Revista Exame

IA sobre os trilhos

Diante do entusiasmo das empresas para embarcar na era da inteligência artificial, departamentos de TI avaliam a implementação de novas tecnologias

IA: pegar carona nessa acelerada locomotiva está no topo da lista de prioridades das empresas (Nikada/Getty Images)

IA: pegar carona nessa acelerada locomotiva está no topo da lista de prioridades das empresas (Nikada/Getty Images)

Publicado em 12 de dezembro de 2023 às 06h00.

Última atualização em 18 de dezembro de 2023 às 10h56.

Não há dúvidas de que, com a escalada da inteligência artificial generativa (GenAI) e outras ferramentas de automação, os negócios vivenciam uma onda tecnológica disruptiva. E ninguém quer ficar para trás: embarcar na acelerada locomotiva da IA está no topo da lista de prioridades das empresas com visão de futuro. No Brasil, que encabeça a adoção de IA na América Latina, nove em cada dez líderes de TI acreditam que a tecnologia vai exercer papel essencial nas corporações muito em breve, impulsionando a produtividade, revela o estudo State of IT, da Salesforce, líder mundial em CRM.

A alta percepção de valor das organizações é justificada: a GenAI abre novos horizontes, que vão muito além da geração e da análise de conteúdo e passam também pelos fluxos de trabalho, pelas conexões com o cliente, pelas tomadas de decisões. “A IA não é apenas uma ferramenta para automação, mas um motor de inovação e transformação nos negócios, que oferece às empresas uma gama de oportunidades para melhorar a eficiência, inovar em produtos e serviços e manter a competitividade”, analisa Sergio Gaiotto, Chief Data Officer da Oi e professor de analytics e inteligência artificial na FIA Business School.

Em contrapartida, apesar do entusiasmo com as novas possibilidades, o estudo mostra que a adoção dessas ferramentas é cercada de preocupações. Uma delas é o uso ético da tecnologia, de forma que alinhe progresso e responsabilidade, aspecto que aflige 61% dos executivos brasileiros. Existe ainda a dificuldade dos departamentos de TI em absorver novas demandas, que chegam a todo momento, dada a velocidade da transformação digital nas empresas, intensificada pelo déficit de mão de obra especializada. Quase metade dos diretores de TI brasileiros (48%) relata problemas nesse sentido e, para cerca de dois terços (64%), a demanda deve crescer no próximo ano, agravando o cenário.

A principal preocupação, entretanto, gira em torno da gestão dos dados. Com a rápida evolução da IA e dados cada vez mais extensos e complexos, há uma necessidade urgente das organizações de garantir dados suficientes, limpos e bem organizados para treinar e operar as novas aplicações. “Para lucrar com as promessas da IA, os líderes devem, antes de tudo, colocar seus dados em ordem. Alimentar uma IA eficaz — generativa ou não — requer entradas de dados confiáveis”, destaca Gabriel Dornella, diretor sênior de engenharia de soluções na Salesforce.

De acordo com o relatório State of Data and Analytics, da Salesforce com a plataforma de BI ­Tableau, a maioria (89%) dos líderes empresariais e de TI no Brasil tem o gerenciamento de dados como uma alta prioridade. O motivo: somente 45% dos líderes corporativos estão totalmente confiantes na precisão de seus dados hoje. Para eles, a imensa quantidade de dados é o principal entrave; já para os gestores de análise e TI, as ameaças à segurança são o maior desafio.

Einstein Copilot: a nova interface de conversação da Salesforce baseada em IA (Montagem sobre foto Tempura/Getty Images)

Adoção avaliada com critério

Diante desse contexto, a implementação dos modelos de IA e outras tecnologias de automação precisa ser bem avaliada e bem conduzida pelos departamentos de TI.

As empresas estão ansiosas para usufruir as novas interações, como a IA generativa: 75% dos líderes estão preocupados em perder o timing e, consequentemente, os benefícios dessa tecnologia, apontou o estudo. No entanto, a “corrida” para garantir um assento no vagão não pode acontecer na euforia, sem fundamento. Para assegurar-se de que a adoção das novas ferramentas seja embasada e eficaz, vários fatores são levados em conta pelos especialistas.

Segundo o CDO da Oi, em primeiro lugar a solução deve estar alinhada com os objetivos estratégicos do negócio, mensurando como a IA vai impulsionar o crescimento da empresa de fato. Também deve ser considerado o impacto da implementação da IA na experiência do cliente, de modo a garantir que a automação traga melhorias perceptíveis em termos de qualidade de serviço ou personalização.

É necessário ainda avaliar os investimentos de implementação (esforços, custo e prazo) e de manutenção e operação no dia a dia, em comparação com os benefícios esperados. É importante também estar preparado para atualizações e melhorias contínuas na tecnologia de inteligência artificial, pois é um campo em rápida evolução. “Não é uma questão de estar na hype, é poder testar e entender seu potencial para o negócio”, resume.

Sergio Gaiotto, CDO da Oi: IA não pode ser uma questão de hype (Oi/Divulgação)

Alfabetização em IA é a principal tática

Para equacionar esses desafios, minimizar as maiores preocupações e alavancar o potencial da IA, as áreas de TI estão investindo principalmente no estabelecimento de uma governança de dados transparente e eficaz. Crucial para manter a integridade e a confiabilidade dos dados, isso inclui definir claramente quem tem acesso a esses dados, como eles são usados e como são protegidos.

O relatório State of Data and Analytics mostrou que 86% dos líderes de análise e TI se apoiam na governança para manter e certificar a qualidade dos dados; por isso, para o próximo ano, 73% estão investindo mais em treinamento com o objetivo de fortalecer a cultura interna de dados. “Essa abordagem será fundamental para as empresas brasileiras ampliarem a confiança nas informações e explorarem o potencial da IA”, afirma Jaime Müller, country manager da Tableau no Brasil.

Por enquanto, a cultura de dados e a compreensão da aplicação de IA nas organizações variam significativamente entre diferentes empresas e setores. Esse nível de amadurecimento faz toda a diferença. Em algumas organizações, já existem uma cultura consolidada e uma compreensão robusta da IA, o que facilita a adoção e a implementação eficiente das novas tecnologias. Em outras, porém, ainda pode ser um obstáculo significativo entender que dados de qualidade são premissas para geração de valor.

“Para as empresas com uma cultura de dados sólida, a gestão e a análise de dados já são parte integrante das operações diárias e há uma maior probabilidade de que existam equipes e infraestruturas dedicadas a isso. Essas organizações tendem a ter uma compreensão mais clara de como a IA pode ser bem aplicada. Quanto maiores forem a consciência organizacional e a capacidade técnica da empresa, mais rápida e bem-sucedida será a adoção da tecnologia”, analisa Sergio Gaiotto, da Oi.

Em corporações pouco “alfabetizadas” em dados, por outro lado, a adoção é mais lenta, menos eficiente e enfrenta mais barreiras, iniciando pela ausência de dados de qualidade, infraestrutura inadequada e falta de habilidades internas. A baixa compreensão de como a IA pode ser aplicada efetivamente no negócio pode levar à geração de resultados questionáveis e a investimentos mal direcionados.

Wesklei Migliorini, Chief AI Officer na startup Molde.me: novo cargo de liderança é especializado no uso estratégico de inteligência artificial nos negócios (TrueLight/Divulgação)

Diversas frentes simultâneas

Paralelamente ao fortalecimento da cultura para IA, os esforços das áreas de TI são cada vez maiores no quesito segurança. O aumento do volume de dados coletados e processados torna as organizações mais vulneráveis a violações e, para enfrentar esse cenário, estão sendo implantados protocolos robustos de segurança, proteção de dados e reavaliação constante dos processos e controles existentes. “A segurança dos dados é uma preocupação primordial, especialmente no contexto de soluções baseadas em IA”, reforça Gaiotto.

Quanto à utilização ética e legal dos dados, especialmente quando se trata de IA generativa, entre as medidas adotadas o diretor de TI da Oi cita a definição de diretrizes e políticas específicas para garantir o uso ético da inteligência artificial e a criação de comitês de ética para supervisionar as práticas de IA, que podem incluir especialistas de diversas áreas, como jurídico, privacidade e tecnologia. Além dessas ações, está a utilização de ferramentas e soluções projetadas para promover o uso ético e responsável da IA, que incluem funcionalidades para monitoramento, rastrea­mento e explicação das decisões de IA.

Falando em soluções, a escolha criteriosa de fornecedores que estejam atentos à questão da segurança e confiabilidade dos dados tem sido cada vez mais importante.

No caso da Salesforce, o Einstein ­Copilot, lançado em setembro pelo gigante de CRM, é um exemplo de nova ferramenta que alia ganho de produtividade com dados confiáveis. Trata-se de um assistente de IA conversacional, integrado a todos os aplicativos da Salesforce, que auxilia os usuários em seu fluxo de trabalho, permitindo fazer perguntas em linguagem natural e receber respostas relevantes e confiáveis, baseadas em dados corporativos seguros e unificados do Salesforce Data Cloud. “Com o Einstein Copilot e o Data Cloud estamos facilitando a criação de assistentes de IA poderosos e infundindo inteligência artificial confiável no fluxo de trabalho em todos os empregos, negócios e setores”, declarou Marc Benioff, presidente e CEO da companhia.

Um novo líder ganha destaque

Para conduzir todas essas frentes, um novo profissional entra em cena nos departamentos de TI: o Chief Artificial Intelligence Officer. Responsável por liderar a inovação disruptiva, o CAIO tem o objetivo principal de identificar, executar e monitorar oportunidades de aplicação da IA que gerem valor, aumentem a eficiência e criem vantagens competitivas para a empresa. 

“Um Chief AI Officer mescla sólidos conhecimentos técnicos em IA com habilidades de gestão estratégica. Essencialmente, deve possuir uma visão sistêmica, capacidade de liderança e habilidades interpes­soais para gerir equipes multidisciplinares e promover a integração de IA na cultura corporativa”, explica Wesklei Migliorini, CAIO da startup Molde.me, que desenvolve ferramentas digitais de modelagem e encaixe automático para confecções.

Embora nem todas as organizações possam contar com um cargo exclusivamente dedicado à IA, esse executivo tem sido cada vez mais visto nos organogramas, graças ao papel central da inteligência artificial nas empresas hoje. Na Molde.me, por exemplo, o trabalho de Migliorini foi primordial na implementação de soluções que resultaram na redução significativa do desperdício de tecido dos clientes, um dos maiores gastos na indústria de confecção. “Minha missão é conduzir a adoção e o desenvolvimento de soluções de IA que não apenas incrementem a eficiência operacional e a sustentabilidade mas também posicionem a empresa como líder de inovação, definindo tendências e, principalmente, atendendo às necessidades dos nossos clientes”, diz.

Para isso, além de todas as complexidades da transformação digital, o CAIO tem o desafio extra de se manter 100% a par do progresso tecnológico, para antecipar ações e se adaptar rapidamente a um ambiente digital em constante evolução. Desafios à parte, entrar nessa locomotiva que está acelerando rumo a um destino que ainda não visualizamos por completo é uma jornada inevitável — mas fica mais fácil se manter nos trilhos com a ajuda de uma liderança focada como o CAIO, que é apenas uma das novidades entre os postos estratégicos das companhias nos próximos anos.

“A trajetória das empresas na estrada da IA está apenas começando e promete trazer transformações profundas. As organizações que embarcarem nessa viagem, investindo em tecnologia, talentos e uma cultura de inovação, estarão bem posicionadas para prosperar em um futuro que se redesenha todos os dias”, finaliza o executivo da Oi, Sergio Gaiotto.


1 + 1

“Não é humano ou máquina, é humano mais máquina”, disse Chris Nardecchia, VP sênior e diretor digital e de informações da Rockwell Automation, à Fast Company. A frase resume perfeitamente a função da inteligência artificial diante da velha discussão sobre a substituição dos humanos na força de trabalho, que se tornou mais popular com os avanços da GenAI.

Com um potencial imenso para trazer ganhos de produtividade e eficiência para os negócios, os especialistas deixam claro que a IA chega para somar, não subtrair. Nas palavras de Mary Mesaglio, da Gartner, nessa transformação estamos passando “do que as máquinas podem fazer por nós” para “o que elas podem ser para nós” — nossas companheiras de equipe. E não dá mais para perder tempo apenas discutindo, pois já está na hora de preparar a recepção da nova colega: a Gartner prevê que, até 2025, a GenAI será parceira da força de trabalho de 90% das empresas em todo o mundo. 


Acompanhe tudo sobre:exame-ceo

Mais de Revista Exame

Invasão chinesa: os carros asiáticos que chegarão ao Brasil nos próximos meses

Maiores bancos do Brasil apostam na expansão do crédito para crescer

MM 24: Operadoras de planos de saúde reduzem lucro líquido em 191%

MM 2024: As maiores empresas do Brasil