Alta tensão: Conselho da Eletrobras assume sucessão de Ferreira e tenta blindar estatal
É a segunda vez em menos de uma semana que o conselho de uma grande estatal tenta blindar empresa de interferência política
Publicado em 26 de janeiro de 2021 às 01:43.
Última atualização em 26 de janeiro de 2021 às 07:33.
De maneira inédita entre as grandes companhias públicas brasileiras, o conselho de administração da Eletrobras assumiu as rédeas para definição de um novo presidente. A estatal anunciou que é o grupo quem vai conduzir a sucessão de Wilson Ferreira que, no domingo à noite, dia 24, renunciou à presidência da estatal. Ficou decidido que o processo contará com uma consultoria externa, independente e especializada no recrutamento de altos executivos.
A iniciativa traz duas informações. A primeira é que o conselho decidiu agir rapidamente antes que o governo de Jair Bolsonaro, sem cumprir os ritos e as boas práticas de governança, fizesse uma indicação de caráter político, num momento em que diversas negociações e alianças estão em formação em Brasília, com a disputa para eleição na Câmara dos Deputados e do Senado.
Na imprensa, no começo da tarde de ontem, dia 25, já circulavam rumores de que o Ministro das Minas e Energia, Bento Albuquerque, gostaria de ver na cadeira de Ferreira o atual presidente do conselho da estatal, o oficial da reserva da Marinha Ruy Flacks Schneider — que está à frente do colegiado desde a renúncia de José Guimarães Monforte, no fim de dezembro.
É praxe que os presidentes da República, com suas equipes econômicas, selecionem os líderes das grandes estatais. Ainda que não seja esse o rito legal devido, é o costume. Em especial, em início de governo. Mas mesmo em situações de substituição, o novo nome costuma sair do gabinete do governo.
Só que, depois do posicionamento público do conselho da Eletrobras, qualquer iniciativa direta vinda de Brasília, sem passar por esse colegiado, pode constranger o Planalto por interferência política na condução dos negócios — a depender do caráter das medidas.
A segunda informação contida no movimento do conselho é que a saída de Ferreira não estava programada para este momento. Do contrário, haveria um plano em andamento e essas medidas já teriam sido tomadas. Tudo isso aumenta os indícios de tensão entre executivo e o governo, direta ou indiretamente.
Ferreira aceitou convite para presidir a BR Distribuidora, que se tornou uma companhia de capital pulverizado no mercado — portanto, privada — desde que a Petrobras vendeu ações na bolsa e deixou de ser controladora majoritária.
O comunicado da Eletrobras afirma que a decisão foi tomada "à unanimidade" do conselho. Mas não deixa claro quem fez a convocação e se era unanimidade de presentes ou de participantes. Dois parágrafos chamam atenção no conteúdo divulgado pela estatal.
Nos dois, o conselho reafirma publicamente seu papel. Diz que é sua atribuição “zelar pela higidez do sistema de governança e pela adequada direção da Eletrobras, em linha com as diretrizes e objetivos traçados no plano estratégico”. E destaca que é seu dever legal eleger o sucessor de Ferreira “de acordo com critérios e parâmetros técnicos capazes de identificar o candidato que melhor se adeque ao perfil, às qualificações técnicas e à experiência profissional necessários para assegurar a continuidade dos trabalhos de aprimoramento da governança e gestão" da companhia.
Deixar a condução do processo para o conselho não significa afastar o governo. Como representante da União, que é controladora, o Planalto é provavelmente quem elegeu a maioria do conselho. A diferença é que esse grupo tem o dever coletivo e individual de agir sempre pelo bem da companhia.
Paredão
É a segunda vez em menos de uma semana que o conselho de administração de uma empresa pública tenta isolar e proteger a gestão de medidas políticas por parte do governo. No meio da semana, antes da renúncia de Ferreira, o colegiado do Banco do Brasil buscou blindar André Brandão depois que sua posição ficou ameaçada. O governo não recebeu bem a adoção de um plano de demissão voluntária que pode levar ao desligamento de até 5.000 funcionários e ao fechamento de mais de 300 unidades.
Entre os membros do conselho do Banco do Brasil está José Guimarães Monforte e entre os conselheiros da Eletrobras, Mauro Rodrigues da Cunha. Ambos, além de um longo currículo na atuação pelo desenvolvimento de boas práticas de governança no mercado brasileiro, estavam no conselho de administração da Petrobras quando a Operação Lava-Jatou estourou e a petroleira entrou em uma grave crise financeira. Deu tarimba de sobra para situações difíceis. Foram os únicos conselheiros que não se tornaram alvo de processos sancionadores pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
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