Logo Exame.com
Bancos

Covid-19 pega bancões mais expostos a crédito vulnerável à crise

Concentração da carteira de crédito em pessoas físicas e pequenas e médias empresas subiu de 42% para 47%, desde 2015

AGÊNCIA BANCÁRIA: em dezembro 53% dos empréstimos eram das instituições privadas e 47%, das estatais (Germano Lüders/Exame)
AGÊNCIA BANCÁRIA: em dezembro 53% dos empréstimos eram das instituições privadas e 47%, das estatais (Germano Lüders/Exame)
GV

Graziella Valenti

6 de abril de 2020 às 10:35

A pandemia da covid-19 atingiu os bancos brasileiros no momento de maior exposição da carteira de crédito a pessoas físicas e pequenas e médias empresas desde 2015. A soma dos dados dos três maiores bancos privados do país – Itaú, Bradesco e Santander – mais o Banco do Brasil mostra que o total concedido a esses segmentos aumentou em 240 bilhões de reais nesse período – de 907 bilhões de reais para 1,15 trilhão de reais, de 2015 ao fim de 2019.

Em termos percentuais, a exposição somada das quatro instituições avançou de 42% para 47%, nesse intervalo de cinco anos. Essa conta importa porque a expectativa dos especialistas é que esses clientes serão atingidos primeiro e em maior intensidade pela crise econômica decorrente dos esforços de contenção da disseminação do novo coronavírus. Uma das grandes questões em aberto, no momento, é com qual agilidade -- e com qual senso de prioridade -- as grandes instituições farão o crédito chegar aos pequenos.

Entre os bancos, a distribuição do perfil de cliente varia bastante sobre o total da carteira, pois cada qual tem sua estratégia e particularidade. No Bradesco, por exemplo, a concessão de crédito a pequenas e médias diminuiu, mas para pessoas físicas aumentou substancialmente, elevando a junção desses dois segmentos de 54% a quase 57% da carteira, de 2015 a 2019.

No Itaú e no Banco do Brasil, apesar da expansão, o percentual hoje é  menor que o do Bradesco, de 47% e 41%, respectivamente. O primeiro tem posição relevante fora do Brasil e o segundo, forte atuação sobre o setor agrícola, o que acaba diluindo a participação relativa desses segmentos.

Mas é o Santander que registra o maior salto nesse mercado: de 35% para 45% da carteira total expandida. A instituição vinha fazendo fortes campanhas institucionais nesse sentido, inclusive, com objetivo de construir uma relação mais próxima ao pequeno empreendedor.

A retomada do crédito no Brasil estava sendo puxada pelos bancos privados, invertendo movimento que se consolidou a partir de 2013 e que atingiu o ápice entre 2016 e 2017. Há três anos, os bancos públicos respondiam por uma participação de 56% dos empréstimos concedidos no Brasil e os privados, por 44%. Em dezembro passado, a fotografia já estava quase invertida: 53% das operações eram das instituições privadas e 47%, das estatais.

A carteira total dos quatro bancos somados saiu de 2,18 trilhões para 2,45 trilhões, em cinco anos. A expansão é maior do que parece porque desde a Operação Lava Jato, as instituições reduziram substancialmente a concessão de recursos a companhias estatais, deixando mais espaço para empresas privadas.

E isso aconteceu porque os sinais eram de que, mesmo mais devagar que o esperado, a economia tinha sinais de melhoria. Havia justificativa – ainda que o spread bancário ainda fosse uma frente a ser atacada para acelerar a evolução da atividade.

Aqui, vale uma parada para algumas reflexões. De um lado, a expectativa para as pequenas e médias empresas é preocupante. Do outro, a situação financeira das grandes companhias estava muito melhor.

 

Levantamento do Bradesco para as companhias listadas na B3, desconsiderados os bancos, aponta que a relação entre a dívida líquida das companhias e a geração de caixa medida pelo Ebitda atingiu o pior ponto em dezembro de 2015, quando alcançou 8,1 vezes. Ao fim do ano passado, estava em 2,7 vezes.

A despeito do tamanho da dívida ser conhecida, o que não se sabe é a intensidade da redução do denominador, ou seja, do resultado das empresas. É isso que pode fazer o indicador piorar consideravelmente, na avaliação dos mais pessimistas. Os anos de 2015 e 2016 foram os piores de atividade econômica no país.

O Brasil é um dos países em que o mercado de crédito equivale a uma das menores proporções do PIB – apenas 47% ao fim do ano passado. Nos Estados Unidos, país em que a disposição para dívida é culturalmente muito maior, essa proporção é de 147%. Na França, de 116% e na Espanha, 92%. Os dados foram retirados da apresentação do Banco Itaú, sobre o balanço encerrado no ano passado.

Dito tudo isso, deve se considerar ainda que o país registra uma das maiores concentrações bancárias do mundo. Itaú, Bradesco, Santander, Caixa e Banco do Brasil têm juntos mais de 80% dos ativos totais de bancos comerciais do Brasil. A saúde sistêmica do setor sempre foi o principal argumento para a aceitação dessa situação.

Embora seja quase um consenso de que essa é uma crise que vem da economia real e deve ir até os bancos, não há previsão de crise sistêmica por aqui – até o momento. As notícias ruins devem ficar limitadas às provisões e aos calotes. Os bancos brasileiros já tinham por hábito arrastar a execução de créditos e garantias, o que dilui os provisionamentos – ao contrário do que fazem os bancos americanos.

Além disso, o próprio Banco Central adotou regras que afrouxam condições, com o objetivo de incentivar que os bancos tenham tempo para negociar a situação dos clientes e buscar uma solução – além de manterem ou até ampliarem a concessão de novos créditos. Entre outras medidas, a autoridade dispensou bancos e cooperativas de aumentarem o provisionamento em caso de repactuação, por seis meses.

No sábado à noite, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, fez questão de apresentar uma comparação das medidas anunciadas pelo regulador agora e na crise de 2008. Segundo ele, o total adicional de liquidez oferecido ao sistema foi de 1,2 trilhão de reais ante 117 bilhões na crise de 12 anos atrás. Combinadas a ela, foram adotadas iniciativas de liberação de capital, que totalizaram outros 1,15 trilhão. Por fim, o relaxamento das regras de provisionamento, para facilitar reestruturações de dívidas, pode alcançar um total de 3,2 trilhões em créditos já concedidos.

E a minha parte?

O cenário acima ajuda a entender porque os acionistas dos bancos devem sentir o peso da crise neste ano. Em 2019, os três maiores bancos privados brasileiros distribuíram verdadeiras fortunas em dividendos e juros sobre capital próprio aos seus acionistas. O ano de 2020 não promete, nem de longe, repeteco.

Itaú, Bradesco e Santander pagaram nada menos do que 49,6 bilhões em proventos no ano passado. Bem mais do que os 37,5 bilhões depositados sobre o desempenho de 2018 e que os 32,7 bilhões de 2017. Os três últimos anos marcaram um aumento expressivo da remuneração que os bancos colocaram no bolso de seus sócios, em termos absolutos.

O mercado já começava a se dar conta de que o dinheiro no bolso dos acionistas dos bancos seria menor este ano. Até que, nesta segunda-feira, dia 6, o Conselho Monetário Nacional anunciou a suspensão do pagamento de dividendos, temporariamente, ao menos até 30 de setembro. O objetivo é a manutenção do crédito e a capacidade de absorver perdas futuras em decorrência da pandemia.  A iniciativa impacta os investidores de bolsa e, claro, também os donos dos bancos.

Para quem decide. Por quem decide.

Saiba antes. Receba o Insight no seu email

Li e concordo com os Termos de Uso e Política de Privacidade