Conheça a empresa taiwanesa que travou o mercado global de chips
A TSMC domina o setor de smartphones e seus chips estão em tudo, de carros a caças. A pandemia consolidou ainda mais o domínio da companhia. O que poderia dar errado? A falta de matérias-primas
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(Maurice Tsai/Bloomberg/Getty Images)
Publicado em 22 de maio de 2021, 08h20.

A TSMC domina o setor de smartphones e seus chips estão em tudo, de carros a caças. A pandemia consolidou ainda mais o domínio da companhia. O que poderia dar errado? A falta de matérias-primas (Maurice Tsai/Bloomberg/Getty Images)
Décadas antes de fundar a Taiwan Semiconductor Manufacturing Co. (TSMC), Morris Chang estava presente na criação do moderno Vale do Silício. Ele relembrou em um evento em abril deste ano da vez em que foi a uma conferência da indústria com Gordon Moore e Robert Noyce em 1958, 10 anos antes dos dois criarem a Intel. Os três foram a eventos o dia todo, deixaram a cerveja correr solta no jantar e cantaram a plenos pulmões até voltarem ao hotel, segundo Chang. "Nós nos sentíamos privilegiados pelos deuses", disse ele.
A empresa de Moore e Noyce acabou se tornando uma das instituições mais lendárias do Vale do Silício, antes de tropeçar nos últimos anos. Agora é a TSMC de Chang que parece abençoada, resultado de sua adoção precoce de um modelo de negócios não testado e da execução hábil que vem tornando a TSMC a líder nos tipos mais avançados de semicondutores do mercado hoje.
A empresa domina o setor de smartphones e seus chips estão em tudo, de carros a caças. A pandemia da covid-19 consolidou ainda mais o domínio da companhia. A receita da TSMC em 2020 foi de US$ 45,5 bilhões, aumento de 31% em relação ao ano anterior, e seu lucro líquido ajustado de US$ 17,3 bilhões ofuscou seus lucros na comparação com qualquer ano anterior. A empresa vale hoje cerca de US$ 590 bilhões, mais de duas vezes e meia o valor de mercado da Intel.
A escassez global de chips vem acrescentando uma nova camada de sensibilidade política ao negócio da TSMC. A empresa mantém a maior parte de sua linha de produção no mercado interno, um arranjo que Taiwan está disposta a manter. Porém, as maiores economias do mundo estão se sentindo cada vez mais vulneráveis a choques na cadeia de suprimentos.
Autoridades americanas, europeias, japonesas e coreanas têm feito apelos a Taiwan desde o fim de 2020, na tentativa de persuadir a empresa a servir aos interesses nacionais de outros países. Simultaneamente, os EUA e a China estão planejando investir na produção nacional para reduzir sua dependência de fornecedores estrangeiros. Em 5 de maio, a Comissão Europeia também apresentou planos para ampliar sua capacidade de projetar e fabricar semicondutores avançados.
A TSMC tem uma enorme vantagem em sua posição atual, e as barreiras de entrada são muito altas. Ainda assim, a empresa enfrenta concorrência crescente da Samsung, que está gastando US$ 116 bilhões em seu negócio de chips de próxima geração, e da Intel, que planeja retomar sua posição investindo US$ 20 bilhões em seus próprios esforços.
Em abril, a TSMC anunciou um plano trienal de investir US$ 100 bilhões para aumentar sua capacidade. Se bem gasto, o dinheiro pode ajudar a tranquilizar os temores dos clientes de que possam acontecer interrupções no fornecimento. Porém, a política e a competição têm o potencial de corroer a posição da TSMC, caso a empresa não se adapte. Isso faz dos próximos anos o período mais crucial que a TSMC já enfrentou desde que Chang se aposentou em 2018 — e provavelmente desde que ele fundou a empresa, em 1987.
A TSMC sempre teve laços fortes com Taiwan. O chinês Chang mudou-se para lá em 1985, depois de se convencer de que nunca teria a chance de comandar uma empresa de tecnologia americana. Ele então se tornou presidente de uma pequena empresa e assumiu um cargo em um instituto de pesquisa do governo, onde teve a inspiração de criar a TSMC em parte por causa das políticas do governo taiwanês, que visavam despertar a indústria tecnológica nacional.
Empresas como a Intel não só projetavam como fabricavam chips para seus clientes; Chang imaginou um modelo conhecido como fundição de testes puros, em que sua empresa assumiria a intrincada tarefa de produzir chips para clientes que quisessem projetar seus próprios chips, mas não tivessem vontade de administrar as instalações multibilionárias de fabricação conhecidas como fundições, ou fabs.
Foi uma daquelas ideias que só parecem óbvias agora, olhando em retrospectiva. Quando Chang se aproximou da Intel em 1985 para ver se a empresa queria investir na TSMC, ela recusou. As empresas que mais tarde se tornaram parceiros importantes não sentiram muita confiança no início.
"Eu pensava comigo mesmo: 'Isso é loucura'", disse o diretor-executivo da Arm, Simon Segars, durante um evento de 2017 em comemoração ao 30º aniversário da TSMC. "No fim das contas, é uma ideia de fato muito boa. Nós não estaríamos aqui hoje sem ela."
Em seus primeiros anos, a TSMC em grande parte sobrevivia de sobras, pegando negócios marginais de seus primeiros clientes, a Advanced Micro Devices Inc. e a japonesa NEC Corp. Mas, à medida que crescia, a TSMC desenvolvia a capacidade de produzir chips de ponta.
A empresa se tornou conhecida pela consistência extraordinária de seu rendimento (a proporção de chips bons versus ruins) e seus tempos de entrega confiáveis, o que permitiu aos clientes planejar seus próprios ciclos de investimento e de produtos. Ao separar a linha montagem da área de projetos, a TSMC reduziu as barreiras para os aspirantes a desenvolvedores de chips, capacitando uma segunda onda de atores, que incluía a Qualcomm e a Nvidia.
A oportunidade grande de verdade surgiu em 2010, quando Chang recebeu Jeff Williams - que ajudava o futuro CEO Tim Cook a supervisionar as operações mundiais de todos os produtos da Apple - em sua casa para um jantar caseiro. As duas empresas vinham negociando um acordo para a TSMC produzir chips personalizados para os iPhones e iPads da Apple, e a refeição ajudou a bater o martelo, lembrou Williams na festa de aniversário da TSMC.
Era um risco para as duas empresas. A Apple estava contando com uma empresa que à época era vista como pé-frio. "Se tivéssemos apostado com todas as forças na TSMC, não haveria um plano B", disse Williams. Para a TSMC, isso significava um investimento inicial de US$ 9 bilhões e delegar a 6 mil funcionários a construção em 11 meses de uma fábrica dedicada exclusivamente à Apple; demorou vários anos até que a unidade começasse a produzir os chips.
A aposta deu certo, tanto que ajudou a Apple a atingir uma escala de impacto universal e catapultou a TSMC à condição de peça-chave no setor de semicondutores, ao mesmo tempo em que aguçou ainda mais a capacidade da empresa de fazer chips mais sofisticados.
A Intel não conseguiu evoluir a ponto de se tornar uma concorrente confiável no mercado de chips para smartphones, e os produtos da TSMC se tornaram bons o suficiente a ponto dos lucrativos clientes da Intel no mercado da computação de alto desempenho se sentirem tentados a mudar de fornecedor.
"Os usuários de semicondutores do mundo todo sabem que a TSMC produz mais da metade dos chips lógicos de alta tecnologia", diz Kazumi Nishikawa, funcionário do Ministério da Economia, Comércio e Indústria do Japão. "A Samsung está tentando não ficar para trás, mas a TSMC está se tornando cada vez mais dominante."
O modelo de fundição de testes tem se mostrado uma boa opção para uma era dominada pelas grandes empresas de computação em nuvem. Gigantes como a Alphabet, Amazon e Microsoft estão cada vez mais interessadas em projetar chips para as necessidades específicas de seus data centers e aplicativos de inteligência artificial. Em geral, essas empresas baseiam seus chips nos projetos da Arm, que há anos vem trabalhando diretamente com a TSMC.
Lideranças políticas dos EUA, Ásia e Europa acabam de testemunhar quão vulneráveis seus países são a interrupções nas partes de suas cadeias de abastecimento que eles não controlam. Para a China, a decisão do governo Trump de impedir que as empresas americanas trabalhassem com a Huawei trouxe urgência às aspirações do país asiático de estimular a fabricação doméstica de chips.
No evento de abril, Chang disse que os fabricantes de chips chineses ainda estão anos atrás da TSMC e pediu às autoridades taiwanesas que continuem a apoiar a empresa para que ela consiga manter sua posição.
O presidente Joe Biden, que também tem buscado fortalecer a fabricação nacional, quer dedicar US$ 50 bilhões à pesquisa e produção de semicondutores em solo americano. A TSMC vai começar neste ano a construir uma fábrica de US$ 12 bilhões no Arizona, com início da produção previsto para 2024 e já com planos de expansão. A Samsung e a Intel já estão mais dispersas que a TSMC em termos geográficos, uma distinção da qual as duas empresas talvez possam tirar proveito politicamente.
A TSMC tem sinalizado uma relutância em fazer mudanças da magnitude que os governos ocidentais estão buscando. As instalações internacionais da empresa geralmente vêm focando em chips menos avançados, enquanto o grosso de sua capacidade fica em Taiwan.
Chang questionou recentemente a lógica de ampliar a produção avançada nos EUA. No início de maio, o presidente da TSMC, Mark Liu, disse à CBS que a escassez de chips não foi causada pela localização geográfica das fundições de chips. Não está claro que é isso o que as autoridades de seus maiores mercados querem ouvir. (colaboraram Ian King e Isabel Reynolds)
Tradução por Fabrício Calado Moreira
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