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A democracia falhou para as mulheres?

Livro de Drude Dahlerup, professora da Universidade de Estocolmo e estudiosa dos direitos femininos, fala sobre o avanço das mulheres no poder

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Angela Merkel: esta é a menor leitura para os conservadores na pesquisa desde outubro de 2011 (Stefanie Loos/Reuters)

Angela Merkel: esta é a menor leitura para os conservadores na pesquisa desde outubro de 2011 (Stefanie Loos/Reuters)

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David Cohen

Publicado em 14 de outubro de 2017 às, 08h33.

Última atualização em 14 de outubro de 2017 às, 09h07.

Até pouco tempo atrás, dizer que uma mulher se dedicava à vida pública era um xingamento. A vida pública feminina era o bordel. O mundo parece estar mudando, desde a tímida permissão para as mulheres guiarem seus carros na Arábia Saudita até a confirmação de Angela Merkel como a governante mais longeva da Alemanha, nessas últimas eleições. Mas muda muito lentamente.

É isso o que mostra o livro Has Democracy Failed Women? (“A democracia falhou para as mulheres?”, numa tradução livre), de Drude Dahlerup, professora de ciência política da Universidade de Estocolmo e estudiosa dos direitos femininos.

Para os pessimistas, a leitura é um certo alento. O mundo já foi bem pior. Quer exemplos? No Brasil, há meio século uma mulher tinha que pedir permissão ao pai ou ao marido para abrir uma empresa. Até o século 20, as mulheres de nenhum país tinham o direito de votar.

Quando a pílula anticoncepcional foi inventada, logo se tornou uma arma de independência feminina. Pois a pílula levou 39 anos para ser liberada no Japão (em comparação, quando o Viagra foi lançado, poucos meses depois já era vendido no mercado japonês).

Para os otimistas, porém, o livro de Drude é uma ducha de água fria. Mesmo em movimentos de luta pela liberdade, como a Primavera Árabe, mulheres eram atacadas nas praças onde ocorriam os protestos. As mulheres avançaram em representação política em todos os países – mas são raríssimos aqueles em que elas chegam à paridade. E há, é claro, questões muito mais básicas: os índices de violência contra a mulher não cedem; os limites impostos ao desenvolvimento intelectual das meninas; a supressão de oportunidades.

Não se trata de saber se o copo está meio cheio ou meio vazio. A questão é entender por que o copo das mulheres é menor.

Avanço. Lento.

Pode-se considerar um país democrático se as mulheres são excluídas dos órgãos que tomam decisões? A resposta é óbvia nos extremos: a Arábia Saudita não é uma democracia. Mas mesmo as agências e instituições que promovem os direitos humanos não dão a devida ênfase à representação dos gêneros.

O índice de democracia da Economist Intelligence Unit, da revista Economist, tem 60 questões para avaliar o grau de democracia – apenas um tem algo a ver com a situação das mulheres (o número de mulheres no Parlamento). O índice da organização Freedom House não tem indicadores da representação política feminina na parte de direitos políticos, apenas inclui “oportunidades iguais para todos, incluindo mulheres e minorias” em sua seção de direitos civis.

A despeito disso, o avanço ocorre. Hoje, somente 35 países têm menos de 10% de mulheres nas assembleias legislativas. Há 20 anos, eram 109.

No final dos anos 90, só cinco países tinham mais de 30% de mulheres nos parlamentos. Hoje, são mais de 50. Mas em nenhum deles isso aconteceu sem pressão, especialmente na forma de cotas estabelecidas por lei.

A discussão das cotas não é simples. Há feministas que as rejeitam, por considerar que as mulheres que entram nos postos por meio delas são menosprezadas. E há o argumento liberal de que as cotas representam uma distribuição injusta de oportunidades.

Para Drude, a ação afirmativa deveria ser justificada como uma tentativa de corrigir privilégios incrustados. Mais do que adotá-la, é preciso adotá-la corretamente – por dentro dos partidos, que costumam ser controladores da entrada de pessoas na vida política.

A questão das cotas é controversa não apenas na política, e não apenas para mulheres. Não porque quem é contra se recuse a enxergar uma situação injusta, mas porque há dois valores em disputa.

De um lado, você quer que o ocupante de um posto – o médico local, por exemplo – seja o mais competente, não importa se é branco, negro, homossexual, mulher. Sob esse aspecto, pode até ser justo ter um sistema de cotas do ponto de vista do cargo a ser ocupado, mas seria injusto para com os beneficiários desse serviço.

De outro lado, dado o preconceito recorrente, a escolha de um candidato pela cota poderia abrir caminho para que, no futuro, uma gama de pessoas maior viesse a concorrer pelo posto – o que elevaria a competência média.

O problema é que esse futuro está demorando a chegar. Na política, como nos negócios, parece haver mais barreiras dos que as que comumente vemos: o preconceito velado, os clubes masculinos que dificultam o networking para mulheres, a preferência inconsciente que faz com que um líder tome um homem, e não uma mulher, como protegido.

Há ainda questões que Drude esboça, mas não chega a aprofundar. Será que as mulheres querem ocupar os espaços políticos com tanta gana quanto os homens?

Uma expressão corrente entre as feministas é que os postos que as mulheres ocupam são drenados de poder. O poder sai, a mulher entra, dizem. Ou, numa segunda versão: a mulher entra, o poder sai.

A mesma pergunta vale para os negócios. Ela pode ser perversa: atribuir ao objeto do preconceito a responsabilidade pela sua exclusão.

Mas talvez a resposta seja outra pergunta: o que faria as mulheres terem menos vontade de comandar que os homens? Já se sabe que há uma correlação positiva entre o número de mulheres no poder e o decréscimo em corrupção e a melhora na gestão.

É do interesse de todos que haja ambientes mais convidativos à participação das mulheres. Mas esse talvez nem seja o principal argumento em prol da igualdade. É apenas uma questão básica de justiça.

Serviço

Has Democracy Failed Women? (“A democracia falhou para as mulheres?”, numa tradução livre)

Autora: Drude Dahlerup

Selo: Polity Press

144 páginas

Preço: US$ 12,95

 

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