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O que está por trás da compra da Vult pelo Grupo Boticário

O gigante de cosméticos e perfumaria anunciou a aquisição da Vult Cosmética há poucos dias. O que o Grupo Boticário tem a ganhar com a compra da marca?

Vendedora da marca O Boticário: a rede é a maior franqueadora do Brasil desde que o estudo começou, em 2016 (O Boticário/Facebook/Reprodução)

Vendedora da marca O Boticário: a rede é a maior franqueadora do Brasil desde que o estudo começou, em 2016 (O Boticário/Facebook/Reprodução)

Mariana Fonseca

Mariana Fonseca

Publicado em 15 de março de 2018 às 15h00.

Última atualização em 15 de março de 2018 às 15h00.

São Paulo – O gigante de cosméticos e perfumarias Grupo Boticário anunciou há poucos dias a aquisição da Vult Cosmética, player do mercado de beleza com posicionamento jovem e popular.

Seus criadores, a arquiteta Daniela Cunha e o vendedor de cosméticos Murilo Reggiani, provavelmente não imaginavam que o negócio criado em Mogi das Cruzes (São Paulo) com apenas dois funcionários em 2004 poderia ser estratégico ao Grupo Boticário em vários aspectos.

Com a aquisição, o gigante passa a ser a segunda maior companhia do segmento de maquiagem do Brasil, com uma participação de mercado de 15%, superando a Natura e ficando atrás apenas da Avon, de acordo com a empresa de pesquisa de mercado Euromonitor International. A Vult possui mais de 500 produtos em seu catálogo e 35 mil pontos de venda.

Mas a estratégia do Grupo Boticário vai muito além de números de market share. Especialistas consultados por EXAME afirmam que a decisão envolve aspectos como público-alvo, canais de venda, mix de produtos e até mesmo a presença do gigante no mundo online.

Confira, a seguir, os motivos por trás da compra da Vult pelo Grupo Boticário:

1 – Conquistar um público jovem e antenado com a internet

A primeira grande razão para adquirir a Vult Cosmética é conquistar um público distinto dos vistos em marcas como Eudora, O Boticário, Quem disse, Berenice? e The Beauty Box.

Diferentemente de todas as marcas do Grupo Boticário, a Vult é líder no mercado de cosméticos para jovens das classes C e D, com grande folga em relação à concorrente Dailus.

A decisão de se posicionar abaixo de marcas aclamadas, mas sem abrir mão de produtos com qualidade, foi a grande responsável pelo crescimento meteórico da Vult e pelo interesse do Grupo Boticário, na análise de Eduardo Terra, presidente da Sociedade Brasileira de Consumo e Varejo (SBVC).

Os produtos bons e acessíveis geraram aceitação entre as jovens brasileiras. "A marca Vult possui reputação junto ao consumidor, tendo construindo uma imagem de produto com boa relação entre custo e benefício. Apesar de Quem Disse, Berenice? também ter sido lançada com esse propósito, as vendas ocorrem em canais diferentes, nas lojas próprias da marca e pela internet", afirma Elton Morimitsu, analista sênior de pesquisa da Euromonitor.

Giuliana Grinover, especialista em varejo e sócia da consultoria empresarial AGR, diz que uma característica marcante das consumidoras da Vult é comprar os produtos para se maquiar ou fazer procedimentos estéticos em casa, e não nos salões. A marca soube aproveitar muito bem essa preferência de consumo, ainda mais marcante durante a recessão econômica, por meio de sua presença nas redes sociais e em seu canal no YouTube.

“A Vult possui um posicionamento de dar aulas de tendências e técnicas de maquiagem por meio da internet. Com a aquisição, o Grupo Boticário adquire um ótimo know-how de como fazer seu marketing para no mundo online.”

2 – Atacar mercados desconhecidos, com novas estratégias

Além de diferenças no público-alvo, a Vult Cosmética também atua em canais de venda desconhecidos para o Grupo Boticário. O negócio possui 35 mil pontos de venda, sendo que 70% do faturamento vêm das farmácias. A Vult também possui estandes em lojas de departamento (como Renner e Riachuelo) e lojas multimarcas de cosméticos. A partir de 2015, abriu quiosques em locais como aeroportos e estações de metrô, totalizando 31 unidades no formato.

O Grupo Boticário já deu sinais claros de que um dos focos é aumentar sua presença em mais canais. Um exemplo anterior é a entrada do grupo no segmento de venda direta, com a Eudora. Agora, poderá ganhar mais conhecimentos em canais como farmácias e perfumarias, que representaram 37% das vendas totais da indústria de beleza e cuidados pessoais em 2016, afirma Morimitsu, da Euromonitor.

"Ambos os canais vêm ganhando participação ao longo dos anos e deverão ser mais explorados pelo Grupo Boticário não só com a marca Vult, mas potencialmente com as demais marcas do grupo, uma vez que a empresa contará com maior know-how para tal."

Com a compra, o Grupo Boticário não conquistará apenas novos locais de venda – também aprenderá novas estratégias de atuação. “A Vult costuma formar maquiadores e colocar seus profissionais mais qualificados para ensinar gratuitamente as clientes em seus quiosques e também em grandes distribuidoras multimarcas, como a Ikesaki. É algo inovador, que o Boticário não faria na sua própria marca”, analisa Grinover.

3 – Diversificar o mix de produtos e oferecer itens de entrada

A aquisição da Vult Cosmética também promete diversificar o catálogo de produtos no Grupo Boticário.

A primeira grande adição é a de cosméticos que o gigante já vende, mas com preços mais acessíveis do que os vistos em lojas como O Boticário, Quem Disse, Berenice? e The Beauty Box. Segundo o e-commerce da Vult, seus produtos para olhos partem de 13,90 reais e os itens para os lábios partem de 14,90 reais. É comum encontrar preços ainda menores nos pontos de venda.

Um outro ponto estratégico é a entrada de produtos em que o Grupo Boticário não investe muito, como os esmaltes, que são a porta de entrada para itens com maior valor agregado. Os esmaltes da Vult partem de 6,50 reais.

“O Grupo Boticário investe pouco nos esmaltes, mas eles são interessantes pelo preço inferior ao ticket médio no setor. Toda farmácia, perfumaria ou loja de beleza quer ter um bom produto de entrada, e a Vult possui tais itens em seu portfólio”, afirma Grinover.

E a concorrência?

Os especialistas concordam que a aquisição da Vult Cosmética pelo Grupo Boticário não deve gerar grandes ressalvas pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica.

“A análise pelo CADE, nesse caso, parece-me apenas um procedimento obrigatório. Não há motivos para barrar a negociação, porque falamos de canais e públicos diferentes, com um índice de concentração baixíssimo”, analisa Terra.

Será que a Natura, marca de beleza que acabou de ser superada pelo Grupo Boticário em participação de mercado, possui algo a temer? Para o presidente da SBVC, é fato que a aquisição fortaleceu o grupo. Porém, as duas empresas andam mais em seus próprios caminhos do que em constante enfrentamento.

“A própria Natura já realiza esse exercício multicanal, com a abertura de lojas físicas. Eu prefiro olhar como duas empresas brasileiras com uma série de ativos e que vão muito bem em sua estruturação própria ou em suas aquisições, cada uma com sua história.”

A especialista de varejo da AGR concorda com a separação entre as companhias. “A Natura possui um público diferente da Vult, com ticket médio maior e mulheres com mais idade. E, enquanto O Boticário foca em lojas de varejo, a Natura ainda é muito dependente das consultoras e da venda porta a porta.”

O Grupo Boticário fez um bom movimento ao comprar a Vult Cosmética, mas não um xeque-mate - para Morimitsu, da Euromonitor, "a aquisição não deverá causar grandes impactos no curto prazo". No disputado tabuleiro da beleza no Brasil, não há tempo para descansar: todos estão de olho na próxima oportunidade.

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