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Empreender por aquisição e com tudo pago: modelo importado de Stanford cresce no Brasil

Mais de 30 search funds já foram feitos no Brasil; país tem se tornado o principal foco de investidores na América Latina

Empreendedorismo por aquisição: modalidade envolve comprar e acelerar o crescimento de empresas de pequeno e médio porte (Maskot/Getty Images)

Empreendedorismo por aquisição: modalidade envolve comprar e acelerar o crescimento de empresas de pequeno e médio porte (Maskot/Getty Images)

Publicado em 24 de fevereiro de 2023 às 12h35.

Última atualização em 24 de fevereiro de 2023 às 18h07.

Empreender sem colocar nenhum tostão do bolso e ainda ganhar uma empresa de 'presente'. Pode parecer coisa de herdeiro, mas essa tem sido a alternativa de estudantes tocarem seu próprio negócio, colocando em prática a teoria que aprenderam em sala de aula. Isso é possível graças aos 'search funds', que buscam uma empresa para ser adquirida e acelerada, sendo todos os processos financiados por fundos de investimentos. Em troca, esses fundos ficam com uma participação do negócio. O modelo surgiu nos anos 1980 na Universidade de Stanford e tem ganhado cada vez mais espaço no Brasil. Por aqui, já foram realizados 31 search funds, sendo que 2022 foi o primeiro ano em que o país liderou em número de captações na América Latina.

Renato Abissamra, sócio da Spectra Investments, conta que a modalidade já é uma das mais rentáveis da gestora, que buscou nos search funds uma forma de ter acesso a empresas menores que as de suas áreas de venture capital e private equity. O preço dos negócios, contou, tem sido mais atrativo.

"O retorno tem sido estruturalmente maior do que o de private equity. São preços menores, porque são empresas menores e há menor liquidez. Há dois anos, víamos transações de venture capital a 15 vezes receita, o que era um múltiplo muito alto", afirmou Abissamra em entrevista à EXAME Invest.

Os aportes em search funds envolvem o financiamento de todo o processo de aquisição, inclusive o da pesquisa de qual negócio adquirir. Por isso o nome "search funds" (fundos de pesquisa, em inglês). Quem faz essas pesquisas é uma equipe liderada pelos próprios empreendedores que irão tocar as empresas após adquiridas. "São profissionais relativamente juniores, sem uma grande experiência, mas com qualificação técnica e, especialmente, com muita vontade de fazer acontecer", disse Alexander Saller, responsável pela seleção de empreendedores para search funds na Spectra.

Dentro da gestora, a categoria de search funds tem se tornado cada vez maior. Foram 32 investimentos desde 2016, mais da metade dos 58 search funds realizados em toda a América Latina. Os investimentos costumam ser feitos em parceria com outros fundos, como forma de atenuar os riscos. Após o aporte, é comum os fundos serem ativos dentro dessas empresas, muitas vezes atuando dentro dos conselhos de administração.

"Quando o search encontra um bom negócio, a oportunidade de aquisição é feita para os fundos que estão bancando a pesquisa. Não há a obrigatoriedade de participar. Caso algum fundo não queira, abre-se o espaço para outro aumentar sua fatia ou para se buscar financiamento de fora da base", explicou Saller.

O perfil das empresas adquiridas por search funds varia, mas em geral as pesquisas se voltam para empresas com receita recorrente e com grande capacidade de otimização do negócio. Esse período de pesquisa pode durar até dois anos. Ainda que a maioria dos fundos encontre boas oportunidades de aquisições, não é tão raro os search funds fracassarem ainda no processo de pesquisa. Entre as investidas da Spectra, por exemplo, dois não vingaram. Mas os que foram para frente mais do que compensaram as perdas.

Renato Abissamra, sócio da Spectra Investments

Renato Abissamra, sócio da Spectra Investments (Spectra/Divulgação)

O surgimento de um "fenômeno"

Um dos maiores sucessos da carteira da gestora foi a Voke, classificada por Abissmra como um "fenômeno". Segundo ele, o valor do investimento já multiplicou por 100, considerando os mesmos múltiplos da aquisição.

A Voke oferece serviços de aluguel de produtos eletrônicos, como notebooks, tablets, computadores e smartphones. A empresa já existe há 20 anos, mas passa por forte processo de aceleração desde 2019, quando foi adquirida por um search fund financiado pela Spectra.

"As principais mudanças estratégicas foram os investimentos na capacitação de profissionais, na organização de processos e na implementação de sistemas", afirmou Rene Almeida, co-CEO da Voke.

A decisão de buscar apoio para montar um search fund, contou Almeida, veio do desejo de empreender e das oportunidades que via no segmento. "O Brasil tem um número muito grande de empresas familiares de médio porte prontas para escalar e que precisam de recursos financeiros e gestão profissionalizada para se desenvolver e dar um salto de crescimento. O modelo de “search fund” nos pareceu a solução ideal".

O alvo das pesquisas do search fund, explicou o empresário, foram empresas de pequeno e médio porte com situação financeira robusta e cujos acionistas não tivessem um plano de sucessão familiar. Foram seis meses até conseguir a captação de investidores e mais um ano e meio para encontrar a empresa ideal a ser adquirida. "Após o mapeamento, negociamos com os proprietários dessas empresas, explicando o modelo de search fund e como poderíamos expandir e potencializar o legado criado pelos fundadores", afirmou.

No comando da Voke desde 2019, Almeida disse que a empresa tem alcançado crescimento orgânico de 50% ao ano e também buscado expansão por meio de aquisições de concorrentes. "Temos uma visão de longo prazo, então temos investido muito em ações estruturantes, que garantem a escalabilidade do negócio para os próximos anos."

Dos fundos que financiaram a compra da Voke, três investidores atuam no conselho da empresa, que se reúne a cada mês. "Os acionistas oferecem ajuda no dia-a-dia da gestão, abrem portas para oportunidades de negócio e auxiliam na análise de planos de negócios para expansão", disse Almeida. Após a aquisição, inclusive, os investidores voltaram a realizar aportes para acelerar o crescimento da companhia.

Modelo se consolida na América Latina

Os valores investidos em search funds da América Latina, por sinal, têm aumentado a cada ano. Em 2022, o investimento médio por search funds ficou em R$ 72,54 milhões, segundo levantamento da Spectra. O montante foi mais que o dobro da média de 2021, que foi de R$ 35,73 milhões. Em 2020, o cheque médio foi de R$ 25 milhões.

Esse crescimento tem sido acompanhado de maiores múltiplos de aquisição. Em 2022, essa relação foi de 5,6 vezes Ebitda contra 2,5 vezes Ebitda em 2020. "Os múltiplos de aquisição têm subido nos últimos anos, principalmente por conta do aumento de negócios em tecnologia", explicou Alexander Saller. A estimativa é que, a partir de agora, os múltiplos comecem a cair. "Todos os negócios até agora foram em empresas de tecnologia. Com a correção de preços a nível global [do setor], acreditamos que esses múltiplos devem ser iguais ou menores para os próximos anos."

Para este ano, Saller espera realizar de 12 a 15 investimentos em search funds. Desse total, 7 já estão no pipeline da Spectra e "muito provavelmente devem encerrar a captação e estruturação". Dos 17 search funds abertos na América Latina em 2021, 16 ainda estão em busca de uma empresa para aquisição, sendo que um deles já realizou a compra. Dos nove search funds de 2020, sete concluíram a aquisição, um ainda está em processo de pesquisa e o outro foi fechado sem ter encontrado um negócio oportuno.

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