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Educação: qual é o impacto real de um novo FIES no Brasil do futuro?

Entre a valorização bilionária de empresas do setor no último mês e uma real melhora dos índices de matriculados há uma série de desafios a serem superados, definem fontes

Novo FIES: opiniões divergem sobre formato de novo programa e impacto real; ao menos por enquanto, expectativas sobre resultados de grupos privados são positivas (Pattanaphong Khuankaew/EyeEm/Getty Images)
Novo FIES: opiniões divergem sobre formato de novo programa e impacto real; ao menos por enquanto, expectativas sobre resultados de grupos privados são positivas (Pattanaphong Khuankaew/EyeEm/Getty Images)
KS

Karina Souza

7 de outubro de 2022 às 14:01

As promessas de Lula, que liderou o primeiro turno da eleição à Presidência com 48% dos votos, de dar novo gás ao FIES estão deixando as ações dos grupos de ensino superior sob os holofotes do mercado. Cogna e Yduqs, por exemplo, aceleraram 6,85% e 4,98%, respectivamente, na quinta-feira (6), após novas falas envolvendo o programa. É o reflexo mais recente de uma série de valorizações que acontece nos papéis de todo o setor desde o mês passado. No período que antecedeu a votação do primeiro turno, os cinco grupos de educação listados na Bolsa – a lista também inclui Ânima, Ser Educacional e Cruzeiro do Sul -- ganharam R$ 2,2 bilhões em valor de mercado. Desse total, R$ 1,4 bilhão veio a partir do dia 17, data em que o tuíte de Lula a respeito da volta do Prouni e do FIES “com força” foi publicado. 

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No início de outubro, com a confirmação de segundo turno entre o candidato petista e Bolsonaro, o ritmo de avanço dos papéis desacelerou. Tanto quanto a dúvida sobre quem vai assumir a cadeira da presidência no país, pairam na cabeça do mercado questões sobre o que seria o FIES ‘anabolizado’ em um possível terceiro mandato de Lula, junto à pergunta sobre como ele seria feito. No fim das contas, o que todo mundo quer saber é: afinal, qual o impacto do FIES no setor de educação, hoje?

Para entender o que isso significa, é necessário fazer uma breve retrospectiva do que aconteceu desde os “anos de ouro” do programa até hoje. Em 2014, ano de pico do volume de financiamentos concedidos (foram 731 mil), os cursos à distância eram apenas uma miragem. A mensalidade do ensino presencial, em torno de R$ 800 – excluindo cursos fora da curva tradicional de preços, como Medicina – correspondia a mais de 100% do salário mínimo, de R$ 724,00. A partir das mudanças introduzidas em 2015 no programa de financiamento estudantil, a quantidade de bolsas concedidas despencou para 287 mil, número que é reduzido anualmente desde então. Em 2021, foram apenas 37 mil. 

Nesse intervalo, mais especificamente desde a pandemia, uma mudança importante aconteceu. De 2020 para cá, instituições de ensino superior investiram e muito no ensino digital. Hoje, os cursos de graduação puramente remotos respondem por 47% do total de alunos (incluindo pós-graduação) dos cinco grupos com ações na bolsa. Isso importa na medida em que traz – ou ao menos deveria trazer – mais acessibilidade do ponto de vista financeiro ao ensino superior. Se, há oito anos, cursar uma faculdade significava um desembolso de mais de todo o salário mínimo, hoje, com cursos a R$ 200, corresponde a 17% dele. 

As empresas do setor também aumentaram a oferta de cursos “premium” de lá para cá. Em abril de 2020, por exemplo, a Yduqs (Ex-Estácio), concluiu a compra da Adtalem, dona da escola de negócios Ibmec, por R$ 2,2 bilhões. A Ânima conseguiu levantar, no ano passado, R$ 1 bilhão para a Inspirali, seu braço de cursos de medicina -- cujo preço médio das mensalidades no segundo trimestre de 2022 ficou em R$ 8.264.  

Nesse cenário, portanto, uma nova edição do FIES totalmente nos moldes em que chegou ao auge em 2014 é um “terno que não serve mais”, na visão de analistas consultados pelo EXAME IN. “O programa perdeu atratividade”, diz Mariana Ferraz, que acompanha as ações do setor pela casa de análise Eleven Financial. “A minha visão é que o momento da educação é outro. Tem cursos bem mais acessíveis do que se tinha em 2014”, diz ela, que mantém os ativos do setor sob revisão. “A questão da acessibilidade já foi endereçada pelo ensino à distância”, diz outra fonte próxima ao mercado.  

Novo FIES? Qual seria o impacto? 

Um FIES polpudo como se observou nos mandatos petistas anteriores não deve mais ser a realidade, diz um ex-reitor de dois grupos privados de ensino superior de São Paulo. “O FIES foi importante, mas a um preço elevadíssimo tanto para alunos quanto para o governo. Turbinou-se o caixa das instituições e por isso as ações, depois, ficaram no limbo. O programa como estava sendo ia ser uma bomba-relógio. Só não explodiu porque o dinheiro acabou antes”. Segundo ele, as empresas também “aprenderam a lição”. Por isso a adesão seria mais cautelosa, sem gerar tanta dependência do financiamento para garantir aumento de alunos e dos tíquetes médios, além de menores montantes de investimentos em abertura de campi.  

Outra fonte compartilha dessa opinião. “O programa pode vir revitalizado, aperfeiçoado. Com mais alunos, sem perda de bolsas e com menos burocracia. Há questões que podem melhorar operacionalmente. Agora, as instituições terem metade da receita dentro do programa parece difícil. É um programa que não pode cometer os mesmos erros que cometeu no passado. Tem de ser sustentável para ser perene. Acho que esse é o maior desafio, garantir uma duração longa”. 

Para o chefe de análises da Ativa Investimentos, Pedro Serra, há razões para ânimo do mercado com uma eventual retomada consistente do FIES. Serra destaca que a evasão e a inadimplência estão elevadas na modalidade de ensino remoto, o que ele acredita que pode ser melhorado com maior oferta de financiamento estudantil, dado o momento de endividamento das famílias. “As perspectivas que tínhamos de captação de alunos e melhora da evasão e ganho de margem não têm acontecido com o ensino digital. As empresas estão sofrendo. Por isso faz sentido, sim, uma volta do FIES. Para as empresas seria um benefício muito grande, com aumento de tíquete e volta de margem”, acrescenta.  

A visão é a mesma de outra fonte do setor. “Há seis anos, no FIES, você tinha uma turma de Administração, por exemplo, com 50 alunos no presencial. Digamos que hoje tenha 20. Com uma nova versão do programa, mesmo que esse número passe de 20 para 30, já se trata de um retorno significativo, ainda mais considerando o efeito ao longo dos anos, com várias turmas dentro do programa. Além disso, ofertar bolsas para EAD, por exemplo, também pode reforçar o impacto”, diz outra fonte próxima ao setor. Caso realmente a ideia do programa vá para frente, a expectativa é a de que ele consiga trazer algum retorno somente a partir de 2024, uma vez que se trata de uma negociação extensa – e tendo em vista que o período mais aquecido para abertura de vagas no vestibular acontece no último trimestre do ano.

Atualmente, as ações do setor estão negociadas a um múltiplo de 6x EV/Ebitda (a relação entre o valor da empresa e sua capacidade de geração de caixa), abaixo do patamar histórico. Antes da pandemia, esse indicador era de 8,5 vezes. Analistas do J.P. Morgan calculam que uma injeção de R$ 18 bilhões no programa permitiria um volume de financiamento de 270 mil contratos, o que implicaria crescimento de 10% das receitas das empresas do setor entre 2024 e 2030, com impacto positivo de 20% no Ebitda. Com isso, o múltiplo poderia chegar a até 12 vezes. Ou seja, um impulso e tanto — ao menos nas expectativas de agora. 

 

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