Revista Exame

Por que o Itaú comprou o Bankboston

Porque, ao que parece, finalmente chegou a hora de os grandes bancos brasileiros avançarem no mercado internacional

Prédio do BankBoston em São Paulo: muitos clientes de alta renda (--- [])

Prédio do BankBoston em São Paulo: muitos clientes de alta renda (--- [])

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Da Redação

Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 12h21.

No princípio foram o aço e o cimento. Depois, a cerveja. Agora, o ainda tímido movimento das maiores empresas brasileiras rumo ao mercado internacional chegou aos bancos. A compra do BankBoston pelo banco Itaú por 4,5 bilhões de reais, anunciada oficialmente no dia 2 de maio e realizada por meio de uma troca de ações, representa não só o maior negócio no sistema financeiro brasileiro dos últimos tempos mas também o primeiro movimento consistente de uma instituição financeira nacional em direção ao mercado dos países desenvolvidos. Embora por ora as atenções tenham se concentra  do no capítulo brasileiro da operação -- com a compra de agências, clientes e negócios do BankBoston, o Itaú aproximou-se do Bradesco no mercado local, chegou à liderança no segmento de alta renda e reforçou suas operações com empresas de médio porte --, a médio prazo o que interessa são negócios menos importantes à primeira vista: a compra de uma operadora de cartões de crédito no Uruguai e de uma pequena operação bancária no Chile. "As aquisições no Chile e no Uruguai são estratégicas, pois permitem que levemos a marca Itaú a outros países", diz Roberto Setubal, presidente do banco.

A trajetória do banco
O gráfico mostra algumas das aquisições do Itaú desde 1994. Graças em parte a elas, o valor de mercado do banco multiplicou-se por 10 nesse período (em bilhões de dólares)
1994
3,4
Itaú Europa(1) Itaú Argentina (1)
1998
5,8
Banco Buen Ayre (Argentina) (1)
2000
10,9
Banco Banestado (PR) (2)
2002
5,3
BBA(2) Banco Fiat (2)
2003
11,1
 
2004
17
 
2005
26,5
 
2006
33,7
BankBoston(3)
(1) Investimento no exterior
(2) Investimento no Brasil
(3) Investimento no Brasil e no exterior
Fontes: banco Itaú e Economática

Especialistas do mercado apontam que, ao aterrissar no Chile, o Itaú dá o primeiro passo de um ambicioso plano de expansão. Em termos de valores, a compra não chega a impressionar -- o BankBoston chileno é o 12o banco local, com ativos de 6 bilhões de reais, uma fração dos 150 bilhões do Itaú. O relevante é o status diferenciado da economia chilena. Embora seja um país pequeno, tanto em ex  tensão geográfica quanto no tamanho de seu mercado (veja quadro na pág. 109), a estreita faixa de terra a oeste dos Andes é o que há de mais parecido na América Latina com um país de Primeiro Mundo. Os juros são baixos, os prazos são longos e há vastos recursos financeiros na previdência privada. A competição entre os bancos é feroz, marcada pela pesada participação de gigantes internacionais como BBVA e Santander. Ao comprar uma fatia de 2,2% desse mercado, o Itaú terá uma oportunidade ímpar de aprender a operar no varejo em uma economia estável, com grau de investimento e regras previsíveis. "O Chile será um laboratório", diz um executivo do banco. "Vamos usar a experiência chilena para preparar estratégias de atuação em mercados como Estados Unidos e Espanha." As estimativas preliminares de alguns profissionais do banco -- não comentadas por Setubal -- são de que, em dez anos, 30% dos resultados venham de operações internacionais. Hoje, esse percentual não chega a 5%, apesar de o Itaú ser o banco de origem brasileira com maior atuação lá fora (veja quadro).

Avanços lá fora
Dentre os bancos nacionais, o Itaú é o que atua em mais países
Itaú
ArgentinaBanco Itaú Buen Ayre (controle)
ChileBankBoston Chile (controle)(1)
EspanhaLa Caja (participação)
LuxemburgoBanco Itaú Europa (controle)
PortugalBanco Português de Investimento (participação)
UruguaiBankBoston Uruguai (controle)(1)
Bradesco
JapãoTokyo-Mitsubishi (acordo operacional)
PortugalEspírito Santo (acordo operacional)
Unibanco
ParaguaiInterbanco (controle)
(1) Aquisições com a compra do BankBoston

Paradoxalmente, a experiência internacional pode ajudar o banco a crescer também no Brasil. O Chile é um bom rascunho do que se verá na economia brasileira dentro de alguns anos, quando espera-se que o país também seja alçado à condição de grau de investimento pelas agências classificadoras de risco. Nesse momento, todas as barreiras ao capital internacional vão cair. Governo, empresas e pessoas físicas terão acesso praticamente ilimitado ao dinheiro barato do mercado externo, o que vai expor os bancos brasileiros a dificuldades inéditas. "Os lucros vão cair, e muito", diz um experiente executivo de um banco estrangeiro. A rentabilidade bancária global está convergindo para uma faixa entre 10% e 15% ao ano, e o Brasil não será exceção. "Os grandes bancos têm de se preparar para uma longa época de vacas magras", diz o executivo. É essa experiência que o Itaú quer começar a ter agora -- e para isso está disposto a pagar caro. Na ponta do lápis,   crescer no exterior ainda é um mau negócio para os bancos brasileiros. Em 2005, cada real que os acionistas do Itaú investiram em seu banco no Brasil rendeu 31 centavos. Já os acionistas do BankBoston no Chile receberam apenas 17 centavos para cada peso investido nesse período. Mas, aqui, o que conta é o aprendizado.

Setubal prefere relativizar a importância da internacionalização para o Itaú. "O mercado externo é importante, mas o foco de nossa estratégia sempre foi e continuará sendo o Brasil", diz ele. "Daí a importância da aquisição do BankBoston, que nos permitirá crescer no Brasil mais depressa do que se o fizéssemos organicamente." De fato, comprar um banco é a maneira mais ágil de crescer no concorrido varejo brasileiro. Não por acaso, o BankBoston foi um prêmio muito disputado no mercado. Nos dias que antecederam o fechamento do negócio, rivais como Bradesco, HSBC e Santander consultaram, com maior ou menor interesse, a matriz do Bank of America, na Carolina do Norte. O Bradesco foi além e chegou a elaborar uma proposta formal. Sem sucesso. Setubal tinha um trunfo imbatível para colocar na mesa de negociações, conduzidas em grande parte em seu confortável apartamento na zona sul de São Paulo: o preço das ações, atualmente bem acima do de seus concorrentes. "Estamos valorizados na bolsa e temos perspectivas de crescimento, por isso pudemos oferecer um excelente negócio ao Bank of America", diz ele.

Com o acordo assinado, o Itaú prepara os passos seguintes do avanço externo. A meta é começar a prospectar o mercado dos Estados Unidos, o maior do mundo. É claro que não faz sentido enfrentar diretamente os gigantes americanos dentro do próprio quintal. Afinal, o Itaú é grande, mas seus números empalidecem quando comparados aos dos maiores do mundo. No ano passado, seu lucro foi recorde, superando 2,5 bilhões de dólares. O Bank of America lucrou o dobro no primeiro trimestre de 2006 -- e não foi um resultado excepcional. Quando se listam os maiores bancos por tamanho, considerando os números de 2005, o Itaú aparece numa longínqua 260a posição, segundo a empresa de avaliação americana BankScope. O Bradesco está em 177o lugar nessa mesma lista, longe, muito longe do topo. Apesar da desvantagem, porém, o Itaú -- e também o Bradesco -- pode crescer em nichos de mercado, por exemplo captando clientes dentre os brasileiros que moram no exterior. "São pessoas que já conhecem e confiam em nós", diz Setubal. Dentro dessa lógica, o Itaú ficou com as operações de private bank que o BankBoston possui em Miami, onde a maioria dos clientes é brasileira. Futuramente, o alvo do banco poderão ser os chilenos, os uruguaios e os argentinos que moram nos Estados Unidos.

O negócio trouxe ainda outra vantagem. Com a compra, o Bank of America levou 5,8% do capital do Itaú e a possibilidade de ampliar essa participação para 20%. Ter um sócio tão grande ajuda muito na hora de fazer negócios lá fora. Além de visibilidade e trânsito no sistema, será mais fácil para o Itaú, por exemplo, obter o crédito necessário para elevar um lance e fazer uma negociação pender a seu favor. Essas vantagens levam os especialistas a apostar em outros negócios envolvendo bancos brasileiros e gigantes internacionais nos próximos meses. Mesmo sem mudanças tão drásticas como a troca de controle acionário, as transações no futuro podem envolver injeções de capital e alianças estratégicas -- a exemplo da parceria fechada no início do ano entre Bradesco e ABN Amro para processar cartões de crédito. "Deverá haver muitos negócios desse tipo daqui para a frente", diz Sachin Mehta, sócio da filial brasileira da consultoria Europraxis. "No futuro, a aquisição do BankBoston será considerada um marco na história da internacionalização do setor bancário no Brasil."

Realidades distintas
No Chile, o Itaú terá de aprender a trabalhar em um país estável
 
Brasil

Chile

Juros reais ao ano
11%
1%
Inflação
5%
4%
População economicamente ativa
93 milhões
6 milhões
População com conta bancária (1)
30%
30%
Rentabilidade dos bancos (2)
21%
19%
1) Percentual da população economicamente ativa
(2) Retorno patrimonial médio dos maiores bancos em 2005
Fontes: Banco Central do Brasil, Banco de Chile, FMI, IBGE
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