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‘Habemus plano’: credores de Americanas se unem em busca de solução para R$ 36 bi

Passada frustração inicial, instituições se organizam em torno do que é necessário arrumar, além de mais dinheiro

Americanas: se é para serem sócios, bancos esperam aporte que faça empresa sobreviver e não apenas apagar incêndio (Nito 100/Thinkstock)
Americanas: se é para serem sócios, bancos esperam aporte que faça empresa sobreviver e não apenas apagar incêndio (Nito 100/Thinkstock)
Graziella Valenti

Graziella Valenti

17 de fevereiro de 2023 às 20:21

Nada de carnaval para os credores de Americanas (AMER3). Os principais bancos se reuniram nesta sexta-feira, dia 17, para depurar as mensagens da reunião de ontem, na qual uma primeira proposta de plano de recuperação foi apresentada pela companhia e seus controladores, Beto Sicupira, Jorge Paulo Lemann e Marcel Telles. Hoje foi um encontro só de credores. O entendimento, passada a frustração com o valor de R$ 7 bilhões que seria colocado pelo trio, é que ao menos existe uma negociação de fato em andamento. Já é um avanço em relação ao escuro absoluto dos últimos quase 40 dias, desde que o problema veio à tona e levou a Americanas a um processo de recuperação judicial com R$ 36 bilhões em dívidas financeiras, com bancos e detentores de títulos emitidos no exterior e no Brasil.

Os bancos se juntaram para entender o que pode haver de ajustes no modelo do plano sugerido, para além de um aumento no compromisso financeiro do trio de sócios. O objetivo é tentar fazer com que tudo avance, e rapidamente, inclusive ao longo do Carnaval, pois a demora só deteriora o negócio da Americanas. A percepção, passado o clima de estresse inicial, é que a estrutura sugerida pode funcionar com algumas ‘correções’.

O primeiro e mais óbvio ajuste é o aumento do comprometimento de recursos de Sicupira, Lemann e Telles. Os credores falam em R$ 13 bilhões. Do lado dos sócios, tem gente dizendo que o diálogo já estaria em torno de R$ 10 bilhões. O número final vai ser fruto de um cabo de guerra negocial. Mas, pelo visto, os R$ 7 bilhões estão (quase) no passado.

Os bancos já entenderam que vão ser sócios da Americanas, e relevantes, ao fim do processo. É quase inevitável que parte importante da dívida tenha que ser trocada por capital. Essa é uma das formas de fazer um “haircut”, no jargão do mercado, ou um desconto sobre o total devido. Por isso, defendem que o aporte do trio seja maior para que a empresa tenha realmente caixa para sobreviver, e não apenas um dinheiro que apague o incêndio.

O que foi posto na mesa ontem, em detalhes? Os sócios colocam R$ 7 bilhões em aumento de capital na companhia, dos quais R$ 6 bilhões são dinheiro novo porque é preciso abater desse total um empréstimo que o trio já fez no valor de R$ 1 bilhão — o dinheiro caiu no caixa da empresa no dia 13.

A Americanas sairia ‘do lá de lá’ da recuperação judicial com R$ 6 bilhões em dívida. Como R$ 36 bilhões viram R$ 6 bilhões, é o que o leitor deve estar se perguntando. Às contas, portanto. Da dívida total, R$ 12 bilhões em valor de face seriam recomprados pela empresa com um desconto importante em um leilão reverso (explicado mais à frente na matéria), mais R$ 8,5 bilhões seriam convertidos em ações (anulados como dívida, portanto) e R$ 9,5 bilhões seriam renegociados em uma dívida subordinada de longo prazo, sobre a qual incidem juros que são acruados (acumulados) sobre o principal, sem pesar como despesa financeira ao longo de sua duração.

Sobrariam então R$ 6 bilhões em dívida financeira tradicional e para a qual a empresa ainda conta(ria) com os recursos que os bancos bloquearam ou compensaram em aplicações que hoje não estão acessíveis.

O que os bancos querem?

Caixa. Se é para serem sócios da Americanas, o que parece inevitável, é necessária uma companhia que tenha um mínimo de chance de sobreviver. Quando credores aceitam trocar dívida por ações significa que, na prática, só recuperam seus créditos (ainda que apenas parcialmente) se a o negócio tiver futuro, lucro futuro possível. O entendimento dos credores é que a Americanas é uma companhia com uma capacidade anual de geração de caixa da ordem de R$ 2 bilhões. Assim, precisa ter compromissos compatíveis com essa realidade. Um cheque maior dos sócios é, portanto, onde desaguam todos os rios.

Pingo. Mais um jargão financeiro. Os bancos entendem que, para ajudar no clima da negociação, manter a praxe de situações desse tipo, de quitar à vista entre 10% e 5% dos compromissos, é essencial. Nesse caso, trata-se de algo entre R$ 1,8 bilhão e R$ 3,6 bilhões.

Controle acionário. No diálogo, ainda que não tenha sido no melhor clima possível, os credores todos entenderam que o trio não quer sair dessa recuperação dono absoluto do capital da Americanas. Na prática, esse seria o resultado prático de aumentar o valor do aporte. A solução para isso é permitir que os controladores também coloquem dinheiro novo na forma de dívida subordinada – e não apenas na forma de capital, com a compra de ações. Para o trio, isso deveria ser novidade boa em dose dupla, a chance de recuperação do dinheiro aumenta na forma de dívida e a concentração de sua participação no capital não aumenta. Como contrapartida, os bancos entendem que até poderia haver espaço para aumentar o valor da conversão de dívida em capital – o que ajudaria a levar a companhia a sair de todo esse escândalo com mais caixa.

Leilão reverso. A recompra de R$ 12 bilhões em dívidas (valor de face) proposta pela Americanas por meio de um leilão reverso causou incômodo ontem. Hoje, pareceu mais razoável. Esse leilão seria assim: a companhia fala quanto tem em dinheiro para recomprar dívida. Quem oferecer o maior desconto sobre o valor de face entra na frente. E assim segue até que o copo fique cheio no total disponível para a operação. Esse desenho pode ser especialmente bom para credores que, seja em cotas de fundos ou balanços de resultados, já deram baixa em todo valor do crédito. Ou seja, aqueles para os quais a recompra, qualquer que seja o valor, seria lucro mesmo com desconto relevante.

Será o brilho do Carnaval ou uma luz no fim do túnel?

No “day after”, na véspera de Carnaval, surgiu enfim a primeira luz no fim do túnel. A primeira sensação de que pode haver solução. A distância entre o valor que os sócios ofereceram e a que os credores julgam apropriada ainda é grande, mas é a primeira vez que um plano com diálogo realmente se apresenta.

Fofoca

O irresistível desses eventos são os pormenores, ainda que não sejam eles que solucionem tudo. A irritação de ontem veio de dois fatos principais. O primeiro, é claro, a frustração com o valor que os sócios ofereceram para colocar na empresa. Afinal, é a mesma coisa que foi falada nas primeiras conversas. O segundo motivo é que foram convocados para o encontro os CEOs dos bancos credores. Portanto, 8h30 da manhã, estavam todos a postos, ansiosos, crentes de que era o “Dia D”. A solução viria, finalmente. Quando tudo começou com mais do mesmo, os R$ 6 bilhões, R$ 7 bilhões falados na primeira semana, o sangue dos presentes, naturalmente, ferveu.

Nem mesmo uma tentativa de Roberto Thompson, sócio do trio desde os tempos de GP Investimentos e membro do comitê financeiro de Americanas, de fazer um quase ‘mea culpa’ a respeito da demora de uma proposta pôde abaixar a temperatura ontem. Só mesmo uma noite ‘dormida’ sobre o problema é que colocou todos em termos brandos. Mas, que fique claro, eles duram tanto quanto for perceptível que o trio pode colocar mais recursos.

É o começo. A coisa boa é que existe consciência de que o meio precisa ser rápido, para que o fim seja menos trágico do que já é.

 

 

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Graziella Valenti

Graziella Valenti

Editora Exame IN

Criadora do EXAME IN, espaço dedicado à cobertura de negócios, com foco em mercado de capitais. Na EXAME desde março de 2020, ficou 13 anos no Valor Econômico, oito como repórter especial, sete anos na Broadcast, do Grupo Estado.