Direito ao dinheiro, ao corpo e à vida: as nossas conquistas mais recentes
As contribuições femininas no desenvolvimento da sociedade são inúmeras. Por outro lado, a garantia de direitos básicos e de espaço social segue a passos lentos
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Cresce a presença de mulheres no mercado financeiro e de trabalho: mas é preciso aumentar a representatividade (monkeybusinessimages/Getty Images)
Publicado em 15 de março de 2022, 09h41.
Última atualização em 24 de março de 2022, 12h33.
Em 2020, no início da pandemia, o Brasil foi foco do noticiário científico quando conseguiu sequenciar o genoma do coronavírus apenas 48 horas após o primeiro caso registrado no país. Nos outros lugares do mundo, esse mesmo trabalho foi feito, em média, em 15 dias. Entre os cientistas responsáveis estavam duas pesquisadoras da USP: Jaqueline de Jesus e Ester Sabino.
Mas engana-se quem pensa que o protagonismo feminino em fatos marcantes da história é algo novo. Em 1914, a americana Florence Parpart apresentou ao mundo a primeira geladeira elétrica e revolucionou o sistema de refrigeração de alimentos.
As contribuições das mulheres no desenvolvimento da sociedade foram definitivas para o mundo como o conhecemos hoje. Por outro lado, a conquista de direitos básicos e de espaço de participação social caminha a passos lentos.
Principais conquistas femininas desde 1800
Eu sempre defendi a educação como o caminho para a liberdade. Mas, no Brasil, as meninas só puderam começar a frequentar escolas a partir de 1827, e apenas em 1879, conquistamos o direito de cursar faculdade. No espaço político não foi diferente. Em 1918, após anos de luta, as inglesas conquistaram o direito ao voto. Por aqui, essa conquista ocorreu apenas em 1932.
Já a igualdade de direitos entre homens e mulheres foi reconhecida na Carta das Nações Unidas no ano de 1945. No entanto, no Brasil, só fomos reconhecidas como iguais aos homens na Constituição de 1988, há menos de 40 anos. Até então, éramos legalmente inferiores.
A pílula anticoncepcional, um marco da libertação feminina, foi aprovada em 1960. Foi também na década de 60 que as mulheres passaram a ter o direito a uma conta bancária independente do pai ou do marido; depois disso, ainda foram necessários 14 anos para que pudéssemos ter um cartão de crédito. Mulheres solteiras ou divorciadas que solicitassem um cartão de crédito ou empréstimo eram obrigadas a levar um homem para assinar o contrato.
O que não é de se impressionar (mas de se revoltar). Afinal, por que teríamos direito a cuidar do nosso dinheiro, se nem mesmo podíamos trabalhar para ganhá-lo sem a autorização de um homem até 1962?
A criação da Lei Maria da Penha aconteceu em 2006. A legislação é a primeira a reconhecer e criar mecanismos para combater a violência doméstica. Uma das conquistas mais recentes é a Lei do Feminicídio, de 2015, que classifica o assassinato de mulheres por razões da condição do sexo feminino como crime hediondo.
E foi apenas há duas semanas, em 9 de março de 2022, que a Câmara decidiu que nós, quando casadas, não precisamos da permissão do marido para fazer uma cirurgia de laqueadura. A lei ainda não está em vigor porque precisa ser aprovada pelo Senado Federal, composto em sua grande maioria por homens.
As conquistas nos revoltam pelo absurdo que é não ter acesso a direitos tão básicos como o direito sobre nossa vida, nosso dinheiro e nosso corpo. Mas os espaços foram e têm sido cada vez mais preenchidos por nós.
Nas eleições de 2018, o número de mulheres eleitas foi cerca de 50% maior do que o das eleições de 2014. Apesar do aumento, o número ainda é baixo, principalmente quando contrastamos com o fato de que mais da metade da população do país é composta de mulheres.
No mercado de trabalho, nós também temos conquistado espaço no meio corporativo e no empreendedorismo. Segundo o relatório anual do Monitor Global de Empreendedorismo, o Brasil tem aproximadamente 30 milhões de mulheres empreendedoras. Esse número representa cerca de 48,7% de todo o mercado empreendedor.
E, nos mercados financeiros, lá estamos nós. Nos quatro últimos anos, de 2018 a 2022, o número de mulheres investindo na bolsa de valores saltou de quase 180 mil para mais de 1,2 milhão, segundo dados da B3. A participação feminina compreende 24% do total de investidores. Mais uma vez, o número ainda não é proporcional à representação das mulheres na sociedade, mas a história mostra que estamos no caminho certo, e devemos seguir nele.
Sempre adiante
Olhar o passado é enxergar um filme repleto de direitos e espaços conquistados, mas ao custo da luta e da vida de muitas mulheres. Hoje, não apenas para dar continuidade ao processo de liberdade feminina, mas também para honrar a luta de todas que vieram antes de nós, precisamos seguir agindo para mudar a realidade.
O foco deve ser na união para ajudarmos umas às outras a conseguirem emprego, a terem sucesso na vida profissional, a fortalecerem o networking, por exemplo. E vai além. É importante incentivar que meninas e mulheres apostem em áreas que ainda são majoritariamente masculinas, como o mercado financeiro, a ciência e a tecnologia da informação.
Precisamos de mais médicas, programadoras, desenvolvedoras de softwares, engenheiras, especialistas em investimentos e, acima de tudo, líderes -- ainda somos minoria nos cargos de liderança.
Para mudar esse e tantos outros dados estatísticos, é preciso que programas de incentivo feminino sejam apoiados e ganhem escala nacional. Ao longo dos anos, desbravamos um caminho fechado em busca da nossa liberdade; hoje, enquanto seguimos abrindo espaço, buscamos não apenas a liberdade, mas o nosso protagonismo.
Como disse Kamala Harris, vice-presidente dos Estados Unidos, "estou aqui por causa das mulheres que vieram antes de mim". Gostaria de deixar a reflexão sobre a importância de pensarmos individualmente em qual é o nosso legado. Todos esses caminhos e conquistas já foram abertos por tantas mulheres antes de nós. Mas e nós? Quais novos caminhos queremos pavimentar para as próximas gerações?
*Carolina Cavenaghi é cofundadora e CEO da Fin4she, uma plataforma que conecta e impulsiona negócios e pessoas através da diversidade. É responsável por liderar e implementar projetos que promovem o protagonismo e a independência financeira feminina, buscando ampliar e fortalecer a presença de mulheres no mercado de trabalho. É a idealizadora do Women in Finance Summit Brazil e do Young Women Summit, eventos que já reuniram milhares de pessoas. Foi executiva da Franklin Templeton por mais de dez anos e trabalha no mercado financeiro desde 2006. Atualmente mora em Teresina, no Piauí, é mãe do Tom e do Martin e, através da Fin4she, tem a missão de transformar a forma como o mercado e as pessoas se conectam com a equidade de gênero.
E-mail: contato@fin4she.co
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