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Balanços

A culpa não é dos balanços: por que a bolsa sofreu tanto nessa temporada

O mercado está cada vez mais "azedo" para quem não corresponde às expectativas, mesmo que as decepções sejam mínimas

 (Germano Lüders/Exame)
(Germano Lüders/Exame)
KS

Karina Souza

19 de maio de 2022 às 15:19

Sobreviver em uma ilha deserta após um desastre é um plot relativamente comum no cinema. Sem bússola, mapa ou qualquer vestígio de um resgate fácil e rápido, personagens são obrigados a aprender a se manterem vivos com o que há pela frente. E que, de preferência, procurar um lugar seguro para se abrigar. Partindo da frase popular de que “a vida imita a arte”, a analogia não poderia ser melhor para explicar o momento atual que o mercado financeiro vive. Diante do mar de incertezas, a ordem do dia é correr com quem está conseguindo navegar esse momento com sucesso — e fugir de qualquer um que apresente o mínimo problema para conseguir avançar. 

A temporada de divulgação de balanços coincidiu com o pior momento dos mercados no ano, até agora. E, para muitos especialistas, foi apenas isso, coincidência. Embora o desempenho do primeiro trimestre tenha sido usado como argumento para muitas das quedas, os números divulgados, na maioria dos casos, não justificam a força da derrocada. A queda foi puxada, sem dúvida, pela saída do capital externo, que veio com força no fim de abril e agora em maio. O investidor local, embora seguindo o mesmo humor global, já começa a ver preços de entrada.

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Analogias à parte, o que a reação do mercado aos balanços do primeiro trimestre mostra é que (ainda) está difícil projetar o futuro. A pandemia sacudiu tudo e todos, obrigando companhias a se adaptarem rapidamente a um ambiente mais digital. Quer almoçar um prato diferente? Peça delivery. Seu trabalho depende de um notebook e não da presença física? Vá testar o home office. O lazer fora de casa foi interrompido? Assista ao que tem de novo no streaming. Startup busca dinheiro para crescer com oferta digital? Aqui está uma rodada de investimentos. Dois anos depois, o mundo é sacudido outra vez pela volta ao normal. O fim da obrigatoriedade das máscaras, a volta ao trabalho presencial ou híbrido (ou a decisão de home office para sempre), viagens a trabalho e de lazer fora de casa. Em meio a esse estranho sentimento de “tudo novo de novo”, outros componentes surgem: a alta dos juros nos Estados Unidos, da Selic no Brasil, a inflação global, uma guerra e suas consequências geopolíticas que afetam toda a cadeia de suprimentos global, para além do que já estava bagunçado pela covid. E tudo isso junto, por fim, afeta empresas que pisem fora da faixa.

Com casos práticos, sempre fica mais fácil entender. A Petz, por exemplo, divulgou nos resultados do primeiro trimestre um lucro 57,7% superior ao registrado no ano anterior, de R$ 21,1 milhões. O resultado foi bem recebido por bancos de investimento como Bradesco BBI, Itaú BBA e BTG Pactual, mas, mesmo assim, os papéis da companhia atingiram a mínima histórica no dia seguinte da divulgação dos números. Ao olhar para a empresa como um ponto isolado, o motivo mais aparente para isso seria a queda no Ebitda na comparação ano após ano, com a Zee.Dog ainda sem aproveitar o potencial máximo de sinergias com a empresa — o que, em outro momento, poderia ser relevado dado o apetite da companhia para crescer. 

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A Locaweb pode ser outro exemplo. Apesar do crescimento de receita, Ebitda e lucro na comparação com o primeiro trimestre do ano passado, amargou quedas consecutivas na bolsa durante a última semana. Nesta segunda, as ações foram negociadas a R$ 5,27 — e, mesmo com a recuperação das ações  já parece difícil lembrar que em fevereiro de 2021 o papel chegou a R$ 35. Para ficar no setor de tecnologia, a Totvs desabou 10% na semana passada após a divulgação dos números, com verticais como Techfin e Business performance apresentando queda em receita na comparação anual. Ainda assim, leituras de bancos variaram sobre os resultados: o Goldman Sachs apontou que a queda não compensou os resultados em ERP, visão contrária à do Itaú BBA sobre a mesma empresa.

A visão de especialistas é a mesma: os tombos não são um reflexo direto do que as companhias apresentaram, mas sim do momento econômico atual. “É muito mais a questão de política monetária de dez anos de estímulo, somada ao cenário global de muita incerteza devido ao aperto monetário do que os balanços em si”, diz Edoardo Biancheri, gestor de equities da Garde. Rafael Cota Maciel, gestor de renda variável do Inter, apresenta uma visão semelhante. “Teses em que o dinheiro não está na mão do investidor sofrem mais nesse momento, com alta da inflação nos Estados Unidos e no Brasil”, diz. 

Somando todos esses fatores, Felipe Miranda, CEO da Empiricus, mostra o tamanho do buraco em que as empresas estão neste início de pós-pandemia. “Estamos vivendo um momento não necessariamente único, mas comparável a outros grandes marcos na história de períodos extraordinários. A gente está falando de uma destruição de valor total da riqueza global dos mercados de 14%. E em 2008, foi de 19%. Ou seja, se cairmos mais um pouco, vamos encostar na segunda maior crise desde a de 1929”, diz Miranda. 

Colocando em cifras, o mundo já perdeu US$ 35 trilhões do início do ano para cá, considerando bolsas e criptoativos. Os números são de um levantamento feito por Cullen Roche, CIO da plataforma Discipline Funds, empresa de consultoria financeira, e autor do livro Pragmatic Capitalism: What every investor needs to know about money and finance (Capitalismo pragmático: o que cada investidor precisa saber sobre dinheiro e finanças, em tradução livre). 

E agora?

Com tão pouco conhecimento sobre o que há além da névoa atual, analistas dão uma noção para onde devem remar. No caso da Garde, commodities e empresas pouco relacionadas diretamente ao PIB — varejo de pets, açúcar e distribuição de combustível, além de healthcare — são alguns na mira da gestora.  Não é um comportamento diferente do banco Inter, que soma a esse cenário o olho atento ao de energia e saneamento básico, por exemplo, e da gestora Kínitro Capital, que tem olhado também para o segmento de alta renda (por exemplo, shoppings). Resumo da ópera: ir para quem é regulado ou para quem consegue repassar o preço da inflação nos produtos, equilibrando demanda e margem.

É um comportamento que também se reflete nos Estados Unidos. Por lá, as big techs — sensíveis à captação de dinheiro em um ambiente mais restritivo e que têm, por definição, o lucro ‘no futuro — perderam US$ 1 trilhão em valor de mercado em apenas três pregões, segundo uma estimativa publicada pela CNBC no dia 9 de maio.

No relatório do BofA com gestores de fundos divulgado recentemente, a visão é a mesma: menos investimento em ativos arriscados e mais em dinheiro certo. É a volta da valorização do que está visível, fácil de ser medido. O que Junior Borneli, CEO e fundador da StartSe, resumiu no título de um de seus artigos para o LinkedIn: “‘Dar lucro’ está voltando à moda?”. Em tempos de incerteza, a resposta é sim. “A gente está saindo de um ambiente de retórica valorizada para um de resultados concretos valorizados. É uma mudança total e completa de paradigma. E a realidade não é vilã nesse processo, mas sim muito mais dura do que o ‘sonho’ que tinha espaço até então”, afirma Miranda.

Saber quanto tempo esse momento deve durar é improvável. Tentar projetá-lo, entretanto, é quase uma tarefa da natureza humana. Para Marcelo Ornelas, gestor de renda variável da Kínitro Capital, o mau humor direcionado às companhias de tecnologia deve ter seu auge no primeiro semestre deste ano e, depois, essas empresas poderão experimentar momentos melhores. 

“Acho que o grande tema no mercado nos últimos dois anos foi a inflação, claro, mas estamos em um momento de transição. Vamos sair deste tema para começar a falar de desaceleração global. Quando isso acontecer, os juros param de subir e as empresas de tecnologia voltam a entrar na moda de novo. Elas ficam muito inseridas em necessidades comuns a várias empresas, como cloud, por exemplo, e que trazem muito crescimento. Creio que no segundo semestre essa recuperação já comece a se mostrar”, diz o executivo. 

O que parece é que, em meio a um ambiente cada vez mais difuso, será necessário aprender a navegar o mar turbulento na prática. O manual ou o resgate não devem vir tão cedo.

 

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