Economia

Um mundo de oportunidades

Por baixo do discurso que só interessa aos políticos, a Alca tem tudo para ser boa tanto para brasileiros quanto para americanos

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 11h23.

Se os Estados Unidos e o B rasil não atrapalharem, a Alca poderá ser um mundo de oportunidades. De janeiro a setembro deste ano, os americanos compraram 12,5 bilhões de dólares de produtos brasileiros. Nós, brasileiros, compramos 6,8 bilhões de dólares de produtos americanos. Se é que são americanos e brasileiros os produtos. O principal item de nossa pauta de exportações para os Estados Unidos em 2003 tem sido o telefone celular -- mas nem tudo desse telefone celular que o Brasil exporta é produzido internamente, nem as empresas são brasileiras per se.

Isso é o que os marxistas chamariam hoje de a nova divisão de trabalho da economia internacional. Na divisão antiga, a produção ficava nos países ricos. A produção e a Revolução Industrial na Inglaterra foram sinônimo da hegemonia inglesa. No mundo novo, a nação mais rica pode se dar ao luxo de produzir e vender menos que o restante do planeta. A produção fica para os malaios, os indonésios, os mexicanos, os brasileiros, enquanto os americanos têm déficit comercial. O Primeiro Mundo produz idéias, modelos, campanhas de marketing, logística, sites, comunicação visual, administração, finanças e desenvolvimento tecnológico. A mais-valia hoje vem daí, não mais da produção. É que nem o chope no boteco, o que dá dinheiro é a comida.

As empresas americanas fora dos Estados Unidos vendem algo próximo de 1 trilhão de dólares por ano. Isso é quatro vezes mais que toda a receita de exportação dos Estados Unidos e sete vezes mais que todo o déficit comercial americano. Para ser rico, um país não precisa produzir tudo. Além disso, muito pouco da produção pode ser chamado de "nacional". Isso acabou. Não existe mais. A produção da boneca Barbie "americana" passa por China, Taiwan, Japão, Indonésia e Malásia, para daí ser exportada de Hong Kong para os Estados Unidos.

Nesse contexto, quando um americano vai a um supermercado, paga pelo menos 56% a mais do que pagaria por 1 litro de suco de laranja brasileiro. Esse é mais ou menos o valor das taxas na exportação brasileira do produto para os americanos. Se estivesse comprando suco brasileiro, a sociedade americana teria o benefício de pagar menos -- descontada a "perda" sofrida por empresários e trabalhadores americanos do setor de suco de laranja, concentrados especialmente no estado da Flórida, palco principal das últimas eleições presidenciais americanas. A situação atual, sem a Alca, privilegia uma minoria em detrimento da população -- que perde com o suco mais caro.

Por outro lado, um produtor brasileiro de filmes atrás de um computador portátil de última geração entra no site de uma grande empresa americana e vê uma lista enorme de opções. Vê, inclusive, a opção buy now (compre agora) estampada na tela do computador. Ele poderia pagar por determinado modelo novo entre 1 500 e 2 000 dólares. Um similar da mesma empresa, mas do ano anterior, custa 7 000 reais numa revendedora autorizada no Brasil -- mais caro que o modelo mais novo. As taxas fazem as empresas brasileiras estar um ano atrás das americanas. Elas perdem os benefícios gerados pelos ganhos de produtividade da nova tecnologia.

O que esse pequeno exemplo ensina? Uma lição é que um acordo entre os setores de suco de laranja e de informática traria certamente benefícios aos dois países. É muito melhor discutir setores do que temas vastos, como agricultura ou serviços. A situação no pós-acordo já seria melhor que a situação atual.

Com relação à minoria específica que sofreria com a concorrência, vale lembrar as palavras do ex-embaixador americano no Brasil Anthony Harrington: "Brasil e Estados Unidos têm, cada um, setores que se sentem ameaçados por exportadores estrangeiros e precisam ficar mais competitivos. Por isso deve haver um período de transição incluído nas negociações da Alca que permita a essas indústrias se adaptar ao livre comércio". Um período de transição poderia estar acompanhado de um programa de demissão voluntária apoiado pelo BNDES, por exemplo. Isso é muito melhor para o país do que emprestar dinheiro à Bolívia e à Venezuela.

Vale frisar: os setores no Brasil que não são competitivos internacionalmente só sobrevivem por causa da proteção. E quem paga a conta, senão o consumidor? A Alca é um bom caminho para que o país tenha aumento de competitividade e de produtividade, dois mecanismos clássicos de distribuição de renda. Vale lembrar: o país não precisa produzir tudo localmente. O livre comércio dá oportunidade para que possamos usufruir ganhos de produtividade obtidos em outros países em setores nos quais não somos competitivos. Se os americanos não querem nossos ganhos de produtividade no suco de laranja, no aço nem no açúcar, pior para eles. Não é porque um erra que o outro deve repetir o erro.

Mas a verdade é que os motivos de não negociar são outros que não o comércio. São objetivos de Estado. De um lado, um Estado liberal-democrata que mantém interesses específicos consolidados politicamente. De outro, um Estado popular soberano que defende os "interesses nacionais" -- se é que alguém sabe o que é isso. Por baixo do discurso, que só interessa aos políticos, a Alca traz um mundo de oportunidades às duas populações.

DÁ PARA FICAR DE FORA?
Os números mostram o tamanho do mercado que será aberto aos produtos brasileiros
com a entrada em vigor da Alca
34 países
(todos os do continente, exceto Cuba)
O PIB total é de
12 trilhões de dólares
800 milhões de pessoas
2005 é o prazo final para as negociações

Arthur Ituassu é professor de relações internacionais da PUC-Rio

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