o Brasil. À medida que os países se desenvolvem, o capitalismo também precisa se desenvolver. O capitalismo é o mecanismo mais valioso para impulsionar um país e uma sociedade, mesmo que não tem sido uma ferramenta perfeita. Temos que dedicar cada vez mais tempo a pensar como desenvolver o capitalismo, e o Brasil pode ter uma participação relevante nesta frente, levando em conta a trajetória de desenvolvimento do país.

E os planos de Wharton para o Brasil?

Estou aqui porque estou muito curiosa acerca das oportunidades de conexão de Wharton com o país. Temos uma incrível rede de alumni, que são apaixonados pela escola. Procuramos expandir nossa reputação por aqui. Mas acho que o Brasil é um país grande, e há muitas oportunidades de buscar novas conexões.

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Lucas Amorim

Lucas Amorim

Diretor de redação da Exame

Jornalista formado pela Universidade Federal de Santa Catarina, começou a carreira no Diário Catarinense. Está na Exame desde 2008, onde começou como repórter de negócios. Já foi editor de negócios e coordenador do aplicativo da Exame.

Heloisa Jardim

Heloisa Jardim

Diretora da Faculdade Exame

Expert em Liderança, Cultura Organizacional e Bem-Estar