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Acionista parte para o ataque contra deslistagem do Carrefour: “Oportunista e antiética"

Preço e timing da proposta feita pelo Carrefour França não agradam minoritários – especialmente estrangeiros –, que se articulam para barrar a operação

Loja do Atacadão na França: Brasil exportou modelo de atacarejo para a matriz francesa (Atacadão/ Carrefour/Reprodução)
Loja do Atacadão na França: Brasil exportou modelo de atacarejo para a matriz francesa (Atacadão/ Carrefour/Reprodução)
Natalia Viri

Natalia Viri

Editora do EXAME IN

Publicado em 7 de março de 2025 às 14:20.

Última atualização em 7 de março de 2025 às 18:38.

A proposta do Carrefour França para fechar o capital da subsidiária brasileira não agradou os minoritários, que têm tentado se articular nos bastidores para contestá-la – num processo que promete ser turbulento e pode culminar numa briga voto a a voto para decidir sobre a operação.

Agora, uma gestora americana está partindo para ataque contra a transação de maneira pública.

A Wishbone Partners – veículo de investimento da americana Ruane Cuniff, que gere mais de US$ 15 bi em ativos – divulgou uma carta aberta no qual classifica a operação como “oportunista”, “antiética” e “vergonhosa”.

“Trata-se de oportunismo vergonhoso e antiético – uma tentativa de criar valor para o controlador francês tirando-o dos minoritários de Atacadão – e que se reflete de maneira terrível na cultura de governança corporativa que o Brasil trabalhou de forma tão admirável para construir ao longo dos últimos 25 anos”, disse a gestora baseada em Chicago numa no documento enviado em primeira mão ao Exame INSIGHT. (Veja a íntegra ao final da reportagem.)

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O principal alvo da contestação é o preço oferecido, de R$ 7,70 por ação.

É um prêmio de 32% em relação ao preço médio ponderado dos últimos 30 pregões anteriores à oferta – mas em cima de um patamar bastante deprimido dos papéis, que operavam próximos à mínima histórica num período de estresse exacerbado no mercado brasileiro.

A Wishbone argumenta que o Atacadão foi listado em 2017 por R$ 15 por ação, praticamente o dobro do que o Carrefour França está oferecendo agora. Desde então, a receita total cresceu 2,3 vezes, chegando a R$ 115 bilhões. A gestora afirma que tentou se engajar com a companhia e matriz francesa, mas não obteve resposta.

Outro argumento – reforçado em coro por outros investidores ouvidos sob a condição de anonimato – é o valor da operação de real estate do Carrefour Brasil.

Diferentemente dos concorrentes, a companhia é dona dos imóveis em que atua e tem inclusive um braço voltado para shoppings e properties.

No mercado, estima-se que apenas a operação de real estate do Carrefour seja avaliada entre R$ 15 bilhões e R$ 20 bilhões. Hoje, com as ações negociadas a R$ 7,30 – próximo do valor oferecido na operação de deslistagem –, a companhia vale R$ 15,4 bilhões.

A gestora faz ainda duras críticas ao timing: “Ouvimos que o Brasil está no meio de uma crise política envolvendo a gestão das contas fiscais do país. O que, é claro, é exatamente por que essa tomada de poder antiética está acontecendo.”

Eles dizem que o Brasil é um mercado volátil e que crises acontecem de tempos em tempos. “Acreditamos que a companhia pode e provavelmente vai valer muitas vezes o atual preço das ações em alguns anos. Também acreditamos que os controladores franceses sabem disso, e é exatamente por isso que estão propondo essa transação.”

Para um outro acionista, esse baseado em Nova York, o múltiplo recente de outras transações de supermercados no varejo brasileiro mostra como a proposta do Carrefour França está longe de ser aceitável.

"A aquisição do Atakarejo pelo Pátria saiu a um múltiplo de 0,35 vezes a receita, a joint venture do Grupo Mateus com o Novo Atacarejo dá um múltiplo implícito de 0,6x, enquanto a venda do Bretas pelo Cencosud saiu a algo próximo de 0,5x. A oferta do Carrefour França é de 0,24 vezes, para uma companhia que saiu de um processo de turnaround e está entregando mais resultados."

No caso da Wishbone, a proposta alternativa de conversão das ações da subsidiária brasileira em papéis do conglomerado francês tampouco agrada.

“Em essência, isso nos forçaria a negociar uma porção – a um preço obviamente injusto – do negócio brasileiro que escolhemos ter por uma parcela num conglomerado francês que é reconhecidamente um dos varejistas de alimentos menos admirados da Europa, com um valuation baixo que reflete sua baixa performance”, disse.

A Península, family office da família Diniz que tem cerca de 7% do capital, aceitou a oferta para converter sua participação em ações do Carrefour França.

“Não é surpreendente que seus interesses e motivações possam divergir daquelas dos acionistas minoritários, dado seu investimento anterior e relação próximo com o grupo Carrefour, e dado que eles provavelmente têm um planejamento patrimonial e necessidades de liquidez únicos relacionados ao falecimento de Abilio”, diz a Wishbone.

Independência em xeque

A forma como o processo vem sendo conduzido também desagrada os investidores.

O preço de R$ 7,70 validado por um laudo apresentado pelo Carrefour pelo banco Rotschild, que o classificou como “justo”, de acordo com a companhia. “Pagando dezenas de milhões de reais, você pode levar qualquer banqueiro de investimento a dizer que qualquer coisa é justa”, disparou a Wishbone.

Os acionistas vêm questionando também a independência do comitê que deu a benção à transação.

Ele é formado por três membros: Alex Szapiro, CEO do Softbank no Brasil; Vânia Nevez, ex-CTO da Vale; e Cláudia Almeida e Silva, sócia da Singularity Capital em Lisboa. O próprio Carrefour reconhece que Cláudia não é independente, já que também é conselheira do Carrefour na França.

“Eles receberam a opinião do Rotschild no dia 11 e no mesmo dia deram aval à operação, claramente não houve uma discussão imparcial sobre a validade desse preço”, disse um outro investidor baseado em Nova York que não está contente com a operação.  “O interesse dos minoritários não foi considerado e a B3 claramente deveria averiguar melhor essa operação, já que fere os princípios do Novo Mercado.”

A Wishbone foi na mesma linha, intitulando a sua carta de “Vinho Velho na garrafa do Novo Mercado” e alertando os riscos em relação à governança corporativa e a segurança para investimentos no Brasil.

Briga boa

Para conseguir seguir com a transação, o Carrefour precisa do aval da maioria simples dos minoritários da companhia, que representam 25% do capital total. (O Carrefour França tem 67,4% e a Península, 7,3%)

Apesar dessa base ser bastante dispersa, o que dificulta a coordenação, há uma quantidade relevante de fundos e family offices com uma visão mais de longo prazo e que estão dispostos a se articular para barrar a operação.

“São muitos fundos que não tem cota diária e que podem topar a queda que pode vir se a operação não for à frente agora, para esperar a valorização mais à frente”, pondera um investidor local com participação no papel.

Os esforços para questionar a transação vem principalmente de investidores estrangeiros, incluindo veículos americanos e canadenses. Entre os brasileiros, estão na base nomes como a Volkin, a Tempo e a Onyx Capital.

A deslistagem está sendo proposta não como um fechamento de capital tradicional, mas forma de uma reorganização societária, com uma incorporação da subsidiária brasileira por uma nova companhia, para posterior resgate das ações.

Pelas regras do Novo Mercado, nesse caso, é necessária uma dispensa por maioria simples do free float para que a nova empresa não seja listada sobre as mesmas regras do segmento de governança.

“Na prática, é preciso aprovação por maioria simples da parcela do free float que estiver presente na operação. Com os minoritários que estão questionando bem engajados, parece bem possível uma contestação”, pondera um local que montou posição no papel esperando uma oferta melhor.

Com a palavra, o Carrefour França

"O Carrefour reitera que sua oferta pelo Atacadão é justa, transparente e estruturada em total conformidade com as melhores práticas de governança. Essa transação reflete o compromisso do Carrefour com todos os acionistas e garante um processo equitativo e objetivo.

O preço da oferta representa um prêmio de 32% sobre a média ponderada de preço por volume (VWAP) de um mês antes do anúncio — uma proposta significativamente melhor do que transações anteriores no país em que o controle foi adquirido. O Carrefour já detém participação controladora no Atacadão, e essa oferta proporciona uma oportunidade atraente para os acionistas minoritários (i) realizarem um valor imediato e certo; ou (ii) continuarem investindo no Grupo Carrefour ao manterem participação direta nas ações da Carrefour S.A. ou recibos depositários lastreados nas ações do Carrefour (BDRs).

Um comitê independente, composto pelos três membros independentes do conselho do Atacadão, observando os termos do Parecer de Orientação nº 35 da CVM, analisou cuidadosamente e negociou a oferta antes de recomendá-la ao conselho do Atacadão. Essa recomendação foi apoiada por um parecer independente de avaliação, confirmando que o preço da oferta refletia com precisão o valor intrínseco do Atacadão. O Carrefour se orgulha do rigor e da independência do processo de avaliação, conduzido em estrita conformidade com os mais altos padrões de governança corporativa.

Vale lembrar que a transação estará condicionada à aprovação da maioria dos acionistas minoritários. Além disso, todos os documentos relevantes serão disponibilizados antes da Assembleia Geral Extraordinária (AGE), permitindo que todos os acionistas formem sua própria opinião com base em informações completas e factuais.

O Carrefour permanece firmemente convencido de que essa oferta é justa e de que os acionistas reconhecerão o valor dessa transação e apoiarão a iniciativa."

A carta da Wishbone, na íntegra

(Optamos por manter o original em inglês para preservar o sentido pretendido pelos autores)

Old Wine in “Novo Mercado” Bottles

In 2000, the Novo Mercado was created to change both the perception and reality of corporate governance in Brazil. It was a momentous accomplishment that helped to solidify the country’s reputation as an “investable” market for global capital, in part by highlighting the quality and integrity of outstanding local companies like Cyrela, Localiza, WEG, and Totvs. On the Novo Mercado, these and other Brazilian leaders—outstanding companies by both local standards and global standards—were able to distinguish themselves from untrustworthy peers and showcase the best of Brazil’s vibrant business culture.

The leading businesses of Brazil who have built the Novo Mercado—and all of the Brazilian investors who have come to trust it—should be insulted by the recent behavior of the management and board of directors at the Carrefour Group, and their counterparts at Atacadão, the Carrefour subsidiary in Brazil. Here we have an example of a classic swindle of minority shareholders that made foreign investors so reluctant to invest in the “old Brazil” that preceded the advent of the Novo Mercado.

The independent directors of Atacadão clearly somehow believe that so long as they operate with the Novo Mercado’s stamp of approval, and so long as they pay enough money to investment bankers to cover their backsides, they can wantonly engage in the kind of mischief that the Novo Mercado was meant to stamp out. Hopefully, a shareholder revolt against this blatantly unfair transaction will teach them that you cannot place spoiled old wine in “Novo Mercado” bottles and pretend that it is something new.

The independent directors of Atacadão recently announced that they have accepted an offer by the company’s French parent to purchase all of the company’s outstanding shares for what amounts to BRL 7.70 each. The board’s investment bankers have declared this offer “fair,” but any Brazilian investor with reasonable common sense will understand that if you pay enough tens of millions of reals, you can get an investment banker to tell you anything is fair. The sad and ironic reality is that the transaction that this board and its bankers have blessed is precisely the opposite of fair.

Here's a fact that is as humorous as it is absurd: Atacadão was initially listed in 2017 at a price of BRL 15 per share, roughly double what the company’s owners are now told—nearly eight years later—is a “fair” price for their shares. Yet total revenue in 2024 was roughly BRL 115 billion, a full 2.3 times higher than it was in 2017.

Revenues of the company’s crown-jewel Atacadão segment have grown even faster, from BRL ~31 billion to BRL ~77 billion. But even if we ignore for a moment this substantial business progress over the last near-decade, it is hard to ignore the words of a recent Jefferies research report, which state that “the market value of [the company’s] real estate is estimated to be worth more than its market cap.”

Somehow, Atacadão shareholders are meant to believe that it is “fair” for them to surrender their shares to the company’s French parent at a price that places a value of zero on the operating business of Brazil’s largest and most important retailer.

The perpetrators of this affront will protest that interest rates are higher in Brazil than they were when Atacadão was originally listed, and thus the company should be worth less today than it was then. This reasoning conveniently ignores the fact that the company is nearly 2.5 times the size it was at the time of the IPO, with more market share and stronger scale advantages than it has ever had. It also ignores the fact that a little over two years ago, in late 2022, Atacadão stock traded for nearly BRL 20 per share when interest rates in Brazil were roughly the same as they are now.

But then we will hear that in real terms, as opposed to nominal terms, interest rates are much higher today than in 2022. We will also hear that Brazil is in the midst of a political “crisis” revolving around the management of the country’s fiscal accounts. Which, of course, is exactly why this unethical power grab is happening. Our French opportunists know as well as we and other shareholders do that Brazil is a volatile place where interest rates fluctuate widely, and another “crisis” of one kind or another comes and goes every few years. Back in 2015 and 2016, we saw very similar conditions in Brazil: real interest rates in the high single digits, a severe political crisis that culminated in impeachment and imprisonment, and a challenging environment for the valuations of retail businesses with leveraged balance sheets. During this period, the share price of another important Brazilian retailer, Magalu, fell nearly 90%.

Imagine if the Trajano family had decided to take advantage of this difficult moment to steal the portion of Magalu that it did not own at an obviously depressed share price. The loyal shareholders who ultimately stuck with Magalu through this period would have missed out on a gain of over 30,000% over the ensuing four years. No, that is not a misprint: thirty thousand percent over four years.

We will also hear that if we don’t like the cash consideration on offer, we can maintain exposure to Atacadão by accepting shares in France’s Carrefour Group. That would essentially force us—at an obviously unfair price—to trade a portion of the Brazilian business we chose to own for an interest in a French conglomerate that is renowned as one of the least-admired food retailers in Europe, with a low valuation that reflects its low performance. It would also force us to become partners with the very Carrefour Group management team that we believe is trying to cheat us.

And while it is true that Abilio Diniz’s Peninsula investment office has agreed to this share exchange option with the French parent, it is not surprising that their interests and motivations might diverge from those of other minority shareholders, given their prior investment in and close relationship with the Carrefour Group, and given that they most likely have unique estate planning and liquidity needs related to Abilio’s passing.

To be clear, we do not expect Atacadão owners to enjoy gains like those Magalu saw coming out of Brazil’s last period of stress, but we absolutely believe that the company can and probably will be worth many times the current share price in a few years. We also believe that the company’s French owners know this, which is exactly why they proposed this transaction. It amounts to nothing more than shameful and unethical opportunism—an attempt to create value for the French parent by taking it from Atacadão minority shareholders—and it reflects terribly on the corporate governance culture that Brazil has worked so admirably to build over the last 25 years.

Wishbone Partners is a long-term investor in global equities and has invested in Brazil for twenty years.

Para quem decide. Por quem decide.

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Natalia Viri

Natalia Viri

Editora do EXAME IN

Jornalista com mais de 15 anos de experiência na cobertura de negócios e finanças. Passou pelas redações de Valor, Veja e Brazil Journal e foi cofundadora do Reset, um portal dedicado a ESG e à nova economia.

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