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Remy Sharp
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Ao todo, 30% vezes R$ 2.715 é igual a R$ 814, 50. Entendeu? Explico. O valor de R$ 2.715,00 foi a renda média da população brasileira em 2022, segundo o IBGE/Pnad divulgado ano 2023). Com isso, R$814,50 seria o valor máximo de prestação que a média da população brasileira poderia arcar para aquisição da casa própria.

Além disso, esse comprador precisará encontrar um imóvel que comporte sua família e atenda as suas necessidades, seja novo (pois, se for usado, somente poderá financiar 50%), com valor abaixo de R$ 169.000, e deverá ter poupado um valor significativo para pagamento da entrada e documentação do imóvel, itens não financiados pela instituição financeira.

Se você conhece um pouco da realidade financeira da esmagadora maioria da população brasileira, sabe que esse cenário detalhado acima beira a ficção. Então, quando todos os brasileiros terão a casa própria? Por que morar custa tão caro?

Eu me deparo com essas questões e outras similares em diversos eventos relacionados ao mercado imobiliário. Se fácil fosse respondê-las, resolvido estaria um dos maiores problemas sociais brasileiros, o déficit habitacional. Nesse artigo, vou explorar o porquê de o imóvel econômico não ser tão econômico assim. Em seguida, expor reflexões sobre como poderíamos impactar positivamente o tema abordado. Então vamos lá.

O que afeta o custo da casa própria no mercado de baixa renda no Brasil?

Concentração econômica e plano diretor das cidades. Em cidades, aonde o mercado de trabalho está superaquecido, temos um efeito nocivo no preço dos imóveis pela ótica do comprador/morador.

A alta demanda acaba ocasionando escassez de produtos (imóveis), consequentemente a elevação dos preços. Com isso, as habitações mais econômicas acabam sendo arrastadas para bairros/cidades mais periféricos.

Tudo isso em virtude da matéria prima base do imóvel: o terreno. Pois somente em cidades/bairros ainda não desenvolvidos, é possível encontrar viabilidade para empreendimentos habitacionais econômicos, na ótica do incorporador.

Esse fenômeno pode ser claramente evidenciado em regiões do nosso país, como a cidade de São Paulo que encabeça o ranking de participação no PIB nacional. O mercado de trabalho extremamente dinâmico e pujante da cidade, somado à concentração econômica, sem dúvida impactam fortemente os preços dos imóveis econômicos.

Então, como contribuir de forma positiva nesse tema? A resposta curta e simples seria, com uma boa política de urbanismo e fomento econômico. Deixe me explicar através de um exemplo positivo e um negativo.

O governo pode, e na minha opinião deve atuar para atenuar as consequências geradas por grandes polos econômicos. Uma grande variável que o governo pode influenciar, é o modelo do desenvolvimento urbano da cidade. Através de um bom plano diretor, o município é capaz de impactar diretamente na qualidade e acesso a moradia de seus habitantes. Vou dar um exemplo real e claro do impacto que tal gestão pode ocasionar.

A cidade de São Paulo, há pouco tempo atrás, apresentava baixo percentual de habitações econômicas em seus lançamentos. Através de planejamento bem estruturado do plano diretor, se reverteu esse cenário. Entre 2017 e 2022, São Paulo colocou no mercado mais de 137 mil unidades residenciais econômicas (Minha Casa Minha Vida). Esse número representou, em 2022, 12,9% do total de domicílios do município com renda entre R$ 2.544 e R$ 5.722.

Com isso, foi possível reurbanizar bairros antes decadentes, prover melhor qualidade de vida a habitantes antes destinados a viver em bairros e/ou municípios periféricos por falta de acesso a imóveis acessíveis. Sem dúvida, gerando impacto positivo na arrecadação da cidade, diminuição da favelização e moradias irregulares, além de aumento significativo na qualidade de vida desses habitantes por estarem mais perto do seu trabalho e conveniências em geral.

Por outro lado, temos cidades que foram na contramão desse tipo de medida, como por exemplo Curitiba. Atualmente considerada uma das cidades com plano diretor menos adequado à inclusão de moradias econômicas. As regras exigidas em Curitiba tornam praticamente impossível o desenvolvimento de habitações econômicas, fazendo com que do total de lançamentos da cidade entre 2017 e 2022 fosse de apenas 2% para o mesmo perfil das habitações acima citadas no exemplo da cidade de São Paulo (4.938 unidades).

Esse fato ocasiona uma severa escassez em imóveis econômicos na cidade, levando a população economicamente menos favorecida a residir na periferia, ou em cidades da região metropolitana.

Além disso, esse fenômeno gera uma tendência no aumento de invasões e favelização do município.

Por último, os habitantes que são obrigados a morar nas cidades satélites, acabam as usando apenas como dormitório, e vindo à cidade mãe para trabalhar, utilizar-se de hospitais, transporte público e similares, gerando uma sobrecarga ao município sem a geração de impostos que residir na cidade poderia gerar.

Mas como o plano direto afeta o preço do imóvel?

Vou citar dois rápidos itens regrados pelo plano diretor e que impactam diretamente no valor de venda de um imóvel econômico.

Vaga de garagem. Um dos itens mais custosos de uma habitação econômica, podendo seu preço de venda ultrapassar 25% do valor do imóvel. Então, uma cidade como Curitiba que tem em seu plano diretor baixa flexibilidade quanto à exigência de vagas, gera uma barreira muito grande para o desenvolvimento de habitações econômicas.

Áreas mínimas exigidas. A exigência de cômodos com tamanho mínimo acima do padrão de normas técnicas, ou fora da realidade financeira do público econômico, é outro item que impacta direta e fortemente no preço dos imóveis econômicos.

Por exemplo, se considerarmos a metragem mínima exigida em São Paulo para sala de estar, primeiro e segundo dormitórios, cozinha, área de serviço e banheiro, é possível se ter um imóvel de 25,8m2. Em contraste, em Curitiba esse imóvel precisaria ser no mínimo 51% maior (39m2). O impacto disso no preço e, consequentemente, na aquisição pelo público menos favorecido, é brutal.

Juros elevados. Esse tópico é praticamente autoexplicativo. Sem dúvida os juros elevados impactam diretamente no mercado de imóveis e, mais fortemente no mercado de imóveis econômicos. Talvez o que poucos sabem é que os juros elevados não só afetam a compra/financiamento do imóvel pelo morador final, mas também o preço de venda do imóvel.

Praticamente todas as construtoras atuantes no mercado de habitação econômica utilizam-se de financiamento de apoio a produção, em português simples, de empréstimo bancário para construção de seus empreendimentos. Com isso, os juros elevados acarretam maiores despesas financeiras durante a obra, e consequentemente do preço final do imóvel.

Por outro lado, apesar do Brasil ter juros elevadíssimos, temos tido um bom desempenho quando analisamos o mercado de habitação econômica. Não estou entrando na discussão se a taxa de juros básica do país está adequada ou não, o que estou afirmando é que diante da taxa de juros brasileira, as ferramentas de financiamento à construção e ao comprador de imóveis econômicos são satisfatórias.

Em outras palavras, o mercado de habitação econômica desfruta das melhores condições de financiamento do cenário imobiliário em nosso país.

Burocracia e risco jurídico

Tenho certeza de que você está cansado de ler sobre o risco jurídico brasileiro. O mercado imobiliário talvez seja um dos mercados mais afetados por essa insegurança. Para você ter uma ideia, atualmente não se sabe ao certo qual o tempo de garantia que o construtor/incorporador deve prover. Existem diversas interpretações, regras e normas que conflitam entre si, gerando uma incerteza assustadora. E adivinhe quem paga essa conta? Sim, o comprador final, pois essa incerteza é precificada e somada ao valor de venda do imóvel.

Com isso, uma forma de impactar positivamente o acesso à moradia econômica seria, sem dúvida alguma, diminuir o risco jurídico do mercado imobiliário. Não estou dizendo que se deve eximir as empresas de suas responsabilidades, estou sugerindo que as responsabilidades sejam claras, bem definidas e corretamente dimensionadas.

Somado ao imbróglio jurídico existente, temos uma assustadora burocracia. Em muitas cidades, facilmente pode se ultrapassar 2 anos para o licenciamento completo de um empreendimento. Mais uma vez, adivinha quem paga essa conta? Sim, novamente o comprador final. O custo financeiro que todo esse prazo gera é precificado pelo incorporador/construtor e somado ao preço de venda do imóvel. Então, uma otimização dos processos de aprovação, sem dúvida traria um impacto direto, rápido e significativo no preço dos imóveis de perfil econômico.

Método construtivo e monopólio de fornecedores

Por último, temos um fator importante que afeta diretamente os valores da habitação econômica em nosso país, nosso modelo de produção.

O método construtivo utilizado no Brasil para desenvolvimento de moradias econômicas é um dos mais atrasados do mundo. Temos pouquíssima industrialização, prazos enormes de construção, necessidade absurda de mão de obra, ineficiência, desperdício de materiais e problemas construtivos.

Somado a esse cenário, temos uma concentração enorme no fornecimento de materiais primordiais à execução de obras na mão de pouquíssimos fornecedores, como aço, ferro, cimento e outros. A falta de concorrência e opções, sem dúvida é um dos fatores dentro da produção que mais afetam o custo destes imóveis e, consequentemente seu preço de venda.

O que poderia ajudar? Acredito que duas ações poderiam gerar grande impacto nesse tema.

A primeira seria flexibilizar as normas técnicas e certificações para o uso de sistemas construtivos já consagrados em outros países. Atualmente, a rigidez e excesso de burocracia na certificação de sistemas de produção de imóveis dificulta muito o fomento de novas tecnologias construtivas.

Sem dúvida, poderíamos impactar fortemente a moradia econômica com sistemas produtivos mais industrializados, menos dependentes de mão-de-obra massiva e de insumos monopolizados.

Conclusão

No começo do artigo, mencionei que colocaria luz em alguns aspectos e apontaria possíveis sugestões de melhoria. Mas, não afirmei que seriam pontos e ações fáceis. De fato, são itens que necessitam de profundas mudanças e, que não dependem somente do setor privado, o que torna um pouco mais árduo o caminho.

Por último, deixo uma provocação no ar, que quem sabe poderá levar ao meu próximo artigo. E se tudo isso for sanado? Vale mesmo ter a casa própria, ou seria melhor morar de locação?

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