Esfera Brasil

Um conteúdo Esfera Brasil

Garantir a sustentabilidade do setor elétrico é desenvolver o Brasil

Ao assegurarmos maior espaço de investimentos em modernização, podemos aproveitar as potencialidades da economia verde e da transição energética

Setor elétrico brasileiro é pilar fundamental da soberania, economia e da melhoria de indicadores sociais (Jesus Hellin/Europa Press/Getty Images)

Setor elétrico brasileiro é pilar fundamental da soberania, economia e da melhoria de indicadores sociais (Jesus Hellin/Europa Press/Getty Images)

Esfera Brasil
Esfera Brasil

Plataforma de conteúdo

Publicado em 11 de janeiro de 2024 às 18h06.

Última atualização em 11 de janeiro de 2024 às 18h19.

Por Wagner Ferreira* 

Temos uma grande expectativa de prosperidade quando percebemos o extraordinário potencial de desenvolvimento econômico do Brasil ao falarmos sobre as oportunidades trazidas pela transição energética e pela economia verde — pauta prioritária nas falas e nas agendas do governo e do Congresso Nacional. 

O setor elétrico brasileiro, pilar fundamental da soberania, da economia e para a melhoria de indicadores sociais, é um componente estratégico absolutamente transversal em todos os setores da economia e da sociedade que precisa entrar na equação das agendas climáticas

O momento é oportuno ao debate, pois estamos vivendo consequências gravosas, cada vez mais constantes, deixadas pelas alterações climáticas. Isso exige um repensar do atual sistema e da própria tarifa aplicada, para ampliar a capacidade de investimento, atualização e resiliência da infraestrutura elétrica. 

Vamos raciocinar juntos: ao longo dos anos, pressionado pela globalização, tecnologia e agendas ambientais, o setor elétrico tem sofrido mutações aceleradas. Não à toa, é urgente que haja um compromisso dos Três Poderes pela sustentabilidade dessa força motriz.  

O custo da energia é uma das chaves do desenvolvimento. A segurança eletroenergética também. Um país soberano e fortalecido não pode abrir mão de sua missão na formulação e implementação de políticas que visem assegurar o adequado planejamento e funcionamento da energia elétrica em seu território. 

Veja também: ‘O Brasil é importante para a transição energética e ecológica do mundo’, diz diretora do BNDES 

‘A indústria brasileira pode se tornar um ator significativo na economia de baixo carbono’, diz CNI 

Leia mais conteúdos na versão digital da Revista Esfera 

É preciso compreender o que a transição energética impõe: geração limpa de energia, redução de emissão de gases, novos investimentos em ativos estratégicos, comercialização de certificados para o Brasil e exterior, créditos de carbono e, com isso, uma série de investimentos, oportunidades, atividades empresariais e negócios. E, obviamente, a segurança elétrica por meio de infraestrutura é fundamental para isso. 

Não custa lembrar que a matriz elétrica brasileira já é majoritariamente limpa, renovável, ou seja, exemplar para o mundo, beirando os 90% de fontes limpas — o dobro da média mundial —, o que nos posiciona em uma condição mais estratégica que a da maioria dos países e nos permite escolher melhor as nossas políticas sob a óptica dos impactos positivos ao nosso desenvolvimento.  

Recentemente, o Brasil tomou decisões que acabaram impactando sobremaneira a conta de luz dos brasileiros e, ainda, trazendo riscos operacionais ao funcionamento do setor. Nesse sentido, duas questões são vitais. 

A primeira é a segurança que as fontes de energia (água, sol, vento, gás, carvão, nuclear, biomassa, entre outras) devem garantir ao sistema elétrico, já que naturalmente a segurança energética não advém de uma única fonte de energia, mas de um mix de fontes que asseguram energia 24 horas para a matriz. 

A segunda é o custo dessa energia para o conjunto de consumidores. O ideal é que esses custos sistêmicos sejam rateados isonomicamente entre todos os usuários do serviço — o que não ocorre hoje. Em geral, o mais pobre paga pelo benefício do mais rico. Isso está errado e colabora para o colapso do sistema elétrico do ponto de vista da sua financiabilidade. O resultado? Reajustes de tarifas na ordem de 20% a 40%, por exemplo.  

Um sistema elétrico muito ancorado em energia intermitente, como a eólica ou a solar, pode gerar consequências no funcionamento e na operação interligada nacional, levando a graves instabilidades e a custos excessivos. Um sistema verdadeiramente seguro entrega soberania, prosperidade, competitividade e desenvolvimento.  

Há sinais emitidos pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) que indicam risco sistêmico em função do crescimento abrupto na matriz por geração solar fora do planejamento setorial, o que tem sido objeto de uma série de iniciativas operacionais para buscar reduzir esse risco — que custam, claro, aos consumidores e, portanto, à sociedade. 

É preciso, para toda e qualquer política que envolva energia, avaliar as questões relacionadas à infraestrutura, à segurança do funcionamento do sistema e ao conjunto de custos aos consumidores. Isso, a rigor, não vem sendo feito adequadamente. 

Outras questões relevantes na sustentabilidade do serviço de energia elétrica brasileira são a alta carga tributária, os exagerados encargos setoriais e o furto endêmico de energia. 

A tributação no setor elétrico é a primeira delas: 30% de sua conta de luz é resultado de tributação de diferentes espécies.  

Objetivamente, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45/2019 traz alguns avanços modestos, mas positivos, a esse bem essencial e pode resultar em uma eficiência tributária total na ordem de 20% de redução, considerando o atual modelo. Se isso de fato acontecer, teremos um aumento de cerca de 1% ao ano no Produto Interno Bruto (PIB) só em função dessa diminuição, conforme estudos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Contudo, ainda temos um conjunto de leis a serem editadas e uma transição de uma década para sentirmos na prática a efetividade da mudança. 

A segunda questão principal tem relação com os encargos setoriais. Destaque para a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), que, crescente a cada ano, já alcança 20% da conta de luz e equivale a R$ 37 bilhões do bolso dos consumidores — valor que pode chegar a R$ 50 bilhões nos próximos dois ou três anos. A CDE afeta especialmente os mais carentes, porque quem pode migrar para o mercado livre ou instalar um painel solar tem descontos de até 100% nesses encargos.  

A terceira e última questão tem relação com o furto de energia, que já soma mais de R$ 10 bilhões ao ano. Prejudica os consumidores que pagam adequadamente as suas contas e os estados que não arrecadam, também ceifa a vida de pessoas pela clandestinidade e gera consequências desastrosas para a sociedade.  

O furto de energia é um problema que vai muito além do setor elétrico e tem tido pouco espaço e engajamento nas instituições que devem enfrentar e coibir esse tipo de delito. 

O Judiciário tende a olhar o tema sob a ótica consumerista, as polícias normalmente não têm estrutura adequada para enfrentar esse crime, o Legislativo não discute o assunto sistemicamente, os órgãos de proteção a consumidores estão pouco engajados no dever de informá-los sobre direitos e deveres e, principalmente, é transversal a tudo: a ausência de políticas de Estado nas três dimensões do Poder. 

Sem uma política pública urgente, firme e estruturada de orientação, prevenção e repressão — como se fez com a clandestinidade há uma década —, muito dificilmente teremos êxito no combate ao furto de energia no País, e esse problema vai engolir nossa segurança energética, nossa competitividade e nossa prosperidade.  

*É diretor jurídico e institucional da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee). Também é membro do Conselho Fiscal do Fórum de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Setor Elétrico e integrante do Comitê de Energia da Câmara de Mediação e Arbitragem Empresarial Brasil (Camarb) 

Acompanhe tudo sobre:EletricidadeEnergia elétrica

Mais de Esfera Brasil

O conceito de massa salarial e como ela influencia a economia brasileira

Poeira dos incêndios afeta produção de energia solar, e AES recorre a drones e robôs

Por que a crise na Venezuela parece não ter fim

Por que as guardas municipais estão no centro das campanhas às prefeituras