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Vale: oferta de debêntures pode render mais à União do que privatização

Papéis foram emitidos em 1997 e oferta pode movimentar 7,5 bilhões de reais pelo valor atual de mercado

Esteiras transportadoras de minério de ferro da Vale no Porto de Itaqui, no Maranhão
Esteiras transportadoras de minério de ferro da Vale no Porto de Itaqui, no Maranhão
GV

12 de setembro de 2020 às 16:54

Passados 23 anos desde a privatização da Vale, a venda de debêntures participativas nos direitos minerais da empresa poderá render mais à União do que a própria venda do controle da companhia. É lógico que essa comparação não considera a correção do valor da privatização e, portanto, está longe de ser perfeita. Mas é, no mínimo, curiosa e irresistível.

O BNDES está organizando uma oferta pública desses papéis e o governo vai pegar carona. No total, há até 214,3 milhões de debêntures para serem vendidas — e dois terços delas pertencem ao Tesouro Nacional. O banco contratou o Bradesco BBI para coordenar a venda e o sindicato de instituições inclui ainda Citibank, JP Morgan e Itaú BBA. O EXAME IN antecipou que o BNDES preparava essa operação em 1º de junho.

A oferta pode alcançar um total 7,5 bilhões de reais, se considerados os preços de mercado dos papéis – 5 bilhões de reais para o governo, portanto, e 2,5 bilhões de reais para o banco de fomento. Em 1997, o controle da Vale foi vendido a um consórcio liderado pela Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), do empresário Benjamin Steinbruch, por 3,38 bilhões de reais — que, na época, também eram 3,38 bilhões de dólares. Mais um problema para a comparação. Se fosse aplicada apenas a correção pelo Índice Geral de Preços de Mercado (IGP-M), o valor da privatização estaria hoje em quase 20 bilhões de reais.

Mas as debêntures não deixam de ser um extra saboroso. Esses papéis participativos foram criados dentro do processo de privatização. O objetivo era garantir que o governo e os demais acionistas da empresa pudessem participar dos ganhos com os direitos minerais da empresa no futuro, na vida pós-privatização — daí o nome do título. Já se esperava que o capital privado teria condições de acelerar a exploração das reservas da companhia.

Assim, na ocasião, foram emitidas 388,56 milhões de debêntures, com valor simbólico de 0,01 real ou 0,01 dólar (há ambos os registros). Os acionistas receberam um título novo a cada ação que tinham, fosse ordinária ou preferencial.

Os prêmios pagos a esses papéis — não se pode chamar de juros, porque não o são — vêm aumentando substancialmente a cada ano. Em 2019, a Vale anunciou o pagamento de 900 milhões de reais de rendimento, 40% mais do que os 643 milhões de reais do ano anterior. Os pagamentos passaram da centena de milhão pela primeira vez a partir de 2013. Antes disso, os desembolsos giravam em torno de 22 milhões de reais ao ano. Porém, nos últimos sete anos, foram distribuídos 3 bilhões de reais aos detentores desses títulos.

Considerando o que recebeu de 2013 até agora mais o valor que pode obter com a venda, a União talvez consiga amealhar nada menos do que 6 bilhões de reais com a debênture jabuticaba da Vale.

O valor de fechamento do último negócio com as debêntures, na sexta-feira, foi de 35 reais cada. Mas foi só a partir de meados de agosto que os títulos superaram a marca dos 30 reais. Quando foram emitidos — e não havia nem pinta de um mercado secundário líquido para os títulos — a previsão era que o valor nominal fosse corrigido pelo IGP-M. A oferta será um bom momento para que o mercado atribua um preço aos títulos, uma vez que o secundário atual talvez não tenha liquidez suficiente.

No balanço de 2019, a Vale elevou o valor de marcação a mercado das debêntures (pelo conceito de valor justo) de 5,5 bilhões de reais para 10,4 bilhões de reais. Ao preço do último negócio, o volume total da emissão seria de 13,6 bilhões de reais.

As debêntures não têm vencimento. Basicamente, são válidas até o esgotamento dos direitos minerais aos quais estão atreladas. Elas têm o direito de receber pagamentos semestrais equivalentes a um percentual da receita menos o imposto de valor agregado, tarifa de transporte e despesas de seguro relacionadas à negociação dos produtos, provenientes de alguns recursos minerais identificados na época da privatização. Quais especificamente? A documentação da oferta será um bom lugar para procurar.

Mas é possível perceber que os valores a serem pagos podem variar ano após ano. Existem patamares a partir dos quais o prêmio é devido. Por exemplo, no ano passado, houve pagamento de 1,8% sobre a receita do Sistema Norte. Mas, nenhum sobre o sistema Sudeste de minério de ferro. E por qual razão?

O volume acumulado de vendas de 1,7 bilhão de toneladas métricas, patamar a partir do qual as vendas do Sistema Sudeste fazem jus ao pagamento de prêmio, seja alcançado em junho de 2024, caso as vendas anuais de minério de ferro deste sistema permaneçam iguais ao volume de vendas dos últimos 12 meses — o que pode ser afetado pelo rompimento de Brumadinho.

Todas essas informações estão no relatório dos pagamentos da Vale, no site da empresa. A partir deste ano, o documento a respeito do segundo semestre do ano passado ficou muito mais palatável. Até então, era um apanhado de gráficos, tabelas e mapas. Agora, ainda que em linguagem árida — versão educada para chata e técnica — dá para compreender algumas coisas.

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