
Capitólio: apoiadores de Trump invadem o prédio do Congresso dos Estados Unidos (SAUL LOEB/Getty Images)
As redes sociais, como Facebook e Twitter, tinham um plano de ação para 2020. A ideia era impedir a repetição do fiasco da eleição de 2016, quando informações de usuários e geração de discurso acabou influenciando no processo eleitoral daquele ano. As novas eleições eram a oportunidade de as plataformas mostrarem como estavam combatendo desinformação e disseminação de falsidades em suas plataformas.
As medidas vieram depois de revelações no escândalo Cambridge Analytica, que apontou que a campanha de Donald Trump usou artifícios digitais para influenciar eleitores.
Em 2020, depois de votos computados e Joe Biden anunciado vencedor (ainda que depois de dias), parecia que o trabalho havia sido cumprido. O Twitter, por exemplo, havia anunciado uma série de contingências para isso no mês que antecedeu a ida às urnas e tomou ações durante a madrugada do dia da eleição para conter publicações com informações não verificadas — inclusive vindas do próprio Trump. Os resultados — positivos, claro — viraram prestação de contas públicas, com a rede social dizendo que conseguiu limitar a disseminação de falsidades.
No Facebook, as publicações de Trump não foram restringidas, mas receberam uma marcação com informações sobre as eleições e sobre a contagem de votos. A rede social afirmou em uma publicação que, a partir do momento que Trump começou a fazer afirmações de vitória prematuras, eles começaram a enviar notificações de que um vencedor ainda não poderia ser definido.
Mas o caos que veio após as eleições durou dois meses — período em que a atividade online do presidente não diminuiu. Ele culminou com a invasão do Capitólio por manifestantes que clamam que Trump venceu as eleições em novembro, durante a ratificação da vitória de Biden pelos deputados e senadores, nesta quarta-feira, 6. Para muitos especialistas, os acontecimentos desta tarde mostraram que ainda havia trabalho a ser feito.
Mike Pence didn’t have the courage to do what should have been done to protect our Country and our Constitution, giving States a chance to certify a corrected set of facts, not the fraudulent or inaccurate ones which they were asked to previously certify. USA demands the truth!
— Donald J. Trump (@realDonaldTrump) January 6, 2021
Trump passou os últimos meses incitando apoiadores nas redes sociais, que mantiveram suas publicações no ar, ainda que ele reclamasse das tarjas e marcações de conteúdo não confiável.
Afinal, o risco parecia ser baixo: a vitória de Biden foi aceita na comunidade internacional e perante a imprensa americana. Além disso, o histórico de solidez das instituições americanas apontaria o caminho para alguma transição, por mais tumultuada que ela fosse.
Mas, pouco antes da invasão ao prédio do Congresso americano, Trump estava lá, no Twitter, incitando os manifestantes e dizendo que o vice-presidente Mike Pence “não havia tido coragem de fazer o que deveria ser feito”. Momentos antes, Pence havia dito que não interferiria nos estados e não impediria a ratificação de Biden.
Depois da invasão, Trump voltou às redes, para tentar disseminar a multidão. Em um vídeo, ele pediu que seus apoiadores “voltassem para casa”. Apesar disso, ele voltou a afirmar que ganhou as eleições, que chamou de “fraudulentas” e que seus apoiadores “não podem ser manobrados pelas mãos dessas pessoas”.
— Donald J. Trump (@realDonaldTrump) January 6, 2021
As incitações do presidente levaram diversos analistas, jornalistas e políticos a apontar para ele: seria dele, e da atividade que manteve online nesta quarta-feira e nos últimos dois meses, a culpa pelo o que estava acontecendo.
Ian Bremmer, cientista político e fundador do grupo de análise de risco Eurasia, afirmou que, depois de uma mulher ser baleada durante a invasão, o presidente Trump era “direta e pessoalmente responsável por esta violência”.
A woman is in critical condition, shot in the Capitol Building.
President Trump is directly and personally responsible for this violence.
— ian bremmer (@ianbremmer) January 6, 2021
There have been good arguments for private companies to not silence elected officials, but all those arguments are predicated on the protection of constitutional governance.
Twitter and Facebook have to cut him off. There are no legitimate equities left and labeling won't do it. pic.twitter.com/Nji6A4sJum
— Alex Stamos (@alexstamos) January 6, 2021
Segundo Alex Stamos, ex-chefe de segurança do Facebook, que atualmente trabalha como pesquisador no Observatório da Internet na Universidade Stanford, afirmou que há motivos para que as redes sociais não silenciem oficiais eleitos, mas que todos os argumentos partem do princípio de proteção da governança constitucional.
"Twitter e Facebook têm de cortá-lo. Não há mais motivos legítimos sobrando e colocar tarjas não irá adiantar", disse.
A jornalista Kara Swisher, uma das mais ativas vozes da cobertura de tecnologia, afirmou que a responsabilidade também cairia em executivos do Twitter, como o CEO Jack Dorsey. “Desculpem, mas ele incita a violência há dias, usando suas ferramentas em grande medida, e vocês precisam agir agora”.
Swisher também chamou a atenção de outros figurões, como Mark Zuckerberg, CEO do Facebook, e Sheryl Sandberg, diretora de operações da rede social.
Walt Mossberg, um dos mais antigos jornalistas do setor de tecnologia, também manifestou opinião semelhante. “Ele ordenou a eles que marchassem rumo ao Capitólio e os convenceu de que a eleição poderia ser revertida. Ele não é apenas um criminoso de longa data, ele é agora o líder de uma insurreição”.
Let me say in no uncertain terms @jack @vijaya @kayvz: If you do not suspend Donald Trump’s Twitter account for the next day at least, this mob attack on Congress is also on you. Sorry, but he has incited violence for days, using your tools in large part and you need to act now.
— Kara Swisher (@karaswisher) January 6, 2021
This the fault of @realDonaldTrump and only @realDonaldTrump. He ordered them to March on the Capitol and he has convinced them that the election can be overturned. He is not only a longtime criminal, he is now the leader of an insurrection. He is a traitor, pure and simple.
— Walt Mossberg (@waltmossberg) January 6, 2021
O professor Daniel Kreiss, da Universidade da Carolina do Norte, especializado em tecnologia e política, pediu que a plataforma e o palanque do presidente fossem removidos, diretamente citando Twitter e Facebook.
As redes sociais se prepararam para o que puderam prever: uma eleição marcada pela simbiose com o universo digital. Mas falharam em lidar com as implicações que vieram na sequência. Trump não deixou de manifestar sua opinião no Facebook ou no Twitter, ele apenas fomentou a dissidência entre seus apoiadores. O resultado colheu-se em 2021.
"Do not give a platform to individuals or groups who call for violence, spread disinformation, or foment racist ideas." Immediately deny the president a platform. That means you too - @Twitter and @Facebook.
— Daniel Kreiss (@kreissdaniel) January 6, 2021