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Frigoríficos: como ficam as ações com a alta do boi e dos alimentos?

Dificuldade para repassar aumento de preços deve pressionar margem de lucro das empresas do setor, que busca se alinhar com princípios ESG

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 (Alfribeiro/Getty Images)

(Alfribeiro/Getty Images)

Por Guilherme Guilherme, Maria Clara Dias

Publicado em 25 de fevereiro de 2021, 06h08.

Última atualização em 25 de fevereiro de 2021, 10h14.

Os principais frigoríficos do país começam a divulgar seus balanços do quarto trimestre nesta quinta-feira, 25, com os resultados da BRF (BRFS3) e da Minerva (BEEF3) após o encerramento do pregão da B3. Alta demanda, aumento de exportações e desvalorização do real foram alguns dos fatores que contribuíram para o setor se destacar em 2020. Mas pode ter sido o último período antes de enfrentarem menores margens em razão da alta do preço do boi, que vem sendo negociado próximo das cotações máximas históricas no país. 

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Nos últimos 12 meses, o preço do boi gordo subiu 49% no mercado de futuros da B3, chegando a superar a marca de 300 reais a arroba (o preço dobrou nos últimos 24 meses). A apreciação foi impulsionada, principalmente, pela menor oferta de gado em razão do ciclo da pecuária e da alta de commodities agrícolas que servem de alimento para o animal.

Para analistas do BTG Pactual (do mesmo grupo controlador da EXAME), o maior custo do boi deve pressionar ainda mais as margens da Minerva, mais dependente do rebanho nacional que Marfrig (MRFG3) e JBS (JBSS3), que têm maior exposição ao mercado de carne bovina americano. Para essas duas últimas empresas, a expectativa do banco é a de que elas entreguem bons resultados “devido ao forte e duradouro ciclo do gado nos Estados Unidos”.

“O setor enfrenta problemas de disponibilidade de carne no Brasil. Por causa do ciclo do boi, houve um abatimento muito elevado de fêmeas, o que resultou em uma menor produção de bezerros. A estiagem também atrasou a fase de engorda”, afirma Pedro Serra, gerente da área de Research da Ativa Investimentos

Embora em outros mercados, como o de aço, a alta da principal matéria-prima (no caso, o minério de ferro) possa trazer benefícios, a dinâmica dos frigoríficos é outra. Isso porque, além de não produzirem sua matéria-prima em muitos dos casos, como algumas siderúrgicas fazem com o minério -- exemplo da CSN (CSNA3) --, eles vêm enfrentando dificuldade para repassar o aumento de preços para supermercados, que contam com grande poder de barganha.

“A carne bovina virou item de luxo e sofre o efeito da substituição da proteína. O consumidor pode escolher outro alimento no lugar do bife”, diz Serra.

É verdade que a alta do preço do milho também tem inflacionado o preço de um dos principais substitutos do bife, o frango. Desde fevereiro de 2020, ou seja, há um ano, o milho negociado no mercado de futuros americano acumula alta de 52%, tendo subido 32,6% somente desde o início de novembro. 

Para analistas do Bank of America (BofA), porém, a alta do frango é menos preocupante. “Os produtores de aves devem enfrentar grande pressão de custo da ração, mas eles têm espaço para repassá-los, já que os preços do frango ainda têm um grande desconto em relação aos da carne bovina e os preços dos alimentos processados também podem melhorar”, afirmam em relatório. 

BRF (BRFS3)

Não à toa, a maior produtora de carne de frango do país, a BRF, está entre as prediletas do BofA para o setor. Entre os pontos elencados para justificar a preferência, analistas apontam a diversificação em termos de produtos e regiões, o potencial de revisão para cima dos lucros e o valuation atraente.

Já o BTG espera um forte resultado da companhia no quarto trimestre, impulsionado pela demanda doméstica, com ajuda de subsídios do governo, como o auxílio emergencial. As exportações para a Ásia, segundo o banco, também devem contribuir para o resultado, com expectativas de margem Ebitda de 23,4% para a região.

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“No futuro, as principais questões são a sustentabilidade da margem de 2021 e o crescimento/alavancagem assim que as iniciativas de capex se acelerarem”, afirmam em relatório.

O capex, que é basicamente o montante destinado a investimentos, deve acelerar em razão do plano de expansão da BRF para 2030, quando a empresa espera alcançar receita de 100 bilhões de reais, cerca de 200% superior à registrada em 2019. No mercado, o plano foi considerado arrojado, para alguns, até demais.

“No PowerPoint é bonito, mas a execução não é tão trivial, existe um risco razoável”, afirma Serra. Segundo ele, a forma como a empresa irá lidar com os planos de expansão deve ser o principal gatilho para a alta ou a queda das ações nos próximos anos. 

“Eles falaram em comprar empresas grandes em mercados maduros, o que ajuda a mitigar a volatilidade. Mas isso custa caro. Se acertarem, os acionistas terão ganhos interessantes, mas sigo cauteloso. É oportunidade e risco ao mesmo tempo.”

Minerva (BEEF3)

Outra empresa a divulgar seus resultados nesta quinta, 25, é a Minerva Foods. Os números devem exibir o cenário do setor alimentício ao fim do primeiro ano de pandemia, momento de declínio na demanda no setor de food service no mercado doméstico. A expectativa é também que os números demonstrem otimismo em relação à estratégia de internacionalização do setor.

No caso da Minerva, o mercado externo concentra 70% da receita total da empresa, que atua por meio de exportações.

Como visto em empresas pecuaristas, outro fator pesa na conta da Minerva: o comprometimento com métricas ESG, sigla para ambiental, social e governança.

Para o mercado de commodities, a transparência e a quebra dos vínculos com riscos ambientais, tal como o desmatamento, passa a ser vital para um bom desempenho financeiro -- e para não afugentar investidores. E o esforço da Minerva no monitoramento e no rastreamento da cadeia de gado e no bem-estar animal é um exemplo bem visto diante dos mercado.

Assim como outras empresas de carne -- como a JBS e a Marfrig --, a Minerva tem investido no rastreamento de fornecedores indiretos, que são aqueles que vendem o bezerro ou o boi magro para o fornecedor direto, que comercializa o animal pronto para o abate.

A Minerva monitora cerca de 9 milhões de hectares na região da Amazônia. No terceiro trimestre, a empresa reportou uma receita líquida de 5,1 bilhões de reais e um lucro líquido de 58,3 milhões. Segundo a empresa, o resultado positivo foi reflexo de um momento positivo para exportadores da América Latina, na medida em que a demanda global por carne cresceu.

O compromisso ambiental da empresa também inclui a redução de emissões de gases do efeito estufa e eficiência energética. Entre 2018 e 2019, a empresa reduziu em 41% suas emissões de carbono e gerou uma economia de 5% no consumo energético, segundo dados da empresa.

Como efeito das medidas, pela primeira vez, a Minerva também compõe o índice de sustentabilidade de 2021 da B3, que reúne as ações das empresas mais líquidas da Bolsa e destaca as ações ambientais e de governança.

Comportamento das ações

Apesar do bom momento vivido no passado recente, na bolsa, os quatro principais frigoríficos do país acumulam desempenhos mais fracos nos últimos 12 meses, que incluem a forte queda vista no primeiro mês de pandemia no país.

Com desempenhos inferiores ao do Ibovespa, que subiu 9,3% no período, as ações da JBS e Marfrig acumulam respectivamente altas de 3% e 5%. Já BRF tem perdas de 20%, e a Minerva, de 23,8%.

Entre as companhias de proteína bovina, analistas do BTG, do Credit Suisse e do BofA têm dado preferência aos papéis da JBS, considerando sua maior diversificação regional.

Ainda assim, o BofA também mantém recomendação de compra para os papéis da Minerva e da Marfrig, citando que o melhor estágio do ciclo do gado em outros países da América do Sul e a exposição a exportações devem compensar a menor demanda local. "Mas destacamos que a diversificação mais limitada pode representar maior risco de queda para as estimativas", avaliam.

Serra, da Ativa, também concorda que, apesar das dificuldades no horizonte, o momento pode ser bom para investir em ações do setor. "Visando o longo prazo, pode vale a pena. Afinal, quando ainda está ruim é o melhor momento de comprar. Mas, no curto prazo, a pressão do custo da matéria-prima deve permanecer."