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Gol: fusão foi aprovada por mais de 80% dos minoritários de Smiles

Assembleia de Smiles passou de raspão no mínimo pedido pela lei para incorporação, mas com vasta aprovação de investidores presentes ao encontro

Decolagem do Boeing Max 737 da Gol: pandemia aumentou urgência e importância de fusão com Smiles
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GV

25 de março de 2021 às 15:34

Depois de tanto aperto e tumulto, a proposta da Gol para incorporar a Smiles foi aprovada pelos investidores praticamente de lavada. Pode até não parecer para quem olha rapidamente os dados do encontro, mas uma análise mais detalhada aponta que o resultado foi surpreendentemente positivo. A partir de agora, as companhias serão unificadas.

A Gol está avaliada em R$ 7,2 bilhões na B3 e a Smiles, em R$ 3,1 bilhões. Mas aqui também a matemática não é óbvia. Portanto, não se trata de uma simples soma dos valores de mercado. Assim como não é adição linear de receitas ou de Ebitda. O efeito sobre geração de caixa é, inclusive, maior do que parece, pois vem acompanhado de sinergias fiscais.

O dado rápido mostra que 51,5% dos minoritários da Smiles aprovaram a incorporação depois que a Gol melhorou as condições e avaliou a ação da companhia de fidelidade em R$ 27 – ante R$ 22,32 da proposta anunciada em dezembro do ano passado e atualizada em fevereiro. O aumento foi, portanto, perto de 21%.

Parece uma aprovação de raspão, uma vez que a transação dependia de aval da maioria das ações em circulação no mercado. E é. Mas não é apenas isso.

A assembleia contou com a presença de 63% do capital da Smiles disperso em bolsa — ou seja, desconsiderando a fatia da Gol, como controladora. Então, o resultado significa que houve mais de 5 votos positivos para cada não — precisamente, 5,22. Dos presentes, quase 82% foram a favor, 15,7% foram contra e 2,7% se abstiveram. Para o barulho existente, o saldo foi para lá de positivo para o grupo e as discussões sobre governança. Embora, o histórico "machucado" do mercado sempre fique, após uma transação tão arrastada.

O drama de passar essa incorporação ia além das críticas dos minoritários da Smiles, insatisfeitos com o preço. A base de acionistas da empresa não era simples de ser trabalhada. A companhia tem 15% do capital em circulação nas mãos do varejo e outros 15% com investidores institucionais, mas de fundos passivos. São dois tipos de investidores que classicamente não aparecem para votar.  Portanto, havia um espaço entre 50% e 70% do capital em circulação para ser trabalhado e sem uma grande concentração.

Conforme o EXAME IN apurou, o trabalho com a base de Smiles para abrir espaço para uma negociação e construir um grupo de investidores dispostos a dialogar — ainda que não de forma organizada — começou há cerca de três semanas. Entre os investidores estrangeiros, o destaque foi para a gestora Contrarian e, entre as casas locais, a Moat, segundo pessoas próximas ao negócio. Ambos têm participações importantes na empresa, mas insuficientes para resolverem de uma vez por todas com uma conversa direta. Por isso, foi necessário ainda juntar outras assets, em geral, nacionais.

O debate também só melhorou porque nos últimos meses entraram na base acionária dois tipos de investidores: alguns acionistas da Gol, dispostos a indiretamente ampliar sua participação no grupo, e movimentos de apostas em eventos societários com profissionais experientes nesse tipo de conversa (o que facilitou).

De lá para cá, a Gol teve não apenas que mostrar espaço para ampliar a proposta, mas também fazer a gestão estratégica dos movimentos. Com recursos contados, o aumento do valor não poderia ser feito muito antes da data da assembleia para evitar que uma rotação na base de investidores pudesse colocar, mais uma vez, a transação em risco.

Essa era a quarta tentativa de incorporação da Smiles e, desde outubro de 2018, quando foi anunciada a primeira operação, as tensões entre a companhia aérea e os minoritários da empresa de fidelidade só aumentaram. Ficou ainda pior porque, no meio do caminho, enquanto o grupo não conseguia unificar os negócios, a Smiles antecipou um total de quase R$ 2 bilhões em compra de passagens da Gol, como uma forma de proteger a liquidez da grave crise causada no setor pela pandemia. A última transação anunciada, inclusive, tem poucos dias, no valor de R$ 300 milhões.

Os lances da negociação lembraram um pouco a movimentação de outra assembleia concorrida da temporada pandêmica, a da Linx sobre a aprovação da incorporação pela Stone. Houve um aumento de preço esperançoso próximo ao encontro e outro no próprio dia das assembleias.

No caso de Smiles, na etapa intermediária, estava garantido aval de 25% do capital em circulação — conforme anunciado ao mercado — para um preço ampliado a R$ 26,14. Só ontem veio o movimento final e o valor de R$ 27 foi alcançado. Já no primeiro aumento, havia fundos estrangeiros dispostos a apoiar, mas com a documentação bagunçada para conseguir se apresentar no encontro de ontem, dia 25.

Não é de se estranhar as semelhanças: ambos os processos de negociação foram conduzidos pelo BTG Pactual (do mesmo bloco de controle da EXAME), dedicado a fazer a ponte e o diálogo com investidores, ao lado de Stone e Gol.

Na noite da véspera da assembleia, foi incluído no bloco de negociação o grupo organizado pela Esh Capital, antiga Samba, e foi possível alcançar o percentual mínimo necessário. A gestora, além de ter ido à Justiça, à Câmara Arbitral (para colocar em xeque as antecipações de compra de passagens), também chegou a fazer uma tentativa de guerra de procurações — queria organizar votos contrários. No fim, após a elevação dos preços, saiu satisfeita da transação.

O que fazer agora

Pela proposta final da Gol, o acionista de Smiles pode escolher para receber de duas formas: 0,6601 ação da Gol mais R$ 9,14 ou 0,1650 mais R$ 22,54. O aumento do valor oferecido foi essencialmente concentrado na fatia em dinheiro, que antes poderia ser R$ 4,46 ou R$ 17,86, respectivamente.

Caso prevaleça como opção dos minoritários receber 80% em dinheiro, o custo para a Gol pode superar R$ 1,3 bilhão, ante R$ 1,05 bilhão anteriormente. Nesse cenário, esses investidores ficam com cerca de 3% da companhia combinada, além do dinheiro.

Na possibilidade em que os investidores preferirem receber mais em ações da Gol e 20% em dinheiro, eles assumem aproximadamente 9% da empresa resultante e ainda um saldo de R$ 530 milhões. Para que esse caso faça mais sentido econômico para o minoritário de Smiles, é preciso que na hora da escolha da opção — o que só deve ocorrer dentro de aproximadamente 60 dias —  a ação da Gol esteja acima de R$ 27,05 (há pouco estava pouco mais de R$ 20,70).

Para o grupo, pagar mais em ações seria o cenário de ouro, pois ainda restaria para incorporar perto de R$ 500 milhões líquidos do caixa vindo de Smiles. No outro cenário, tudo que vier será gasto na largada. O cenário é para lá de difícil de prever. O setor de aviação têm sito um dos mais volatéis desde o início da crise sanitária com o novo coronavírus, e certamente um dos mais afetados.

A ação da Gol, que deveria se destacar no pregão desta quarta-feira, diante de vitória tão aguardada, passou a maior parte do pregão em baixa e no fim do dia virou para uma alta tímida de 0,6% — em um dia bom para o setor, com alta de quase 1,9% de Azul e valorizações de 4,4% das ações da American Airlines e de 3,0% dos papéis da Delta. Não são pouco os que atribuem esse desempenho a um desconto de governança do grupo.

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