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Produtos orgânicos

Raiar: o plano e a revolução para ser a maior do mundo em ovos orgânicos

Empresa chegou ao varejo há apenas cinco meses, depois de longa 'gestação' desde 2018 e deve ser, em breve, a líder no setor

Raiar Orgânicos: ovos são só o começo de produtos para a empresa transformar no país (Sérgio Zacchi/Divulgação)
Raiar Orgânicos: ovos são só o começo de produtos para a empresa transformar no país (Sérgio Zacchi/Divulgação)
GV

Graziella Valenti

13 de outubro de 2022 às 17:38

O que veio primeiro: o ovo ou a galinha? Na Raiar Orgânicos, o inconformismo. O trio de sócios fundadores e executivos da empresa, Marcus Menoita, Luis Barbieri e Leandro Almeida, com décadas de experiência acumuladas no agronegócio, especificamente na cadeia dos grãos, estão à frente do maior projeto de transformação da avicultura de postura do Brasil em andamento, que demandará investimentos de R$ 200 milhões. Desse total, cerca de R$ 100 milhões já foram empenhados. 

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A iniciativa vai muito além de vender ovos orgânicos caipiras: o objetivo é reformar toda a indústria no país e organizá-la para fomentar a produção orgânica de grãos. Afinal, na vida prática, antes da galinha e do ovo vem o milho. Sem ele, não há como pensar em criar galinhas. Se não há milho orgânico, não há como haver ovo orgânico

A dificuldade de conseguir esse grão ajuda a explicar o cenário atual de ovos orgânicos no país e a discrepância daqui em relação a outras nações. Os ovos desse tipo, que pressupõem a criação de galinhas no pasto, livres de antibióticos e que se alimentam apenas de fonte vegetal orgânica, representam apenas 0,3% do consumo brasileiro de ovo — o país tem cerca de 180 milhões de aves de postura. Para quem não sabe, cada galinha saudável bota um ovo por dia. Nos Estados Unidos, 8% do consumo do país é orgânico e, na Europa, essa média chega a 25%, onde praticamente já não existe mais criação de galinhas em gaiolas. 

Mais do que ser um mercado sub-representado, trata-se de um com alto potencial de crescimento. De 2018 a 2020, intervalo no qual os sócios realizaram as pesquisas para o que viria se tornar a Raiar, notaram que o setor tem um consumo que cresce a dois dígitos anualmente, da proteína mais rica como alimento depois do leite materno, mas ainda desorganizada como segmento e altamente pulverizada, nas mãos de empresas familiares, em sua maioria. “Os cinco maiores produtores do Brasil, juntos, não chegam a 20% do mercado”, diz Menoita, ao EXAME IN

A demanda acelerada e a possibilidade de transformar uma indústria por inteiro foram fatores que soaram como música aos ouvidos dos sócios. Mais do que criar um negócio de sucesso, eles procuravam um propósito claro ao empreender. É uma busca que, para Menoita, vem desde que vendeu a NovAgri para a Toyota e cumpriu o período que ficaria no negócio. Ele já sabia que seria no agronegócio, mas não exatamente em qual ramo — chegou até a avaliar o setor sucroalcooleiro. “Em algum momento de 2018, me caiu a ficha que 70% a 80% do custo do ovo vem dos grãos”, conta ele. 

Luis Barbieri, Leandro Almeida e Marcus Menoita: vontade de transformar o setor começou pelo milho orgânico (Sérgio Zacchi/Divulgação)

Para resolver esse problema, o executivo contou com a experiência de Barbieri no setor para, antes mesmo de ter as galinhas, atuar na transformação da agricultura familiar tradicional de milho para a categoria de orgânicos, estruturando formas de financiamento e acesso ao conhecimento. “É por isso que falo tanto sobre nosso inconformismo e como isso foi essencial. Todo o setor coloca um ponto nessa questão do abastecimento e nós decidimos colocar uma vírgula. O Brasil não tem milho orgânico, por enquanto. Não ponto final”, diz Menoita. 

Os sócios estão convencidos de que cuidar dos aquíferos brasileiros pressupõe ampliar, revolucionar, o cultivo de grãos no país, para o modelo de orgânicos. “No Brasil, 75% da área de cultivo é dedicada aos grãos. Ou a gente muda esse segmento ou, do contrário, não vamos salvar o planeta comendo morango orgânico”, completa.

Atualmente, pouco mais de 60 pequenos produtores rurais foram convertidos e a expectativa é chegar a 100 até o fim deste ano. “Começamos com 8, depois fomos para 28. Agora temos milho para 2023 e mais”, conta Barbieri. Ambos os fundadores frisam a importância de não estarem sozinhos para que o mercado cresça. Por dois motivos: o impacto e o desenvolvimento serão acelerados se não forem únicos.  

Com os primeiros passos dados na questão do milho, a Raiar não trouxe as galinhas, nem os ovos, mas a auditoria para formar a empresa. O foco era ter, desde a etapa pré-operacional, toda a regulação de acordo para conseguir jogar o jogo em que a empresa queria entrar. Além dos três fundadores, que são executivos e se dedicam integralmente à companhia, há outros sócios financeiros co-fundadores, que colocaram, juntos, o capital inicial. Depois, a empresa captou com diversas personalidades do mercado financeiro, como pessoas físicas, num total de 31 minoritários. 

Enquanto preparavam a matéria-prima, os sócios desenvolviam a fazenda, que fica em Avaré, interior de São Paulo. Instalaram ali a maior fábrica de ração orgânica do país. Além disso, foram em busca do que havia de mais tecnológico quando o tema é bem-estar animal. Encontraram na Holanda, o que buscavam: a Vencomatic. A companhia é especializada na criação de galinhas de pasto e possui estruturas que desenvolvem os animais, verdadeiros playgrounds. 

Para fazer a encomenda à empresa holandesa, tiveram de ficar ali, junto com os engenheiros da companhia, ao longo de quatro dias adaptando a capacidade dos equipamentos. Parte do time era alemão e não sabia que Barbieri fala e compreende a língua. “Num dado momento, eles comentaram: ‘eles são loucos, querem módulos de 20 mil aves’”, se diverte com a lembrança. Até então, o maior módulo feito pela Vencomatic tinha capacidade para 10 mil galinhas. 

A unidade de Avaré já nasceu pronta para ter ali 700 mil aves de postura. Hoje, Menoita conta que o investimento para 150 mil aves já está todo realizado – e a expectativa é que essa estrutura seja utilizada dentro de dez meses, aproximadamente. Outro diferencial é que a unidade não tem o cheiro característico das granjas tradicionais. “O Marcus tinha uma verdadeira obsessão com isso”, brinca Barbieri. As fezes ficam em tanques abaixo do solo, para onde vão diretamente, sem sequer sujar os ovos. Saem de lá um ano e meio depois, já naturalmente compostadas, prontas para se tornarem biofertilizantes. 

A Raiar hoje

A empresa só chegou ao varejo há cerca de cinco meses. Apesar do pouco tempo ‘oficial’ no mercado, a Raiar nasceu grande, pensada para ser a maior do mundo. Hoje, tem 80 mil aves de postura e deve dobrar esse total antes dos próximos 12 meses. Quando alcançar esse tamanho, será maior que a Fazenda da Toca, projeto de Pedro Paulo Diniz (filho do empresário Abilio Diniz), que tem cerca de 140 mil e é a maior produtora de ovos orgânicos caipiras do Brasil. 

Atualmente, a Raiar tem autorização para vender no Estado de São Paulo e está presente em mais de 200 pontos da cidade em diversas grandes redes. Muitas delas atuam em outros estados, como o Natural da Terra, que é maior no Rio de Janeiro, e a Zaffari, cujo principal mercado está na região Sul. Elas já serão a ponte para esses mercados — a estimativa é que a certificação nacional chegue no começo de 2023. 

Daqui para frente, os sócios afirmam que a expansão do patamar a que vão chegar no fim do ano (as 150 mil galinhas) deve acontecer de forma modular, conforme a reação do mercado. “A velocidade que vamos chegar em nossa capacidade máxima atual vai depender do quanto formos hábeis em mostrar o valor da marca e o diferencial do produto”, diz Menoita. Quando chegarem lá, o que esperam que aconteça nos próximos dois anos, serão os maiores do mundo. E, desde já, namoram fazendas nas quais deverão ser instaladas as próximas unidades, tudo correndo conforme o planejado. 

Dois são os diferenciais evidentes e já provados do ovo orgânico, para além de toda melhoria na cadeia do milho: o sabor e o frescor. Os sócios não acreditam em abastecer o país todo a partir da unidade paulista. Essa será dedicada ao centro-sul da nação. O que eles entendem como possível é a existência, ao longo dos próximos cinco anos, de quatro outras fazendas pelo Brasil, quadruplicando o tamanho. 

Barbieri explica que esse prognóstico parte do pressuposto de que o consumo de ovos orgânicos no Brasil, nos próximos anos, aumentará dos atuais 0,3% para 3% do total – ou seja, sem contar a expansão natural do mercado, significa ficar 10 vezes maior. “Os Estados Unidos saíram de 3% para 8% da fatia do mercado total em cinco anos. Se no Brasil, alcançar 3% em cinco anos, a Raiar poderá ter suas 2,8 milhões de aves (quatro fazendas equivalentes a de Avaré em sua capacidade total) que terá 50% desse mercado.”

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Orgânicos em escala – a transformação

Os cálculos da Raiar não são aleatórios. Podem ser conservadores, mas não aleatórios. O percentual do mercado que os ovos orgânicos podem chegar nos próximos anos parte da parcela da população brasileira com renda disponível para pagar pelos ovos diferenciados, cujo valor pode ser 30% acima do tradicional, vindo das galinhas de gaiolas. 

Atender a esse mercado, da ordem de 5,5 milhões de ovos diários, já dará ao setor uma escala transformacional. Mas, há empurrões que deverão fazer a evolução ser ainda mais rápida. 

Dois movimentos estão ocorrendo silenciosamente, longe da consciência da população. O primeiro é que as grandes patentes de agrotóxicos estão vencendo ou já venceram. Parece bobagem, mas não há. Esse acontecimento faz com que as grandes fabricantes, donas da estrutura para pesquisa e desenvolvimento, não tenham mais interesse nesses produtos, pois não rendem mais royalties multimilionários.

A próxima fronteira de pesquisa e patentes está justamente nos biodefensivos. O segundo é que as grandes redes varejistas, que atuam no Brasil, possuem compromissos internacionais com as gigantes ONGs de bem-estar animal a respeito da origem de seus produtos. Muitas, inclusive, têm compromissos de banir os ovos de galinhas de gaiola, a maior parte do mercado brasileiro, até 2025.

“Falaram para nós que seríamos ‘jantados’ pelos grandes varejistas. Encontramos o oposto. Eles estão super abertos a conversar, pois podemos ser parte da solução do desafio que é atender aos compromissos assumidos”, explica Barbieri. 

Esse chacoalhão deve também ajudar a mudar o setor. No Brasil, só são reguladas as duas pontas extremas dessa cadeia, as galinhas de gaiola — que tomam antibióticos preventivamente, inclusive, e podem ser alimentadas com ração feita a partir de sangue e ossos — e as orgânicas. Tudo que fica no meio, as livres de gaiola e as chamadas apenas de caipira, não têm regramentos específicos e detalhados. Não é impossível, portanto, que em alguns desses casos, as condições animais sejam até piores que as galinhas de gaiola. 

No segmento chamado livre de gaiola, em que todos imaginam aves soltas, pastando, muitas vezes, elas vivem apinhadas em grandes galpões — uma gaiola de grandes proporções. A diferença para as caipiras é que estas deveriam ter algum tipo de acesso à pastagem livre. A questão é que, sem regras específicas, além de piores condições de vida, essas aves podem ser medicadas e até, muitas vezes, comer ração de restos de origem animal processados.

O setor ainda tem uma grande transformação pela frente e, na Raiar, as galinhas definitivamente voam. Sim, o trocadilho irresistível é verdadeiro. Livres para pastar e com playground que desenvolvem suas habilidades, as cercas das fazendas da Raiar precisam ter o dobro da altura das granjas tradicionais. 

O potencial do mercado de orgânicos e a procura por ele fazem com que esse seja apenas o primeiro plano da empresa para tornar os orgânicos cada vez mais populares. De forma clara: os ovos não são a única atividade em que a Raiar quer se manter. Os sócios ainda não esclarecem qual será esse próximo passo, mas destacam que já está em estudo. Ao que parece, os planos da têm ambições bem maiores do que a expressão popular ‘voo de galinha’ pode oferecer. 

Para quem decide. Por quem decide.

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