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CVM muda relatório de fundos para proteger estratégia de gestores

Regulador foi sensível ao pleito levado pela elite das gestoras de recursos, agenda recentemente acompanhada pela Anbima

Transparência: Brasil ainda continua campeão na quantidade de informações disponíveis para investidor (Pogonici/Thinkstock)
Transparência: Brasil ainda continua campeão na quantidade de informações disponíveis para investidor (Pogonici/Thinkstock)
GV

Graziella Valenti

23 de agosto de 2021 às 08:55

A vida dos investidores que gostam de seguir a carteira dos fundos mais famosos — e rentáveis, claro — do mercado para tentar mimetizar o portfólio está mais difícil desde sexta-feira. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) mudou a forma de apresentar as carteiras ao público.

Enquanto as posições em ações dos fundos estiverem fechadas para divulgação, todos os papéis ocultos ficam, a partir de agora, agregados num único montante. O que torna muito mais complexo estimar o que tem naquele total.

Os fundos precisam entregar à autarquia suas posições mensalmente. Mas os gestores podem, por três meses, manter em segredo os ativos que estiverem sofrendo modificação no portfólio.

Antes, nessas situações, a CVM publicava a lista de ação por ação, só que com o ticker omisso, mas com o respectivo volume posicionado. Para os interessados, bastava uma consulta à última carteira aberta completamente para ver de qual ativo se tratava. A mecânica adotada pelo regulador, portanto, não era eficaz para proteger os gestores nesse período. O avanço tecnológico tornou-a ineficaz. A combinação de dados mais antigos com outros disponíveis no mercado, por meio de inteligência artificial, permitia uma grande acurácia das informações aos mais esforçados.

"No fundo, com essa alteração, eles [CVM] só estão voltando a fazer valer a instrução, que diz que o gestor, com justificativa, tem o direito de esconder a carteira por três meses e isso não vinha acontecendo", comenta um gestor de recursos questionado sobre o impacto da medida.

Aqueles que se dedicam com mais afinco a estudar o tema, usam as cotas diárias publicadas e mais uma série de outros documentos para refinar a pesquisa, incluindo posições em custódia e outros dados da B3. Agora, o regulador complicou com a apresentação toda agregada.

Os fundos continuam entregando tudo detalhado à CVM. A capacidade de investigação da autarquia não sofreu nenhuma alteração. Mas a mudança foi feita para que a indústria fosse preservada de uma série de movimentos de cópias existentes.

De forma geral, os gestores ficaram satisfeitos, conforme o EXAME IN apurou. Ainda assim, sabem que a medida não resolve todo o problema. Era uma das melhores alternativas para uma reação de curto prazo, sem mudança regulatória. Entretanto, idealmente, a percepção é que o prazo de abertura das informações deveria aumentar, para dar mais segurança.

O debate

A transparência da indústria de fundos no Brasil, cujo patrimônio é de R$ 6,5 trilhões, está há quase um ano em debate nos bastidores do mercado: dentro e fora da CVM. As maiores e mais tradicionais gestoras de recursos do país, a elite nacional do “value investing” estava — e ainda está — preocupada com a forma rápida que a era da tecnologia de dados tornou as estratégias vulneráveis — no sentido de expostas.

A lista de nomes inclui Absoluto, Atmos, Dynamo, Sharp, Velt, Verde e 3G Radar. Essas casas foram talvez as mais ativas na discussão com o regulador. No fim do ano passado, levaram um estudo sobre o assunto à xerife do mercado, elaborado pelo ex-diretor da própria CVM Marcos Barbosa Pinto, que também tem experiência como gestor após sete anos na Gávea Investimento.

No fim de junho, o EXAME IN trouxe o assunto em detalhes e antecipou que a CVM considerava alguma mudança de layout na entrega da informação ao mercado que pudesse proteger a indústria sem comprometer a transparência.

A preocupação é que o excesso de informação, com o tempo, possa levar a uma perda de competitividade da indústria e, portanto, no limite, a um empobrecimento intelectual do mercado ou até, quando possível, à migração das carteiras para fora do Brasil.

Recentemente, na consulta pública a respeito da reforma da regulação da indústria, a Anbima também apontou para a necessidade de uma reavaliação da quantidade e do prazo das informações divulgadas. Nos Estados Unidos, por exemplo, as gestoras abrem as carteiras com defasagem de 3 meses e com prazo de 45 dias para divulgação.

Smart Money

Não pense você, leitor, que é o varejo que mais compra as informações sobre os fundos. Os próprios gestores — em número cada vez maior — adquirem esse conteúdo e têm o hábito de “se acompanhar”. Mesmo aqueles que seguem única e exclusivamente suas convicções internas.

Exemplo disso é o episódio da gestora Squadra com o IRB, quando questionou a qualidade das informações prestadas pela resseguradora de posse de uma posição “vendida” no papel. A estratégia foi montada ao longo de diversos meses. Não foi de uma hora para outra. Muitos gestores experientes, de outras casas, que viram a posição sendo construída puderam evitar prejuízo maior.

Mas a questão é que cada vez que isso ocorre, a eficiência do fundo que originalmente viu a oportunidade se dilui.

Para o varejo, existem produtos também. Quem vem conquistando mais e mais atenção é a Smart Money Research, fundada por Pedro Oliveira, e que estreou no começo deste ano. O engenheiro de formação transformou o estudo das carteiras dos melhores fundos em produtos de recomendação para investidores. São diversos os relatórios produzidos, como por exemplo, as 10 ações de maior consenso entre os melhores gestores.

Questionado sobre se o movimento da CVM tornaria seu produto inviável, ele explicou que não. Porém, haverá redução na quantidade de fundos que podem ser acompanhados. Antes, sua equipe seguia 9 carteiras brasileiras. Agora, Brasil Capital e Constellation tornaram-se impróprios para suas avaliações. Além disso, provavelmente, não será possível manter a defasagem da informação em 15 dias para todas as carteiras que avalia — como ocorria antes.

Oliveira praticamente garimpa dados e, além de tecnologia e ciências da computação, faz ajustes manuais com informações que confere. Em geral, são possíveis de serem seguidas apenas as carteiras de baixo giro, ou seja, de fundos tipicamente chamados de “long only” ou “buy and hold” — estratégica predominante na filosofia de casas como Dynamo, Atmos, Velt, 3G Radar, entre outras.

Já carteiras com “turnover” elevado, ou seja, trocas frequentes de posições e também aquelas que fazem uso de derivativos, por exemplo, são mais complexas e muitas vezes a réplica não é adequada.

Oliveira também faz os mesmos produtos com fundos internacionais com nomes como Baillie Gifford, Bridgwater, Berkshire Hathaway, Icahn Capital, Lone Pine, Oaktree Capital, Pershing Square Capital, em um total de 26 potenciais fundos.

Para ele, é possível que o acompanhamento fique bem complicado para diversos investidores que seguiam os fundos. Mas, para o sócio da Smart Money Research, minerador de informações, não ficará impossível. "A transparência provida pelos diversos documentos da CVM, e também pelo sistema Data Wise da B3, faz do Brasil campeão de transparência quando comparado aos Estados Unidos." Oliveira pode afirmar isso com a segurança de quem faz um trabalho de extração de dados da Securities and Exchanfe Commission (SEC) análogo ao feito para o mercado local.

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