Localiza: financiamento aos acionistas de Unidas rende R$ 220 milhões por ano
Valor considera retorno possível apenas do 1º ano do financiamento, que tem prazo total de cinco
Valor considera retorno possível apenas do 1º ano do financiamento, que tem prazo total de cinco
6 de julho de 2022 às 13:50
O financiamento que a Localiza (RENT3) incluiu na estrutura de compra da Unidas pode ser uma fonte de renda de quase R$ 220 milhões aos acionistas da companhia comprada nos próximos 12 meses. O que era uma estratégia adotada para tornar o negócio mais interessante para os fundadores da Unidas quase se transformou em um benefício particular ou uma espécie de prêmio de controle.
E foi por isso — e pela porta aberta para ideias piores em operações futuras que o modelo poderia deixar de herança — que mobilizou casas como Verde, Atmos, Dynamo e Sharp, entre outras, a levar o caso à Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Para garantir que 100% da base de Unidas tenha o mesmo tratamento.
Quando a Localiza anunciou o negócio, os fundadores da Unidas tinham quase 29% da companhia. Na época, a Unidas foi avaliada em aproximadamente R$ 11,5 bilhões para a transação. O negócio foi feito por meio de uma troca de ações. Ao fim de tudo, 100% dos acionistas da Unidas ficaram com o equivalente a 23% da companhia combinada — os fundadores, juntos, têm uma fatia em torno de 6,5% da nova empresa.
Pelas regras tributárias (que de novas não têm nada), alguns acionistas pagam tributos nessas transações e outros, não. Depende do regime de cada um: se é fundo de investimento, se é investidor estrangeiro, pessoa física, holding, etc. Essas diferenças também existem para distribuição de proventos, por exemplo.
Ciente de que os fundadores da Unidas teriam de enfrentar uma carga tributária, a Localiza entendeu por bem fornecer um financiamento para essa demanda. Dessa forma, esses sócios não precisariam vender parte dos papéis para lidar com a necessidade de pagamento. Colocou na mesa, então: até 20% da posição de cada acionista poderia ser dada como garantia para um empréstimo de cinco anos, ao custo de 3,5% ao ano, fornecido pela Localiza.
Apesar de inusitada, a saída parecia inteligente. E era. Não fosse o país, o Brasil. A taxa de juros saiu de 2% para 13,25% entre o anúncio e o fechamento da operação. O único detalhe aqui é que nem Localiza, nem Unidas em momento algum explicaram que esse era o contexto do financiamento.
Além do financiamento, também já ficou combinado na largada, que os acionistas da Unidas receberiam o equivalente a R$ 425 milhões em dividendos no fechamento da transação. Já são duas, portanto, as fontes de liquidez garantida aos acionistas da Unidas.
Com a mudança no cenário macroeconômico, o que era para ser uma estratégia na estrutura de uma aquisição, se tornou um componente de preço. Se considerar que os acionistas podem acessar recursos a 3,5% e aplicar, sem risco, a 13,25%, trata-se de um retorno de quase 10%.
Em dinheiro, esse raciocínio equivale a pouco menos de R$ 0,45 por ação de Unidas — e isso só para o primeiro ano, onde sabe-se que a Selic deve continuar no atual patamar, ou até um pouco mais alta. O financiamento tem duração de cinco anos. Esse valor considera o total de rentabilidade que o financiamento representa para 100% da base de Unidas dividida pela quantidade total de papéis.
Quando os fundos de investimentos domésticos foram solicitar o financiamento, na semana passada, ouviram da companhia que não poderiam porque a legislação de fundos não permite que tomem empréstimos. Um conjunto de gestoras foi, então, à CVM pedir dispensa dessa regra para poderem acessar essa parte da operação, por entenderem que era um componente de preço — em especial, na atual conjuntura de taxa de juros.
A Localiza tentou evitar. Argumentou à xerife de mercado que se tivesse de fornecer o crédito a todos precisaria de mais de R$ 2 bilhões, quando havia estimado R$ 800 milhões como necessidade para essa parte da transação. E chegou a falar que, se obrigada a isso, seus acionistas seriam prejudicados e a operação (mesmo já concretizada) estaria em risco. Desde 1º julho, as companhias já se tornaram uma só na B3.
Contudo, os escritórios de advocacia contratados pelos fundos, Trindade Advogados e Yazbek Advogados, argumentaram ao regulador que o financiamento é um componente do preço. Não poderia, portanto, estar aberto apenas a uma parte dos acionistas de Unidas. E mais: eles apontaram que o laudo de avaliação fornecido aos acionistas, como parte dos documentos para aprovação da compra em assembleia, incluía na base de cálculo o pagamento do financiamento para 100% da base de Unidas. A CVM chancelou a interpretação.
Até o momento, a Localiza ainda não divulgou nenhum comunicado ao mercado. A CVM publicou hoje o informativo sobre a reunião do colegiado de ontem, em que a decisão foi tomada. A ata do encontro, contudo, tem prazo de até 30 dias para ser colocada no site do regulador. No mercado, o assunto gerou preocupação e se tornou tema recorrente de conversas.
"Imagine, por exemplo, se em uma outra transação, em uma outra incorporação de ações, o comprador resolve dar um financiamento aos controladores da empresa adquirida a custo zero? Se isso não ficasse claro agora com o debate na CVM, seria abrir a porta para situações de prêmio de controle ou benefício particular disfarçados", disse um gestor de investimento. Nesse cenário, o que a Localiza pensou apenas como algo para facilitar a vida dos acionistas da Unidas poderia se transformar em um saquinho (sem fundo) de maldade para transferência de riqueza.
Seu feedback é muito importante para construir uma EXAME cada vez melhor.
Li e concordo com os Termos de Uso e Política de Privacidade