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CBDCs: o que você precisa saber?

Um panorama geral sobre o assunto e o uso da blockchain como tecnologia de suporte às moedas digitais emitidas por bancos centrais

 (metamorworks/Getty Images)

(metamorworks/Getty Images)

por Tatiana Revoredo*

Na semana passada, o Senado Federal convocou representantes do Banco Central do Brasil para entender melhor o que é o Real Digital, a moeda digital de Banco Central (CBDC).

O Brasil faz parte do grupo de países que já assumiu publicamente que está desenvolvendo pesquisas e que  pretende emitir o Real Digital a partir de 2022. 

No artigo de hoje, após uma breve introdução sobre as moedas digitais dos Bancos Centrais, a diferença entre CBDC e criptomoedas, os tipos de CBDC, abordaremos quais Bancos Centrais estão considerando blockchain como tecnologia de suporte as suas CBDCs.

As CBDCs estão batendo à porta

Pelo mundo, são inúmeros os projetos em vários estágios de desenvolvimento, incluindo Europa, Ucrânia e Uruguai.

O Uruguai já concluiu seu piloto.

O Banco Central das Bahamas também passou por um piloto e foi além, lançando sua moeda digital nacional.

A China, e o Banco Central do Caribe Oriental lançaram pilotos, que estão em estágio bem adiantado. Sobre a CBDC chinesa, conhecida como Yuan Digital, comentaremos mais aprofundadamente ao final deste artigo, num comparativo com o Dólar Digital e o Euro Digital.

O BIS – Bank for International Settlements – em seu relatório anual de 2020 publicou um estudo no qual 80% dos representantes dos Bancos Centrais afirmaram estar focados no trabalho em torno das CBDCs. E este percentual aponta para um aumento quantitativo em relação ao número anterior levantado no relatório anual do BIS de 2016/2017, quando 65% dos representantes acenaram que já haviam iniciado estudos com CBDCs. 

As moedas digitais emitidas por bancos centrais estão batendo à porta. Isto é fato. Mas antes de avançarmos, vejamos a diferença entre uma CBDC e uma criptomoeda.

No que uma CBDC se difere de uma criptomoeda?

As criptomoedas não estão vinculadas à nenhuma economia ou país; são um novo tipo de ativo, digital e com alcance global, garantido por algoritmos criptográficos e protocolos descentralizados, executados em um blockchain de código aberto.

Para o Banco Central do Brasil, por exemplo, esses ativos são chamados de criptomoedas, de  “moedas virtuais” ou “moedas criptográficas”, e as diferencia das moedas eletrônicas dando tratamento semelhante ao adotado pelo Marco Regulatório do Estado de Nova York.

Para a instituição, criptomoedas possuem forma própria, ou seja, são unidade de conta distinta das moedas emitidas por governos soberanos, e não se caracterizam como dispositivo ou sistema eletrônico para armazenamento em reais. E analisando seus comunicados e posicionamentos sobre o assunto, percebe-se que a autoridade monetária brasileira é precisa no diagnóstico, quando se mostra consciente e atento à natureza privada das criptomoedas

Já uma “moeda digital” emitida por um Banco Central, também chamada de CBDC – Central Bank Digital Currency –  em nada se parece com uma criptomoeda. 

As CBDCs possuem uma autoridade central responsável pelas ocorrências e problemas, geralmente uma autoridade monetária ligada a determinado país, que regula o estado das transações na rede.

Sand Dollar, a primeira CBDC

A primeira autoridade monetária a emitir uma Central Bank Digital Currency – CBDC – foi o Banco Central das Bahamas em 20 de outubro de 2020. Chamada de Sand Dollar, a primeira CBDC implantada é uma versão digital do dólar das Bahamas, e foi projetado para trazer um “acesso mais inclusivo a pagamentos regulamentados e outros serviços financeiros”.  

A primeira fase da implementação da CBDC das Bahamas prevê participantes do setor privado, como instituições financeiras e cooperativas de crédito, preparando verificações de compliance para personal and institutional wallets – carteiras pessoais e empresariais – para apoiar o Sand Dollar.

As carteiras digitais foram configuradas para ter proteção com uma autenticação multifatorial e serão executadas em celulares, atendendo 90% da população com smartphones.

Aqui, vale mencionar que há quem defenda o Petro da Venezuela como sendo a primeira CBDC emitida por um Banco Central.

Quais as motivações oficiais para uma CBDC?

É possível enxergar uma delimitação bastante clara entre as motivações dadas pelas autoridades monetárias dos mercados emergentes e economias em desenvolvimento, e as motivações de países com economia avançada.

Os bancos centrais dos mercados emergentes e de economias em desenvolvimento tendem a se concentrar em pontos como a digitalização da economia e digitalização financeira, redução do custo do dinheiro físico e do risco. Por exemplo, uma das razões dadas pelo Banco Central do Uruguai é que o ecossistema de estrutura financeira dará um salto a frente com a emissão de uma CBDC, em termos de ofertas digitais. Isto é, uma CBDC acelerará a modernização dos bancos comerciais e outros players do mercado financeiro uruguaio.

Já bancos centrais de economias mais avançadas, como Suécia e Canadá, assim como a China, em certa medida, buscam uma CBDC para aumentar a competição do sistema de pagamento. Para mais exemplos, veja aqui.

Privacidade versus transparência em CBDCs

Tecnicamente, é possível projetar CBDCs com várias combinações de privacidade versus rastreabilidade de transações.

E quem decidirá sobre o equilíbrio entre privacidade e transparência serão os bancos centrais. 

Aqui, merece destaque uma pesquisa realizada pelo BCE sobre o Euro Digital que apontou onde a privacidade foi objeto de destaque. No resultado da pesquisa, que contou com 8.221 respostas, quando confrontados com a escolha de uma solução offline para um euro digital orientado para a privacidade, versus o online com serviços inovadores e de valor acrescentado, 53% dos cidadãos europeus preferem offline, outros 34% procuram uma abordagem híbrida e apenas 13% querem apenas online.

Embora cada autoridade monetária seja livre para chegar a suas próprias conclusões, uma opção que tem sido considerada pelos bancos centrais é fornecer alta privacidade para pequenas transações por usuários de varejo, semelhante ao dinheiro hoje, enquanto se programa em alta rastreabilidade para transações maiores, seja por pessoas físicas ou jurídicas. Isso permitiria a implementação de procedimentos Know Your Client (KYC) / Anti Money Laudering (AML) nessas transações.

Dólar digital vs Yuan digital

Jerome Powell, recentemente, surpreendeu quando em fevereiro de 2021 chamou o Dólar Digital de "um projeto de alta prioridade para nós", e ressaltou que “estamos empenhados em resolver os problemas tecnológicos, e consultar amplamente o público e de forma muito transparente com todos os constituintes interessados ​​se devemos fazer isso”. 

No mesmo dia desta declaração de Powell, o Federal Reserve (FED) publicou um artigo explorando as pré-condições para uma moeda digital de banco central de varejo (CBDC) intitulado de “Preconditions for a general-purpose central bank digital currency”. 

A chamada à ação dos EUA coincide com o anúncio da China no início de fevereiro de uma parceria significativa com o sistema de pagamento internacional SWIFT, removendo todas as dúvidas de que Pequim pretende internacionalizar o Yuan Digital.

A China, ao mesmo tempo, concluiu um acordo de livre comércio com as Ilhas Maurício, o primeiro com um estado africano, em um acordo que visa criar um campo de teste financeiro digital. Segundo publicação no Forum Econômico Mundial, à medida que a China desenvolve seus planos de moeda digital, pode ser que as Ilhas Maurício liderem nessa área para a África.

Todo esse desenvolvimento veio depois que Pequim aproveitou as comemorações do Ano Novo Chinês em 12 de fevereiro para implantar três projetos-piloto de grande escala para distribuir Yuan Digital no valor de aproximadamente US$ 1,5 milhão em “pacotes” de cerca de US$ 30 cada.

Nessa linha, na última semana de fevereiro de 2021, a China expandiu seu programa de testes em moeda digital para a cidade de Chengdu, a quinta cidade mais populosa do país.

Embora não haja um cronograma oficial para o lançamento da moeda digital soberana da China, parece que a intenção das autoridades chinesas é implementar o Yuan Digital antes dos Jogos Olímpicos de Inverno de 2022 em Pequim. 

Neste contexto, se os EUA demorarem a se estabelecer na disputa da inovação tecnológica financeira, num cenário de enfraquecimento do domínio global do dólar, os benefícios para Pequim seriam consideráveis.

Euro digital em blockchain

O Conselho do Banco Central Europeu (BCE) decidiu lançar a fase de investigação de um projeto protótipo do Euro Digital dentro de dois anos. 

Esta fase de investigação durará 24 meses e terá como objetivo abordar questões-chave relacionadas ao design e distribuição. Um Euro Digital deve ser capaz de satisfazer as necessidades dos europeus, ao mesmo tempo que ajuda a prevenir atividades ilícitas e evita qualquer impacto indesejável na estabilidade financeira e na política monetária. Isso não prejudicará qualquer decisão futura sobre a possível emissão de um Euro Digital, que só virá mais tarde. Em qualquer caso, um Euro Digital complementaria o dinheiro, não o substituiria.

Tal decisão da autoridade monetária europeia veio após a publicação de recente pesquisa encomendada pelos reguladores europeus que atestou a viabilidade do blockchain como tecnologia de suporte para o Euro Digital

Segundo a pesquisa, tanto o Instant Payment Settlement (TIPS) do sistema do Euro como seu blockchain demonstraram ser capazes de processar mais de 40.000 transações por segundo. Os experimentos também sugeriram arquiteturas que combinam elementos centralizados e descentralizados são possíveis.

Ainda, entre os profissionais que forneceram comentários adicionais sobre sua escolha de recursos inovadores, um em cada cinco pensa que a inovação pode ser fornecida sem depender de intermediários, como é o caso de um modelo descentralizado apoiado pela tecnologia blockchain.

Também, para um em cada dez entrevistados a tecnologia blockchain foi considerado como a solução mais óbvia para garantir a conformidade com as regras de know your customer (KYC) e AML / CFT, ao mesmo tempo em que fornece um certo nível de privacidade

Por fim, a pesquisa do BCE conclui que não encontrou grandes obstáculos técnicos nas quatro áreas de teste, que são:

1 - O euro em blockchain;

2 - Privacidade e combate à lavagem de dinheiro;

3 -  Limites ao Euro Digital em circulação;

4 - Acesso do usuário final enquanto não conectado à Internet.

Real Digital

Fabio Araújo, responsável pelo projeto do Real Digital dentro do BACEN, recentemente afirmou em um Webinar que em 2022 o Brasil iniciará as provas de conceito (PoC) do Real Digital e, uma das possibilidades a ser testada será a viabilidade do uso de blockchain.

Araújo destaca que o Banco Central acredita que há uma série de ganhos para o sistema financeiro nacional ao usar uma solução blockchain para uma CBDC, destacando, contudo, que ainda é preciso esgotar todas as possibilidades do Pix antes de explorar uma nova plataforma.

Quanto a forma como funcionará o Real Digital, em uma apresentação organizada pelo Portal IG, Fábio Araújo descartou qualquer possibilidade de seguir os passos de El Salvador ou de nações como a Argentina e adotar o bitcoin como moeda de curso legal ou como alternativa financeira no país.

É difícil escolher...

A maioria das pessoas, quando ouve falar sobre CBDC, logo pensa em uma espécie de instrumento digital ao portador do dinheiro do Banco Central. 

Muitos imaginam que é só pegar as notas de papel, transformá-las em formato de um “token” – que é a representação digital de algo – e emitir esse token.

Mas a verdade é que há uma variedade de opções e modelos de abordagem diferentes que os bancos centrais podem implementar em relação à uma CBDC. Existem definições muito específicas que podem ser aplicadas a CBDCs, e muitos artigos foram escritos sobre essas muitas opções diferentes em termos de implementação de uma moeda digital do Banco Central.

Há modelos baseados em contas, modelos baseados em tokens, modelos baseados em valor e também, abordagens híbridas.

Além destes modelos abordagem e implementação, temos ainda uma variedade de tecnologias que podem ser a base de uma CBDC, e ao mesmo tempo, não está muito claro o papel de vários intermediários que existem no mercado financeiro.

Que papel eles teriam no futuro com uma moeda digital de um Banco Central?  Ainda, quais são as diferentes opções no tocante ao atacado e varejo, e como se dariam as aplicações transfronteiriças das CBDCs? Quais as diferentes dimensões de uma CBDC e onde a interoperabilidade e padronização podem ser possíveis?

Nos mercados de atacado, é claro o interesse em uma CBDC para liquidação de títulos, por exemplo, em operações de banco comercial, assim como um grande potencial no espaço transfronteiriço, dado os diversos atritos e fricções existentes nestes campos. Qual seria o papel de uma moeda digital emitida por um Banco Central nestes ambientes? 

Provavelmente, só teremos as respostas a estas perguntas, a medida em que cada vez mais projetos passarem da fase piloto, para aplicações em larga escala.

Gostou do artigo? Você já considerou os impactos de uma CBDCs em termos de privacidade das transações? Confira aspectos mais aprofundados sobre este assunto no Livro Bitcoin, CBDC, Defi e Stablecoins. Perdeu algum artigo da coluna da Tatiana Revoredo, confira os textos anteriores aqui

*Membro fundadora da Oxford Blockchain Foundation. CSO na The Global Strategy. Blockchain Strategist pela Said Business School – University of Oxford, e em Blockchain Business Applications pelo MIT. Especialista em Cyber Risk Mitigation pela Harvard University. Representante no Brasil do European Law Observatory on New Technologies. Convidada pelo Parlamento Europeu para debater blockchain e cripto ativos na International Blockchain Conference, e pela Câmara dos Deputados para audiência pública sobre criptoativos do PL 2303/2015.

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