Economia

'Vamos ganhar a Champions dos contratos no Brasil', diz empresário sobre investimentos chineses

Em reunião, ministro do governo Lula provocou empresários espanhóis a ampliarem investimentos em infraestrutura no país

Antonio Garamendi, presidente da CEOE (Redes Sociais/Reprodução)

Antonio Garamendi, presidente da CEOE (Redes Sociais/Reprodução)

Estadão Conteúdo
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Agência de notícias

Publicado em 13 de março de 2024 às 18h44.

Última atualização em 13 de março de 2024 às 19h03.

O governo Luiz Inácio Lula da Silva usou a expansão econômica e financeira da China no Brasil para provocar empresários espanhóis a ampliarem investimentos em infraestrutura no país. A mensagem foi repassada de forma direta a executivos de grandes multinacionais espanholas, durante reunião com ministros de Lula inclusive o vice-presidente Geraldo Alckmin, titular da pasta do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços.

Os empresários, por sua vez, pediram previsibilidade ao governo, que planeja rever contratos do setor elétrico, e afirmaram que pretendem ampliar negócios no país.

O presidente Lula, seu vice e sete ministros receberam a comitiva empresarial da Espanha, durante a visita oficial do premiê Pedro Sánchez. Ele viajou a Brasília e a São Paulo nos dias 6 e 7 de março. A viagem foi marcada como forma de promover negócios e estreitar discussões políticas. O Estadão teve acesso a detalhes da reunião ampliada, ocorrida na quarta-feira passada no Salão Oeste do Palácio do Planalto.

"Os chineses começam a pisar no calcanhar de vocês", disse o ministro da Casa Civil, Rui Costa, ao apresentar oportunidades de investimento do novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), citando também o maior apetite de empresas da Itália. "É preciso manter o ritmo, para que vocês continuem mantendo a liderança nos investimentos de energia aqui no Brasil."

Rui Costa disse que a provocação era uma forma de "estimular" os empresários e autoridades governamentais espanholas presentes à reunião. A declaração ocorreu antes da chegada de Lula e Pedro Sánchez à mesa. Ele afirmou ver "caminho aberto" para maior atração dos espanhóis nas próximas concorrências, parcerias público-privadas e leilões.

De um lado, estava a delegação espanhola com 18 executivos de empresas, como Santander, CAF, Telefônica, Neoenergia, entre outras (veja a lista abaixo). Do outro, o primeiro escalão do governo brasileiro: Alexandre Silveira (Minas e Energia), Juscelino Filho (Comunicações), Renan Filho (Transportes), Carlos Fávaro (Agricultura), Nísia Trindade (Saúde) e Paulo Pimenta (Comunicação Social).

Javier Martínez Ojinaga, CEO da CAF, respondeu ao ministro da Casa Civil. Ele disse que as empresas representadas à mesa tinham, em geral, mais de 25 anos de atuação no Brasil e demonstravam "compromisso" com o país, por meio da qualidade do serviço prestado.

"É verdade, como dizia o ministro, que existem concorrentes que nos seguem de perto, mas creio que podemos provar a qualidade de nosso trabalho e o compromisso com o país, como prova a nossa presença histórica aqui e o conjunto de investimentos para os próximos anos", afirmou Ojinaga.

O executivo disse que existe um ciclo virtuoso de crescimento no Brasil com o novo PAC, o plano de reindustrialização e as reformas estruturais. "Nós, como CAF, como fabricantes de produtos e soluções de mobilidade, nos sentimos plenamente capacitados para fazer frente a esses projetos e a esse gênero de mobilidade sustentável", disse Ojinaga.

"Estamos preparados para ganhar a Champions dos contratos no Brasil", rebateu Antonio Garamendi, presidente da Confederação Espanhola de Organizações Empresariais (CEOE). Ele falou em nome dos empresários espanhóis presentes e fez a analogia futebolística com o mais prestigiado torneio de clubes de futebol do mundo, a Liga dos Campeões da UEFA. A Espanha é o país com mais títulos acumulados — são 19 conquistas, sendo 14 do Real Madrid e cinco do Barcelona.

As empresas chinesas State Grid, China Three Gorges (CTG) e State Power Investment Corporation (SPIC) lideram novos projetos no país, o que antes era tradicionalmente feito por espanhóis, segundo o governo federal. A State Grid arrematou em dezembro o principal lote do maior leilão de transmissão de energia já realizado na história do Brasil. O investimento esperado é de R$ 18 bilhões. A espanhola Celeo Redes ficou com o terceiro e menor lote ofertado na ocasião.

Dados do Conselho Empresarial Brasil-China indicam que o setor elétrico recebeu 50% dos investimentos chineses no Brasil em 2022, com 16 novos projetos. Desde 2012, o setor é o que mais atrai recursos chineses ao país. Entre 2007 e 2022, foram investidos R$ 32,5 bilhões. Os números não consideram investimentos em veículos elétricos, que estão na linha de frente da expansão da indústria chinesa, com a instalação de montadoras em território brasileiro.

Sánchez e a geopolítica 'para o bem'

A dimensão geopolítica dos investimentos e do comércio entre os países também apareceu no recado do próprio Sánchez aos empresários compatriotas e ministros brasileiros. Ao lado de Lula, ele afirmou que voltará a insistir na conclusão do Acordo de Associação entre o Mercosul e a União Europeia. A intensa oposição política da França barrou o avanço no ano passado, quando o petista e o socialista fracassaram na empreitada. As negociações se arrastam por 25 anos.

"Temos assuntos pendentes, mas estamos pressionando para que se transformem em realidade", afirmou o premiê espanhol na reunião fechada. "O acordo entre União Europeia e Mercosul seria uma notícia extraordinária do ponto de vista bilateral e também do ponto de vista político, porque estaríamos construindo a maior área de intercâmbio comercial do mundo, e assim mudaríamos a geopolítica global para o bem, porque estaríamos unindo regiões que compartilham valores, princípios, formas de entender o mundo e de enfrentar os desafios pela frente."

A declaração do premiê da Espanha ecoa uma preocupação crescente com o deslocamento do fluxo comercial e financeiro para a Ásia, puxado pela China, e a crescente influência de Pequim no mundo ocidental. Além disso, o Brasil foi um dos países que ampliaram o comércio com a Rússia — aliada da China — em que pesem as sanções impostas a Moscou por causa da guerra na Ucrânia. No ano passado, o fluxo com os russos chegou a US$ 11,3 bilhões e superou a meta de US$ 10 bilhões pela primeira vez. Já com a China, o Brasil atingiu o recorde de US$ 104 bilhões.

O Itamaraty entende que a mudança do eixo para Ásia e a expansão chinesa na América Latina e África são o grande motor para os europeus se movimentarem, em linha com o discurso de Pedro Sánchez. A guerra na Ucrânia também forçou a busca pela diversificação.

Os governantes da Europa citam afinidades com a América Latina como apego à democracia, preocupação climática, respeito aos direitos humanos e pauta de gênero.

Responsável por negociar o acordo com o Mercosul, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, anunciou no ano passado em Brasília que o bloco pretende investir € 10 bilhões na América Latina e no Caribe.

No ano passado, a União Europeia reagiu e passou a anunciar investimentos bilionários da Global Gateway, plataforma interpretada como parte da estratégia de contenção da China, cuja ponta de lança é o projeto de conectividade de infraestrutura da nova Rota da Seda — Belt and Road Initiative (Cinturão e Rota). Ao completar dez anos, em 2023, o projeto chinês já engloba 21 países nas Américas. E os chineses avisaram em janeiro que desejam unir obras do PAC de Lula e com o projeto de Xi Jinping.

Casa Branca

Os Estados Unidos também reagiram diplomaticamente. Em fevereiro o secretário de Estado dos Estados Unidos, Antony Blinken, prometeu no Rio pôr em marcha uma coalizão para canalizar investimentos em infraestrutura nas Américas, que não gere dívidas nos países e respeite o direito de trabalhadores. "Estamos agindo de uma forma que não sobrecarrega os países com dívidas", disse o americano. A declaração é uma crítica velada a Pequim, a quem os americanos acusam de criar "armadilhas de dívida" com financiamentos de obras gigantescas de infraestrutura, que depois os países não conseguem pagar, além de fustigar os padrões de direitos trabalhistas em empresas chinesas.

"Ao contrário da China, entendemos que a sociedade civil e a imprensa livre têm papel indispensável para a democracia", disse nesta quinta-feira, dia 7, o chefe da diplomacia dos Estados Unidos nas Américas, embaixador Brian A. Nichols. Ele mencionou esforços dos adversários para "minar democracia, segurança e a liderança dos EUA nas Américas".

"A República Popular da China segue avançando com uma visão alternativa de governança global que representa um afastamento dos princípios que estão no coração da comunidade internacional", disse o diplomata, segundo quem os EUA "competem com China" com alianças voltadas para o desenvolvimento social e econômico de países latino-americanos, com os programas Americas Partnership for Economic Prosperity e a Central America Forward.

Principal diplomata de Joe Biden na América Latina, o embaixador Nichols disse em entrevista exclusiva ao Estadão que os negócios de infraestrutura com chineses são "enganosos" — não trazem benefícios de longo prazo aos países parceiros e muitas vezes envolvem corrupção. Pequim negou as declarações.

Previsibilidade

A Espanha é o segundo maior investidor externo no Brasil, atrás somente dos EUA, com presença em setores de energia, infraestrutura, transportes, finanças, telecomunicações e seguros, entre outros. Segundo o Itamaraty, o estoque total de investimentos é estimado em US$ 59 bilhões, com fluxo anual de cerca de US$ 3,3 bilhões nos últimos anos.

O premiê da Espanha disse que as transformações e a estabilidade política, social, fiscal e regulatória no Brasil trouxeram mais "certeza" para novos investimentos no país. Segundo ele, as empresas podem investir em sistemas de transmissão de energia, construção de portos e ferrovias, de estradas e saneamento básico.

"Cabe ao governo criar condições objetivas para que a gente convença as pessoas que o Brasil é um bom lugar para investir e um bom paradeiro para empresas estrangeiras", disse o presidente Lula, assegurando estabilidade. "Com muita tensão política a gente tem menos chance de atrair investimento. Isso está garantido. O Brasil de 2024 é um Brasil diferente do que vocês conheceram em 2022 e 2020."

Lula citou a reforma tributária como grande feito de seu governo até agora e disse que já articula a regulamentação de regras pendentes. "Esperamos que até o meio do ano, se tudo der certo, a gente tenha a regulamentação e aí o Brasil vai estar preparado para dar os voos que precisa dar no século 21", projetou Lula.

Clima e Energia

Pedro Sánchez disse na reunião que reconhece a liderança brasileira em matéria de mudança climática, e Lula pediu apoio dos espanhóis no G-20 e na COP30, cúpulas globais que debatem a matéria e serão sediadas no Rio de Janeiro e em Belém até o ano que vem.

O CEO do Santander, Héctor Grisi, afirmou que o banco procura ajudar empresas na transição para a economia verde e fomentar o mercado de créditos de carbono, o hidrogênio como energia renovável e concessões florestais. Ele avaliou que o momento do país é "muito favorável, com um ciclo virtuoso de baixa de taxa de juro, moeda estável e crescimento sustentado".

"Há muitos anos vocês são bem-vindos ao Brasil, mas nesse novo momento político vocês serão ainda mais bem-vindos, porque o Brasil espera merecer a confiança e a solidariedade de vocês para fazer a revolução climática que o Brasil pode liderar no mundo. Quem quiser falar em energia renovável nos próximos anos vai ter de levar em conta que o Brasil é o lugar com mais competência para produzir os mais variados tipos de energia renovável", disse Lula.

Revisão de contratos

O ministro da Casa civil disse que o foco do governo é o investimento em energia renovável e hidrogênio verde. Ele avisou que o Ministério de Minas e Energia apresentará a Lula nas próximas semanas uma reestruturação do setor de energia, para "elevar o padrão de serviço nas distribuidoras e desonerar o consumidor, especialmente de baixa renda". "Temos uma matriz limpa construída com forte subsídio do governo federal e parte substantiva do subsídio foi transferida ao consumidor. Estamos buscando reequilibrar o sistema", afirmou o titular da Casa Civil.

Eduardo Capelastegui, presidente da Neoenergia, distribuidora que atende cerca de 50 milhões de pessoas no Brasil, reconheceu que as empresas têm desafios a superar, como expandir e modernizar a rede de transmissão e melhorar a qualidade do serviço. "O cliente brasileiro hoje não é o cliente de 30 anos atrás. O cliente quer qualidade, quer uma experiência diferente" citou.

Para Capelastegui, o plano de crescimento projetado pelo governo federal vai demandar mais energia elétrica: "É um setor que vai crescer e estamos aí para seguir investindo. Mas gostaria de colocar para os senhores: os investimentos são de muito longo prazo, de 30 a 40 anos, e um assunto importante é a previsibilidade. O governo está discutindo a renovação da concessões de distribuição. É importante avançar com essa pauta, porque é um foco de oportunidade, vai permitir que empresas de qualquer país continuem considerando o setor atrativo. O Brasil vai precisar de mais do que o que foi investido historicamente".

O ministro Alexandre Silveira argumentou que o governo respeita contratos e reconhece a importância da estabilidade do investimento. "Estamos avançando é necessário aperfeiçoar os contratos existentes de distribuição. Teremos R$ 170 bilhões em investimentos nos próximos quatro anos para avançar nas renovações das distribuidoras apontando que quer a boa prestação de serviços e a contrapartida é a estabilidade do investimento", disse Silveira.

Pedro Duque, da Hispasat, uma operadora espanhola de satélites de telecomunicação, sugeriu investimentos em escolas e em telemedicina entre Forças Armadas. "Não pedimos nada, somente políticas públicas de longo prazo para podermos fazer investimentos", disse o empresário.

Veja as empresas espanholas presentes:

  • Ignacio Rivera, presidente da Estrella Galicia
  • Pedro Duque, presidente da Hispasat
  • Guilhermo Lorenzo, CEO da COMSA
  • Javier Martínez Ojinaga, CEO da CAF
  • Alberto Gutiérrez, presidente da Airbus Espanha
  • Marcos Madureira, presidente da Câmara Oficial da Espanha e do Brasil
  • Antonio Garamendi, presidente da CEOE
  • José Luis Bonet, Câmara de Comércio da Espanha
  • Héctor Grisi, CEO global do Santander
  • Eduardo Navarro de Carvalho, presidente do conselho de administração da Telefônica Brasil
  • Carlos Fernández, CEO da NIMGenetics
  • Eduardo Capelastegui, CEO da Neoenergia (Iberdrola)
  • Breno Machado, diretor de desenvolvimento de negócios da Acciona
  • Pedro Rodríguez, diretor internacional Indra-Minsait
  • Teresa Madariaga, presidente da Ingeteam
  • Jesús Alonso Escuris, presidente da Jealsa-Rianxeira
  • Katia Repsold, gerente da Naturgy Brasil
  • Pedro Gómez, CEO Iberoamérica da TYPSA
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