Revista Exame

As PMEs que mais crescem e seu mundo à parte

Nova edição do ranking Deloitte/EXAME das pequenas e médias empresas que mais crescem mostra como a inovação e a escolha de nichos fazem a diferença

João Canhada, CEO da Foxbit: gestora paulista de investimentos em criptomoedas foi criada em 2014 (Germano Lüders/Exame)

João Canhada, CEO da Foxbit: gestora paulista de investimentos em criptomoedas foi criada em 2014 (Germano Lüders/Exame)

Mariana Fonseca

Mariana Fonseca

Publicado em 12 de setembro de 2019 às 05h40.

Última atualização em 17 de setembro de 2019 às 16h31.

Enquanto a economia brasileira andou de lado nos últimos anos, o mercado de tecnologia seguiu inabalável. Os brasileiros continuaram a buscar formas mais eficientes de consumir, gerir os próprios empreendimentos ou investir. E adotaram novos produtos e serviços de companhias de todos os tamanhos, algo que trouxe um grande impulso aos pequenos negócios.

É uma dinâmica que não para com a crise, como mostra a nova edição da pesquisa anual As Pequenas e Médias Empresas Que Mais Crescem, realizada pela consultoria Deloitte em parceria com EXAME. “Em um cenário de grandes desafios, as empresas que mais cresceram foram as que mantiveram seu investimento em inovação não apenas em produto mas também em gestão, treinamento e vendas”, afirma Giovanni Cordeiro, economista-chefe e gerente da área de pesquisa da Deloitte. Nesta 14a edição, 177 empresas se qualificaram para concorrer ao ranking composto de 100 PMEs. São companhias com receita líquida entre 10 milhões e 800 milhões de reais e em operação há pelo menos quatro anos. Em média, essas 100 pequenas e médias apresentaram um crescimento anual de 32% de 2016 a 2018. A taxa é ligeiramente superior à vista na pesquisa anterior, de 29%, e representa o melhor resultado dos últimos quatro estudos — segundo os pesquisadores, um indício de retomada da economia.

A criação de novos produtos e serviços foi a área que mais contribuiu para a expansão, e o investimento constante em tecnologia foi a iniciativa mais adotada pelas campeãs de crescimento. A primeira colocada mostra que, enquanto o PIB chafurda, há uma infinidade de nichos promissores para ser atacados. Poucos geram tanto barulho quanto o de criptomoedas, mercado em que atua a campeã do ranking. A gestora paulista de investimentos em criptomoedas Foxbit foi criada em 2014, quando pouco se falava em moedas virtuais.

Até que, em 2017, o preço da criptomoeda bitcoin disparou — assim como a base de usuários da Foxbit. De 2016 a 2018, o faturamento da companhia cresceu mais de 20 vezes. “O mercado ajudou, mas tivemos um bom trabalho na aquisição e no atendimento ao cliente”, afirma João Canhada, presidente da Foxbit. A fintech substituiu trabalhos manuais de processamento de pagamentos aos bancos. Dos 12 funcionários que compunham a equipe que processava os pagamentos restou apenas um, responsável pela interface de programação. A agilidade obtida foi fundamental para o crescimento da empresa.

Foto: Germano Lüders

O mercado de energias renováveis tampouco parou com a crise. Segundo o Ministério de Minas e Energia, deve haver um investimento de 33 bilhões de reais nos próximos dez anos apenas em energia solar. É o campo em que atua a empresa catarinense de painéis solares Renovigi, terceira colocada no ranking. O negócio foi criado em 2012, quando a Agência Nacional de Energia Elétrica permitiu que qualquer empresa ou residência pudesse instalar um sistema fotovoltaico para gerar a própria energia. O mercado demorou, mas despertou. Nos dois primeiros anos, a Renovigi vendeu 840 painéis solares.

Nos cinco anos seguintes, ultrapassou os 500 000 painéis comercializados. A também catarinense Pollux, criada em 1996, olhou para outra tendência: fábricas robotizadas. A Pollux investiu em um laboratório para a “fábrica do futuro”, estudando soluções de automação logística, inteligência artificial e internet das coisas. Empresas de diversos segmentos procuraram na Pollux alternativas para se tornarem mais produtivas. A empresa já fez 1 000 projetos de transformação digital e implementou 300 robôs. A inovação chegou até mesmo aos processos de monetização. “Adotamos um modelo de aluguel dos robôs que atraiu negócios de menor porte, trocando o investimento inicial por mensalidades”, diz José Rizzo, presidente da Pollux.

Empresas de tecnologia têm uma vantagem em rankings como o elaborado pela Deloitte. Detêm poucos ativos físicos e conseguem crescer rapidamente com a chegada de novos clientes. O desafio, nesse caso, é diferenciar-se de milhares de pequenos negócios concorrentes. Entre as campeãs de crescimento estão empresas que apostaram em soluções para serviços usados todos os dias pelos clientes. A mineira Take, 98a colocada no ranking, começou há 20 anos e passou pela moda dos toques musicais no celular e pela do SMS, e apostou que a próxima seria a de conteúdo multimídia. “Tivemos a visão de que aplicativos como o WhatsApp se tornariam o canal de comunicação entre empresas e clientes”, diz o presidente Roberto Oliveira.
A Take ajuda empresas a se tornarem um “contato inteligente” no Whats-App e no Apple Business Chat desde 2014 e hoje é provedora das soluções para 220 delas, como Coca-Cola, Localiza e Nextel. Já a paulista Omie, na oitava posição do ranking, olhou para a necessidade de inovação em sistemas de gestão de pequenos e médios negócios. “Essas empresas ainda são dependentes de papel e caneta ou de programas manuais. Acertamos ao oferecer produtos de baixa complexidade a elas”, afirma Marcelo Lombardo, cofundador da Omie. A Omie atende 25 000 pequenas e médias empresas.
Foto: Beto Oliveira

Leveza, para as pequenas, costuma ser fundamental. A Renovigi conta com uma rede de 5.000 prestadores de serviço — engenheiros e pequenas empresas — para montar os painéis solares em residências país afora. “Seria caro termos braços próprios em cidades no interior do Brasil”, afirma Alcione Ferreira, presidente da Renovigi. A Omie e a vendedora pernambucana de maquininhas de pagamento Acqio, em quinto lugar no ranking, também apostaram no modelo de revenda, mas por meio de franquias. A Acqio tem mais de 1.900 franqueados para vender maquininhas com bandeiras como Mastercard e Visa a pequenos estabelecimentos comerciais. “Começamos as franquias com um ano de operação. Vimos a diferença que faz no crescimento o fato de estarmos próximos no momento em que o empreendedor mais precisa”, diz Robson Campos, presidente da Acqio.

Não há uma receita única, claro. A fabricante de alimentos mineira Bem Brasil, na 51a posição, atribuiu o aumento nas vendas de sua batata-frita congelada ao contato constante da equipe própria de vendas com os distribuidores. Depois de ter investido 200 milhões de reais em uma nova fábrica em 2017, o negócio agora produz mais de 200.000 toneladas de alimentos por ano. Sua participação no mercado brasileiro é estimada em 35%. “Temos um trabalho de relacionamento corpo a corpo constante e apresentamos análises de qualidade para fechar a venda”, afirma João Emílio Rocheto, presidente da Bem Brasil.

Para continuar entre as campeãs de expansão, a prioridade de investimento das 100 empresas ranqueadas está na área de pessoal. O número médio de funcionários das empresas aumentou de 100 para 140 de 2016 a 2018, com a estimativa de chegar a 175 até o fim deste ano. Essa mão de obra também está mais produtiva.

A receita líquida média por funcionário das 100 companhias do ranking subiu de 277.000 reais, em 2016, para cerca de 418.000, neste ano. Para as PMEs que competem no cenário internacional o desafio é ainda maior. “Dedico 60% do meu tempo a entrevistar e fazer reuniões individuais com funcionários.

É o que sustenta nosso nível de serviço e, com isso, o crescimento anual”, afirma Mariano Gomide, fundador e copresidente da VTEX, na 45a posição do ranking. A empresa de comércio eletrônico faturou quase 180 milhões de reais em 2018. Tem 14 escritórios espalhados por Estados Unidos, Europa e América Latina e vê a comunicação entre as equipes e o treinamento de mesmo padrão como desafios. Às sextas-feiras, escritórios na Argentina, no Chile e no México trocam a jornada de trabalho por um dia de capacitação e discussão de metas unindo todas as áreas da empresa.

A expectativa é que a política seja ampliada para todos os escritórios. Já para a mineira Rock Content, na 15a posição da lista e com faturamento de quase 36 milhões de reais em 2018, apostar na qualificação dos funcionários e do próprio mercado foi fundamental para o negócio de marketing de conteúdo decolar. “Precisamos educar nosso consumidor e nosso funcionário sobre o potencial do mercado”, diz o fundador Diego Gomes. A Rock Content investe em materiais educativos e organiza três vezes por semana encontros de 30 minutos nos quais um membro da empresa dá lições que vão de desenvolvimento pessoal a produtividade. A Rock Content atende 1.500 clientes na Argentina, no Brasil, na Colômbia, no México e nos Estados Unidos.

Foto: Germano Lüders

A segunda prioridade de investimento das companhias do ranking Deloitte/EXAME está no lançamento de novidades. Passar de um produto de sucesso, como costumam ter pequenos negócios bem-sucedidos, para um portfólio de boas soluções é um dos maiores desafios das empresas pesquisadas. E é o que pode transformar uma PME numa grande companhia. Ninguém mostra tão bem isso quanto a Linx, empresa de software paulista que está na 93a posição do ranking e apresentou o maior faturamento da lista em 2018: 686 milhões de reais. Se mantiver o ritmo, a Linx, que apareceu pela primeira vez no ranking em 2006 ao faturar 15 milhões de reais, poderá ultrapassar o teto da pesquisa — 800 milhões — em pouco tempo. “Não deixamos de investir, mesmo na crise”, diz o presidente da Linx, Alberto Menache (veja quadro abaixo).

Já a Foxbit sente a queda no preço do bitcoin, que chegou a valer mais de 17.000 dólares em 2017 e hoje ronda os 10.000, e pretende se posicionar como uma empresa que usa a tecnologia blockchain em diversos serviços financeiros, inclusive os tradicionais, como pagamento de boletos ou cartões de crédito. A Rock Content inaugurou neste ano a área de inovação Rock Labs, que já gerou um ganho de 15% em eficiência para a empresa. A busca constante por inovações fez essas companhias campeãs de crescimento em anos difíceis para o Brasil. Para que elas continuem triunfando, a busca não pode parar. 


A PEQUENA QUE FOI À NYSE

A fabricante de software Linx, campeã de receita no ranking Deloitte/EXAME, cresceu e apareceu: abriu o capital na bolsa de Nova York

Foto: Germano Lüders

A empresa de software paulistana Linx é uma veterana no ranking das pequenas e médias empresas que mais crescem no Brasil. Apareceu pela primeira vez em 2006 e, em 2018, foi a que mais faturou: 686 milhões de reais. É também dona de uma trajetória que poucas conseguem percorrer no Brasil: passou de pequena a média empresa, e de média a grande. Em junho de 2019, a Linx abriu o capital na bolsa de Nova York (Nyse) para atrair investidores internacionais e manter seu ritmo de crescimento. Hoje, a Linx vale 1,2 bilhão de dólares na Nyse — a companhia também tem o capital aberto na bolsa B3 desde 2013, com uma alta de cerca de 200% no valor das ações de lá para cá. O Brasil ainda representa mais de 95% da receita, mas desde 2016 a Linx criou uma marca para o mercado latino-americano e abriu escritórios em países como Argentina, Chile, México e Peru. “Ser a primeira empresa brasileira de software com listagem nos Estados Unidos é um grande feito”, diz o presidente Alberto Menache.

A segurança é um objetivo para a Linx desde sua fundação, em 1985, com a ideia de criar uma empresa “à prova de crises econômicas”. Oferecendo o software como uma maneira de gerar redução de custos e produtividade e acompanhando o surgimento da internet no Brasil, a Linx alcançou uma participação de mercado de 41% nos sistemas de gestão do varejo e atende hoje 70.000 empresas. Mas, recentemente, a Linx teve de acelerar o ritmo de inovação. Entrou para os mercados de computação em nuvem; de navegação em dispositivos móveis; de omnichannel, ou integração entre diversos canais; de personalização baseada em inteligência artificial; de atendimento a pequenas empresas; e, finalmente, de serviços financeiros.

O principal produto continua sendo o software de gestão do ponto de venda, mas a Linx também é atualmente uma empresa de sistemas para comércio eletrônico e pagamentos. Em outubro do ano passado, lançou uma vertical de meios de pagamento para capturar transações no ponto de venda e conectá-las a uma conta digital, uma oportunidade surgida com a onda das maquininhas. A divisão Linx Pay tem um volume de transações anualizado de 2 bilhões de reais. Já o atendimento a pequenas empresas veio com a aquisição da desenvolvedora de software de gestão catarinense Hiper, em abril, por um valor que pode chegar a 50 milhões de reais — o triplo do que a Linx faturava quando estreou no ranking Deloitte/EXAME.



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