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Pausar para reconectar: como um sabático repaginou a minha vida

Num mundo cada vez mais dinâmico e acelerado, pausas na carreira e sabáticos são assuntos cada vez mais frequentes. Será a sua hora de encarar um?

 (Aly Song/Reuters)

(Aly Song/Reuters)

João Adas
João Adas

colunista convidado

Publicado em 14 de dezembro de 2023 às 17h39.

Última atualização em 15 de dezembro de 2023 às 10h14.

Se você chegou até aqui, imagino que a palavra “sabático” tenha chamado a sua atenção de alguma forma. Pois bem, eu tive a oportunidade de fazer uma pausa planejada na minha carreira, e minha intenção aqui é começar a contar, de forma breve, a minha jornada e experiência pessoal.  

Pensar em um sabático pelo mundo para alguém que ama viajar, conhecer lugares, pessoas e culturas novas, comer e beber experimentando o que um destino tem para oferecer, era não apenas um sonho, mas uma meta de vida. Mas, como todo sonho, eu me deparava com alguns obstáculos para torná-lo real. 

Ainda sabendo do privilégio em poder pensar nesta pausa na carreira, tive que fazer diversas avaliações, desde ficar sem qualquer entrada financeira durante o sabático até imaginar a volta tendo que contar para um futuro empregador que fiquei mais de um ano sem trabalhar, somente viajando e tirando um tempo para mim. “Mas e quando eu voltar, como vai ser para retomar de onde parei? Como vão me enxergar?”, era o que mais passava pela minha cabeça!  

Um pouco de mim e do meu sonho   

Com trinta e poucos anos de idade, e na época há mais de dez no tal “mundo corporativo”, ainda estava noivo de minha esposa e sem filhos. Estava cansado de grandes corporações, com muitas dúvidas do que seriam meus próximos passos  profissionais e entrando em uma nova fase ao escolher casar e ter uma vida a dois todos  os dias. E uma paixão por viajar que era comumente vivida por partes, dada a minha dificuldade de tirar períodos de férias maiores que 15 dias e, consequentemente, tendo de escolher destinos de mais fácil e rápido acesso.   

Esta era minha “foto” quando tomei a decisão de pedir as contas e viajar sem tempo determinado na sequência do meu casamento. Já meu sonho se construiu intuitivamente. Além do que contei acima, havia a dificuldade para refletir mais  profundamente sobre uma mudança de carreira, de fato, durante meu dia a dia. Também precisava de tempo para entender melhor as minhas aspirações pessoais e conhecer novos destinos sem restrição de tempo. Daí, veio o “click”: é agora! 

Muitos questionavam se a viagem seria uma “lua de mel” estendida, ou se eu estava simplesmente esgotado do trabalho e buscava um escape - mas o casamento e a estabilização da carreira foram o trampolim para a realização do meu sonho. Ter um evento de transição como o casório me ajudou muito a tomar a decisão de  ir. E, de quebra, surgiu a oportunidade para me conectar, ainda mais intimamente, com a minha esposa.  

Não é preciso jogar tudo para o alto 

No fundo, eu pensava: “O que estou arriscando e deixando para trás?”. No meu caso, envolvia principalmente: gastar minhas economias, não ter emprego garantido na volta, arriscar a carreira também da minha esposa (que, de início, ainda estava relutante para ir) e postergar outros sonhos que tinha e dependiam das minhas economias. Planejamento e mitigação de riscos são parte crucial de qualquer pessoa e líder, e foi assim nesta jornada.  

Apesar de ter colocado na cabeça que as minhas economias servem para sonhos, me planejei para guardar doze meses de despesas essenciais no meu caixa. Depois, poderia voltar e buscar emprego sem o mesmo patamar de salário e cargo: mas sei que dedicação e esforço são bem remunerados, como sempre foi na minha carreira - ainda que tome um tempo. E, por fim, minha esposa conseguiu uma licença não remunerada. O “não” ela já tinha, não custava perguntar.   

No momento da decisão e de colocar todos os temas na balança, encarei com grande peso a pausa como uma oportunidade para voltar mais forte e com maior clareza de onde direcionar meus esforços e tempo. 

Apostando que pausar a carreira não significaria que eu deixaria meus objetivos profissionais de lado ou para trás, e que 1-2 anos em uma carreira de 40, 50 ou até 60 anos de trabalho se tornariam irrelevantes em um CV. Por fim, coloquei na decisão também o fato de estarmos sem filhos e logo com uma maior flexibilidade. Conclui que estava à frente de uma janela especial para encarar o tão sonhado sabático!   

A ida e a volta  

Foram rápidos nove meses, especialmente na Ásia. Preferimos focar em destinos de mais difícil acesso com filhos, mais distantes e que coubessem em nosso orçamento. E para quem é do time planejamento 100% da viagem antes de sair, fizemos praticamente o contrário: planejamos apenas quatro dos vinte países antes de  partir (os que exigiam visto prévio do Brasil e o  percurso completo da rota de trem da Transiberiana), no intuito de sempre manter um tom de flexibilidade e ir avaliando o “match” entre o destino e nossos gostos do momento. 

Nesse período, houve perrengues, desafios, risadas, muita vida a dois, aprendizados, novas descobertas, conexão e, também, muito crescimento pessoal: uma forma diferente de ver não só o mundo, mas de entender e aprender novas culturas e visões - e de como poderíamos ser pessoas melhores. E, então, resolvemos voltar nove meses depois.  

A Thay voltou à Whirlpool, onde ficou por mais seis anos e com duas promoções. Eu, particularmente, voltei muito mais conectado com o “agora” versus o “amanhã”, dando mais importância a pessoas e me pondo mais no lugar delas. Além disso, retornei mais equilibrado, ponderado, empático, e buscando um dia a dia profissional com mais propósito e conectado com meu “eu”. E, também, decidido a  não voltar para as grandes corporações para me aventurar em experiências com mais autonomia e empreendedorismo, algo que já  me rondava a cabeça.   

Em seguida, escolhi uma oportunidade para atuar como diretor financeiro na Cia. Tradicional, um grupo que hoje opera 50 bares e restaurantes, não estanque e em crescimento, sendo “gente que gosta de gente” e empreendedorismo como valores-chave. E, em dois anos e meio, tornei-me CEO desta empresa que tenho orgulho de liderar, em um setor que fez parte em 100% do meu sabático e faz parte de mim agora, como nunca - hospitalidade e entretenimento. 

Não tenho dúvidas de que a pausa de carreira me colocou aqui - e, agora, na  posição de CEO, onde tenho que lidar com pessoas praticamente o tempo todo. Aprendi a ouvir melhor o outro ao conhecer outras culturas completamente distintas da minha. Também aprendi que a experiência que se vive é completamente distinta da que se ouve ou mesmo lê 

Enfim, esta foi, de forma breve, a minha experiência com um sabático. Eu escolhi fazer em forma de viagem por muitos países, mas a experiência pode ser feita de múltiplas formas, especialmente naquela que te trouxer tempo de qualidade e prazer diário. 

Se eu pudesse dar um conselho, por mais comum que ele seja, seria: “Vá em frente e busque seus sonhos, considere pausas na vida para reflexões e reconexões consigo mesmo”. E lembre-se: o risco de ficar parado, muitas vezes, é maior que o de ir em frente. 

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