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Pandemia: Smiles antecipa R$ 300 mi à Gol por ver grupo em risco

Cenário é pior que 2020 devido ao aumento do dólar e do combustível de aviação: sem receita e com custo maior

Aviões em Congonhas (SP): Gol e outras companhias voltam a aumentar número de aeronaves estacionadas (Germano Lüders/Exame)
Aviões em Congonhas (SP): Gol e outras companhias voltam a aumentar número de aeronaves estacionadas (Germano Lüders/Exame)
GV

Graziella Valenti

21 de março de 2021 às 17:47

A Gol vai receber mais uma vez um fôlego de liquidez da controlada Smiles. Agora, serão R$ 300 milhões. Esse total, se soma ao R$ 1,625 bilhão de 2020. A Smiles compra antecipadamente passagens da Gol para entregar aos usuários nas trocas de milhas acumuladas. O uso de pontos para viagens de avião representa 90% das vendas da empresa.

Essa antecipação, sempre que ocorre, desperta atenção dos investidores da Smiles, pois alguns entendem que se trata de uma transferência de recursos. A questão fica mais sensível quando ainda existe estoque de passagens de compras anteriores, como é o caso. E, para completar o quadro, o grupo está no meio da quarta tentativa da Gol de incorporar a Smiles para eliminar ineficiências comerciais e competitivas que julga haver com a estrutura separada.

A documentação de aprovação do negócio pela Smiles e o balanço da empresa no passado apontam, porém, em direção contrária às críticas dos minoritários. Primeiramente, fica evidente que a Smiles está preocupada, e bastante, com a situação do Gol — a maior companhia aérea nacional, com uma fatia de 38% do mercado doméstico.

Os índices de alavancagem da Gol vão explodir no primeiro trimestre deste ano. Ao fim de dezembro, a dívida líquida da companhia era equivalente 5,3 vezes o Ebitda de 2020. Ao fim deste mês, a companhia espera que esse indicador alcance 17 vezes. Motivo? Sai da conta do Ebitda acumulado em 12 meses o único trimestre de relativa normalidade — o primeiro de 2020 — e ficam apenas os meses que foram impactados pela pandemia (de abril de 2020 a março deste ano).

A leitura dos documentos demonstra que a Smiles entende ser importante  manter a saúde financeira da Gol, para todo seu ecossistema funcionar bem. “Sem a companhia aérea, a Smiles poderia existir, mas seria bem menor”, admitem pessoas que conhecem a situação do grupo. Quanto melhor for Gol, com melhores produtos, mais atrativo o programa da Smiles será e mais clientes vai atrair.

As compras de agora replicam as condições negociadas em julho do ano passado, no valor de R$ 1,2 bilhão numa só operação, e seguindo os trâmites de governança do grupo. A operação foi submetida ao comitê de transações com partes relacionadas, formado apenas por membros independentes: André Coji, Edmar Lopes Neto e Leonardo Dutra de Moraes Horta.

“As receitas e atividades da Smiles são diretamente relacionadas à disponibilização de assentos pela Gol.Tal fato tornou-se ainda mais evidente no meio de 2020, quando, como resultado da crise, as atividades da Gol praticamente pararam e, ao mesmo tempo, as receitas da Smiles tiveram sua maior baixa histórica”, diz um trecho do relatório desse grupo de independentes. De acordo com o relatório, “houve consenso no comitê quanto à criticidade da situação financeira da Gol e ao risco ao seu negócio caso ela não tenha acesso a um mínimo de capital de giro no curto prazo e possa, assim, evitar uma deterioração mais aguda de suas operações”.

O EXAME IN apurou que, no ano passado, a Smiles vendeu cerca de 800 mil passagens a mais do que teria comercializado, em função das condições que pôde oferecer com os contratos fechados no ano passado – em especial, o de julho. Para se ter uma ideia de quanto é isso, em anos normais, são vendidas em média 4 milhões de passagens.

Os bilhetes desta compra foram adquiridos com o mesmo desconto negociado no meio do ano passado, da ordem de 11%, sobre as condições antes negociadas, que já garantiam melhor preço para a Smiles.

Junto com as passagens, a Smiles ainda garantiu que a Gol não pode fazer nenhum movimento contra o contrato original entre elas durante todo este ano, mais o fornecimento de um mínimo de passagens promocionais até março de 2024 e ainda ficou combinado que não haverá ajuste de contas neste ano contra a companhia de fidelidade (transfer price).

Pior agora que em 2020

Nos argumentos para a transação, a Smiles aponta que a situação atual, com o novo acirramento da pandemia, é ainda pior para a Gol do que o cenário verificado em julho de 2020. O custo com combustível aumentou cerca de 50%, na soma da valorização do dólar e do petróleo, que determina o preço do querosene de aviação.

No ano passado, a Smiles comprou mais de R$ 1,6 bilhão em passagens da Gol, mais do que o dobro das aquisições realizadas em 2019, quando somaram R$ 740 milhões. Ao mesmo tempo, os dividendos distribuídos, com a queda no lucro, também sofreram forte redução, de R$ 444 milhões para R$ 137 milhões.

A Gol vinha experimentando recuperação progressiva nas vendas de passagens no segundo semestre de 2020. Mas a pior na situação da saúde, voltou a quase paralisar o setor. Após ver uma queda de 18% nas vendas de janeiro, de 28% nas vendas de fevereiro, combinado a aumento do “no show” de passageiros, a Gol decidiu cortar drasticamente a oferta de voos. Atualmente, 65 aviões estão em operação, ante 74 em janeiro, menos da metade da frota total de 128 aeronaves.

Conselheiro independente

Rogério Bimbi, membro independente do conselho da Smiles, que já criticou a relação com a controladora Gol em outros momentos no passado, também votou a favor do negócio de R$ 300 milhões. Na reunião em que o tema foi decidido, os representantes da Gol no colegiado não votaram, nem os próprios controladores, nem Paulo Kakinoff, presidente da empresa aérea.

Bimbi disse ter expectativa de que o saldo de passagens acumulado pela Smiles se reduza ao longo dos próximos meses, mas entende que a piora na pandemia ao longo de 2021 criou uma situação que exige análise “em caráter único, urgente e de exceção”.

Apesar de todas as dificuldades, a Smiles gerou um caixa de quase R$ 1,3 bilhão ao longo de 2020, uma queda de 19,5%. Ao longo do ano passado, a receita diferida, da emissão das milhas, aumentou para R$ 1,57 bilhão, uma alta de quase 35% em relação a 2019.

Contudo, a receita líquida, reconhecida no momento em que os usuários  trocam as milhas por passagens ou outros produtos, caiu de R$ 1,05 bilhão para R$ 573 milhões — o que aponta um elevado acúmulo por parte dos donos das milhas e um potencial de receita futura.

Reestruturação

Na próxima quarta-feira, dia 24, os acionistas da Smiles voltam a se reunir, em segunda convocação, para avaliar a proposta de reestruturação feita pela Gol. A presença de apenas 11% do capital na semana passada (no dia 15) aponta que os investidores estão tão frustrados que não viram espaço sequer para tentar negociar melhores condições no encontro sobre as bases oferecidas.

Resta saber nessa segunda convocação. A Gol já afirmou que não pretende tentar mais uma vez uma reorganização e que pode tentar renegociar o contrato comercial original com a Smiles. Ao fazer a compra desses R$ 300 milhões, a Smiles garantiu que isso não ocorrerá pelo menos neste ano. Mas o futuro, pelo cenário externo e interno, parece cada vez mais imprevisível.

A demora em uma solução, na visão de quem conhece o grupo, é que essa situação está prejudicando ambas as companhias. A Gol, de um lado, insiste em valores que os minoritários da Smiles não aceitam. Esses, por sua vez, não se organizam para definir um montante razoável e, tampouco, se mostram abertos a entender a interdependência dos negócios.

Na bolsa, a Gol está avaliada em R$ 7,6 bilhões e a Smiles, em quase R$ 2,8 bilhões. Para estabelecer a relação de troca de ações entre as companhias, com base em laudos contratados, a Gol se avaliou em R$ 9,625 bilhões e a Smiles, em R$ 2,77 bilhões. Pelas condições propostas, os minoritários da empresa de milhagem podem levar para casa ou 3% das empresas combinadas mais R$ 1,05 bilhão, ou quase 9% das companhias juntas junto pouco menos de R$ 300 milhões, aproximadamente.

 

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