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Sem pacote, recessão pode se tornar mundial, dizem economistas

Cenário catastrófico traçado pelo próprio presidente do Fed na semana passada está prestes a virar realidade

EXAME.com (EXAME.com)
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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 11h14.

Na semana passada, o presidente do Federal Reserve (o banco central americano), Ben Bernanke, traçou um cenário sombrio para os Estados Unidos caso o bilionário pacote de socorro aos bancos não fosse aprovado pelo Congresso. Em audiência no Senado, ele disse que "se os mercados não estiverem funcionando, empregos serão perdidos, a taxa de desemprego subirá, mais casas entrarão em inadimplência, o PIB vai se contrair e a economia simplesmente não será capaz de se recuperar". O que soava apenas como uma ameaça retórica para pressionar os parlamentares está, agora, prestes a se tornar realidade. Nesta segunda-feira (29/9), os congressistas rejeitaram a proposta de resgate das instituições financeiras, que criaria um fundo público de 700 bilhões de dólares para compra de títulos podres, e abriram o caminho para os Estados Unidos mergulharem numa recessão. "Os americanos passarão por alguns semestres de PIB negativo. O país caminha para uma retração", afirma Alessandra Ribeiro, economista da Tendências Consultoria.

Com o contágio da crise financeira para a Ásia e a Europa - onde vários bancos foram socorridos neste final de semana - o mais provável é que a retração seja duradoura e arraste também boa parte das economias desenvolvidas. "A crise americana vai contaminar o resto do mundo. Veremos vários trimestres de recessão ou forte desaceleração nos Estados Unidos, zona do euro, Japão e Inglaterra", afirma o economista-chefe do Banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves.

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Sem o pacote, os Estados Unidos arriscam-se a crescer 1,6% neste ano, mergulhar em uma retração econômica de 0,4% no próximo ano, e patinar em uma ligeira alta, também de 0,4%, PIB em 2010, segundo Francisco Pessoa Faria, economista da LCA. Este é o cenário mais pessimista da consultoria. No cenário básico, que incorpora a aprovação de algum tipo de ajuda aos bancos americanos - e segue como a aposta da LCA -, o país cresceria 1,7% neste ano, 0,4% em 2009, e 1,7% em 2010. "O resto do mundo seguiria mais ou menos o mesmo passo. Sem o pacote, a recessão será mais intensa e mais duradoura", afirma Faria.

A desaceleração pode ser grande o suficiente para frear o crescimento econômico mundial para menos do que 3% - o que, para o Fundo Monetário Internacional, já representaria uma recessão mundial. Mesmo a China, hoje uma das locomotivas da economia mundial, vão sentir o impacto dos problemas americanos. Grande exportadora para os Estados Unidos, a China também vai reduzir o ritmo. "Já é possível imaginar 1 ponto percentual a menos no PIB chinês", afirma Gonçalves, do Banco Fator.

Sinais de fraqueza

A economia americana já apresentava sinais preocupantes há alguns meses. Em agosto, por exemplo, as vendas no varejo caíram 0,3%. Foi a segunda queda consecutiva do indicador, após o recuo de 0,5% registrado em julho. No mês passado, a taxa de desemprego americana saltou para 6,1%, o maior nível desde setembro de 2003. De acordo com o Departamento do Trabalho dos Estados Unidos, foram fechados 84.000 postos no mês passado. O número superou a previsão dos analistas, de 75.000 vagas. Desde o início do ano, o mercado de trabalho americano já fechou 605.000 vagas.

O índice de confiança do consumidor americano também está em queda - o que significa menor disposição para se endividar. O crédito farto é a mola-mestra da economia americana. Os americanos costumam consumir muito mais que a sua renda mensal. Para tanto, recorrem a cartões de crédito e financiamento. Como o crédito depende da saúde financeira dos bancos, é aqui que a crise que assola as instituições bancárias encontra-se com a economia real. Sem crédito, consumidores começam a frear suas compras, e a indústria suspende seus investimentos produtivos. O consumo das famílias representa 70% do PIB do país. "O país entrou numa espiral negativa. A renda real dos americanos está em queda", afirma Alessandra, da Tendências. Sem a ajuda do governo, os bancos não poderão limpar seus balanços dos títulos podres que carregam, impedindo que voltem a emprestar dinheiro.

"Esperava-se que a recuperação da economia americana custasse todo o ano de 2009. Agora, o prazo foi empurrado para mais longe", afirma Delano Marques, consultor de investimentos do Private Banking do Banco Real. A esperança dos mercados é que os congressistas refaçam o projeto de socorro aos bancos e, desta vez, aprovem-no. Não está claro em que termos isso poderia acontecer. O presidente americano George W. Bush vai se reunir nesta segunda-feira com o secretário do Tesouro, Henry Paulson, e com Ben Bernanke para discutir ações para contornar a crise.

Contaminação

Qualquer pessoa bem informada não está comemorando as dificuldades enfrentadas pelos Estados Unidos. Sendo a maior economia do mundo, uma retração no país vai contaminar com certeza as demais partes do globo. Incluindo o Brasil. "O Brasil não está blindado, por mais que se diga isso", afirma Alessandra, da Tendências.

A primeira via de contaminação é a fuga de capitais do país. Os estrangeiros, que representam cerca de um terço dos investidores na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) precisam se desfazer de suas posições no Brasil para tentar fazer caixa em suas matrizes - que podem ser bancos ou fundos de investimentos em dificuldades. Há também a natural aversão ao risco - em momentos de crise, os papéis de países emergentes sofrem um aumento de rejeição. A saída em massa de investidores estrangeiros pressiona o câmbio - e o termômetro é a disparada do dólar.

Dependendo da intensidade da alta, o dólar pode pressionar a inflação por aqui. Ao longo deste ano, a inflação já deu bastante trabalho ao Banco Central, que precisou elevar os juros devido à escalada de preços das commodities no mercado mundial. Agora, o câmbio pode levar a autoridade monetária a manter o aperto para evitar uma nova rodada de reajustes de preços.

A outra via de contaminação é a escassez do crédito. As empresas brasileiras vinham captando recursos no exterior - onde as linhas são mais baratas - para investir em projetos produtivos. Com o recuo de liquidez mundial, está mais caro e mais difícil obter capital. E os projetos enfrentam mais dificuldades para ser implantados.

Por fim, a quebradeira de bancos na Europa mostra que a crise está se espraiando. A zona do euro, que reúne 15 países da região, registrou sua primeira retração trimestral desde que foi criada. O cenário indica um recuo do comércio internacional. Isso vai afetar tanto o preço das commodities - que representam a maior parte da balança comercial brasileira -, quanto a quantidade de produtos embarcados. "No nosso cenário negativo, o Brasil vai crescer 2,6% em 2009", diz Alessandra. Com a rejeição do pacote americano, cresceram as razões para considerar este como o cenário mais provável. "É um quadro nada animador", resume Marques, do Banco Real.

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