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Melhora do mercado não deveria encobrir ameaça fiscal, diz Gabriel Barros

Para economista-chefe da gestora RPS, governo e Congresso deveriam aproveitar momento favorável para aprovar medidas emergenciais para crise fiscal

Paulo Guedes e Jair Bolsonaro: governo continua sem endereçar desafio do endividamento público (Andre Borges/Getty Images)

Paulo Guedes e Jair Bolsonaro: governo continua sem endereçar desafio do endividamento público (Andre Borges/Getty Images)

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Marcelo Sakate

Publicado em 5 de dezembro de 2020 às 06h15.

Última atualização em 5 de dezembro de 2020 às 12h38.

O governo brasileiro contou com a melhora do mercado externo nas últimas semanas para respirar na gestão da dívida pública, mas esse momento favorável não deveria ser desperdiçado para adiar a resolução da crise fiscal. O alerta é de Gabriel Barros, especialista em finanças públicas, sócio e novo economista-chefe da gestora RPS Capital.

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"Nós não estávamos nos ajudando, mas essa liquidez global veio nos auxiliar para ganhar tempo. O Tesouro teve a vida facilitada para rolar a dívida. Mas a liquidez não muda nada do ponto de vista estrutural. É preciso atenção para não utilizar esse tempo adicional de forma pouco racional", disse Barros em entrevista à EXAME Invest.

Com a pandemia do novo coronavírus e a consequente recessão e gastos de centenas de bilhões de reais para pagar o auxílio emergencial, a dívida bruta -- que já estava em trajetória de alta -- disparou e deve encerrar o ano próxima ao equivalente a 100% do PIB.

Barros acaba de assinar uma carta na RPS em que detalha a gravidade da situação fiscal e aponta medidas de caráter emergencial e estrutural que poderiam ser tomadas para que o país atravesse ao menos 2021 sem crise. Respeitado especialista em contas públicas, Barros foi economista do BTG Pactual e passou dois anos no Instituto Fiscal Independente (IFI), entidade vinculada ao Senado que visa ampliar a transparência no assunto.

"Nem a ponte para chegar a 2022 foi construída. Há um desafio emergencial que não é trivial, dado que estamos em dezembro e nem o Orçamento do próximo ano é conhecido. Há uma incerteza enorme sobre 2021", afirma o economista.

No documento "O Desafio de Consolidação da Política Fiscal no Brasil", o sócio da RPS aponta que o custo de não enfrentar a crise vai se traduzir em "prêmios implícitos na curva de juros, pressão sobre o colchão de liquidez do Tesouro, na deterioração do perfil da dívida pública, na saída consistente de estrangeiros do país e na desvalorização cambial". São diagnósticos de alerta que se sustentam mesmo com a melhora recente do mercado.

Na última quarta, 2, o Tesouro Nacional anunciou a emissão de 2,5 bilhões de dólares em títulos no exterior, pela primeira vez desde o meio do ano. Os bônus com vencimento em 2025, 2030 e 2050 destoaram das dificuldades enfrentadas em agosto e setembro para rolagem da dívida por causa do aumento da percepção de risco do governo diante de sinalizações de aumento de despesas não condizentes com o teto de gastos.

"Parece razoável que, até o início do ano que vem, o mercado não diferencie muito os países emergentes. Mas, quando a situação se assentar, talvez no fim do primeiro trimestre, é provável que os investidores globais façam análises mais detalhadas. O fato é que o país deveria aproveitar a janela de oportunidade que se abriu, pois não vai conseguir postergar o enfrentamento da crise por muito mais tempo", afirmou o economista da RPS.

Barros lembra que já se passou mais de um ano desde que o governo apresentou três propostas de emenda à Constituição (PEC) que tinham como um dos objetivos racionalizar a gestão dos recursos pela esfera pública -- entre elas a PEC emergencial, que busca reduzir o tamanho dos gastos obrigatórios no Orçamento da União.

"Mesmo no cenário mais positivo em que há retorno à agenda econômica original, a persistência de elevados níveis de déficit e dívida reduzem substancialmente a capacidade do país de absorver potenciais choques futuros, cuja histórica econômica não deixa dúvidas de sua materialidade", escreve Barros no relatório.

É uma referência ao fato de que, se houver uma segunda onda, por exemplo, o governo não disporia de margem para adotar novas medidas de mitigação dos efeitos.

Rombo de R$ 26 bilhões

No estudo, Barros faz a distinção entre as medidas estruturais necessárias mas de difícil concretização, como as reformas administrativa e tributária; e as medidas de caráter emergencial, que são também desafiadoras, mas permitiriam ao país ao menos atravessar o ano de 2021 sem o agravamento do quadro fiscal.

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Ele aponta uma lacuna da ordem de ao menos 26 bilhões de reais para que o governo consiga cumprir em 2021 o teto de gastos, que é o mecanismo constitucional que limita o crescimento das despesas à variação da inflação.

"Essa diferença precisaria ser coberta por meio da redução de despesas obrigatórias, mesmo assumindo que não haja novo programa social (com o esperado fim do auxílio emergencial, depois de nove meses)", escreve o sócio da RPS.

"O desafio é muito grande, com um desequilíbrio estrutural, mas, antes disso, é preciso atacar o quadro aprovando medidas emergenciais. Dá para fazer, há muito gasto ineficiente, mas não temos mais tempo a perder", diz Barros. "É preciso tirar alguma pressão sobre o cenário econômico e assegurar uma estabilidade pelo menos até 2022."

Estratégia global macro

A chegada de Gabriel Barro à RPS faz parte da diversificação da atuação da gestora, que está lançando uma família de fundos multimercados macro global, dentro de uma nova estrutura voltada para a área.

A gestora trouxe como novo sócio — para liderar a frente macro global — Daniel Vaz, que estava havia uma década como gestor da Península, a holding de investimentos de Abilio Diniz e família. Vaz assume como um dos dois executivos-chefe de Investimentos (CIO). A estratégia global macro consiste na análise e na interpretação de eventos politico-econômicos em vários países para a tomada de decisões dos investimentos.

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