Revista Exame

O agro nas Arábias: por que — e como — os Emirados Árabes investem no agronegócio do Brasil

Governo emirati faz aportes milionários na proteína animal, no etanol e até na macaúba brasileira, mirando pautas como segurança alimentar e transição energética

Porto de Jebel Ali, zona franca de Dubai: em 2022, o comércio do Brasil com o mundo árabe atingiu 32 bilhões de dólares (Leandro Fonseca/Exame)

Porto de Jebel Ali, zona franca de Dubai: em 2022, o comércio do Brasil com o mundo árabe atingiu 32 bilhões de dólares (Leandro Fonseca/Exame)

Mariana Grilli
Mariana Grilli

Repórter de Agro

Publicado em 21 de dezembro de 2023 às 06h00.

Última atualização em 21 de dezembro de 2023 às 10h42.

DUBAI, EMIRADOS ÁRABES — Andar por Dubai, nos Emirados Árabes Unidos (EAU), é se deparar com um corredor de prédios e muitas pistas de rodovia que transformam a costa do Golfo Pérsico em paisagem urbana. Mais do que isso, é passar por canteiros de obra a todo momento, cujos guindastes e concreto se confundem com a areia do deserto. A paisagem é sinal da transformação populacional da cidade, que saltou de 600.000 pessoas em 1995 para 1,3 milhão em 2005. Em 2015, chegou a 2,3 milhões e agora atinge 3,6 milhões de pessoas. É por causa desse contexto que cresce o compromisso dos Emirados Árabes com a segurança alimentar e energética.

Onde a areia dificulta a atividade agrícola e a água doce só se torna acessível após dessalinização, importar comida é a estratégia para alimentar a população em ebulição — 80% dos produtos agrícolas são importados, segundo relatório do USDA. Mas esse cenário está em transição. Impulsionados pela Estratégia Nacional de Segurança Alimentar do país para 2051, os EAU emergiram como epicentro da inovação em alimentos e bebidas da região chamada Mena, que engloba o Oriente Médio e o Norte da África. Na prática, os EAU buscam sair do papel de importador de alimentos para um importante centro agrícola. O Brasil entende bem disso.

É por isso que organizações como o fundo de investimento Mubadala Capital e o First Abu Dhabi Bank apostam alto na parceria com o agronegócio brasileiro. Não é de hoje, mas a relação se intensificou — e ficou ainda mais evidente — nos corredores da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP28, realizada em Dubai. A relação entre os países é longeva. Desde a década de 1970, quando o setor agropecuário no Brasil ainda engatinhava, a marca Sadia já estava presente na cidade. Em 2014, uma fábrica da companhia brasileira BRF foi inaugurada para atender a demanda, que hoje é de 4.300 toneladas de carne bovina e de frango por mês. Somente de hambúrguer, inclusive para o fornecimento da rede McDonald’s, a produção é de 1.300 toneladas mensalmente. O USDA calcula que o país consuma 418.000 toneladas de carne de frango neste ano, por exemplo.

Com esse plano de garantir o fornecimento de alimentos à população crescente, a empresa recebeu investimentos de 150 milhões de dólares do First Abu Dhabi Bank para ampliar as operações no país, condicionando a redução dos juros ao cumprimento das metas de descarbonização e uso de energia renovável. A evolução do negócio bilateral dá o tom do apetite árabe pelo frango brasileiro, que responde às especificidades do mercado halal, a fim de atender ao paladar dos adeptos do islamismo. “Temos a maior fábrica de alimentos processados de todo o Golfo Pérsico”, afirma Igor Marti, vice-presidente de Mercado Halal da BRF. “Quatro entre dez frangos consumidos nos Emirados vêm do Brasil.”

Além da segurança alimentar, o radar dos árabes está ligado na transição energética fomentada pela pauta das mudanças climáticas. Ainda que os Emirados sejam referência no petróleo, a potência do Golfo Pérsico busca diversificar a carteira de investimentos para etanol e combustível sustentável de aviação (SAF, na sigla em inglês). Para isso, novamente, o Brasil desponta como um player estratégico. Basta ver o que o Mubadala tem feito no país. Em outubro, foi anunciada a compra de 10% das ações da holding Atvos Bioenergia, que pertencia à Novonor — antiga Odebrecht. Embora não divulguem o valor da transação, a companhia deve fechar 2023 com um aporte de 500 milhões de reais do Mubadala Capital.

A Atvos pretende fechar este ano com 27 milhões de toneladas de moagem de cana-de-açúcar, contribuindo para o recorde histórico do setor. A projeção da companhia para a safra do ano que vem é de 30 milhões de toneladas. “Quando comprou, o Mubadala tinha muito essa visão de melhoria operacional, e estamos aqui para mostrar a sustentabilidade da nossa cadeia de energia. O Brasil hoje, na cadeia de energia, está exatamente onde a Alemanha vai querer estar em 2050”, diz Bruno Serapião, CEO da Atvos.

Além da cana para o etanol, o fundo investe em macaúba para combustível sustentável de aviação. Em abril deste ano, o Mubadala Capital, controlador da refinaria de Mataripe, na Bahia, privatizada em 2021, comprometeu-se a investir 12 bilhões de reais, em dez anos, na construção de uma fábrica de diesel verde. A empresa Acelen, também do grupo Mubadala, anunciou durante a COP28 que o combustível sustentável será proveniente de 200.000 hectares de terras degradadas na Bahia e em Minas Gerais. Serão 20.000 barris por dia no início, com a expectativa de 1 bilhão de litros de diesel renovável. Até 2035, a projeção é injetar 17 bilhões de dólares na economia brasileira com mais de 90.000 novos empregos. “Teremos um combustível de baixíssimo carbono e 65 milhões de árvores plantadas em 20 anos. Esses novos combustíveis sustentáveis se projetarão como um ator importante no setor energético global”, afirma Luiz de Mendonça, CEO da Acelen.

Fundamentos para investir no Brasil e ambição para a segurança alimentar e energética não faltam por parte dos Emirados Árabes. Em 2022, o comércio do Brasil com o mundo árabe atingiu 32 bilhões de dólares, sendo 18 bilhões gerados por exportações brasileiras. Osmar Chohfi, embaixador e presidente da Câmara de Comércio Árabe-Brasileira, ressalta que o intercâmbio também é uma oportunidade para o Brasil aproveitar a rede de acordos de livre-comércio no Oriente Médio. “Eles são, além de uma plataforma consumidora em franca expansão, uma grande plataforma redistribuidora. Também, neste novo momento da economia mundial, o Brasil tem todas as condições para participar de maneira muito efetiva do mercado de carbono mundial”, diz Chohfi. Nessa parte logística, ele pontua, também o café brasileiro deve se beneficiar.

Em um horizonte de grandes possibilidades, a retomada da diplomacia brasileira tem feito a diferença, dizem fontes. Agora, o desafio é ampliar a troca com as Arábias e, de lá, com o mundo. 

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