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É o desemprego, estúpido

A baixa geração de empregos e a exportação de postos de trabalho são o calcanhar-de-aquiles de Bush na campanha pela reeleição

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 11h12.

Como seu companheiro Luiz Inácio Lula da Silva, George W. Bush também precisa de um "espetáculo de crescimento". E logo. A pressa é necessária porque a corrida com vistas às eleições presidenciais de novembro de 2004, nos Estados Unidos, começa a esquentar. E esse "espetáculo de crescimento" precisa ser uma superprodução que traga para o palco milhões de americanos que estão desempregados ou simplesmente tentando entrar pela primeira vez no mercado de trabalho.

Bush não é um estudioso muito profundo de história, mas não é necessário para ele ir muito longe para traçar os paralelos e visualizar os perigos. O exemplo é familiar. Seu pai, o velho George Bush, também era um presidente muito popular após vencer a primeira guerra do Golfo Pérsico, em 1991 (chegou a ter 91% de aprovação dos eleitores).Vitória fugaz. Em meio às preocupações dos americanos com a situação econômica, dom George I foi derrotado nas eleições de 1992 pelo interiorano político Bill Clinton. Lembra-se do mortífero slogan elaborado pelo bruxo James Carville, assessor de Clinton? "É a economia, estúpido!"

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Charles Cook, o antenado editor do Cook Political Report, que rastreia tendências eleitorais, diz que Bush filho deve apresentar ao eleitorado bons resultados econômicos nos próximos seis meses, no máximo, porque a opinião pública leva um tempo para sentir que as coisas melhoraram. Em 1992, por exemplo, a economia já estava em processo de recuperação antes das eleições, mas o então presidente Bush não conseguiu o crédito por isso.

Há algumas boas notícias para o Bush de hoje. Relatórios econômicos sugerem que o crescimento no atual trimestre pode se aproximar dos 5% (em contraste com a decepcionante taxa de 2% dos últimos tempos). A produção industrial finalmente voltou a crescer, as exportações saltaram e as vendas no varejo estão vigorosas. Claro que novamente pode ser alarme falso. A economia ameaçou decolar em 2002, assim como no começo do ano. A Casa Branca espera que o otimismo de Alan Greenspan, presidente do Fed, o banco central americano, se materialize. Para Greenspan, choques como o 11 de setembro, o desastre da bolsa, os escândalos corporativos e a ansiedade em relação à guerra no Iraque foram superados. Com a agressiva política de corte de juros e dos impostos será possível atravessar o campo minado.

Mas a anêmica recuperação que se seguiu à recessão, oficialmente encerrada em novembro de 2001, não está gerando empregos. Há relutância das empresas em contratar, sem falar do perverso sucesso da produtividade nos anos 90. Menos trabalhadores são necessários para produzir a mesma quantidade de bens e serviços.

Bush gostaria de passar à história como um presidente à la Franklin Roosevelt, o democrata que superou adversidades econômicas e venceu guerras. Mas, neste momento, seu referencial é Herbert Hoover, o antecessor de Roosevelt, que dirigiu o país no começo dos anos 30. Essa é a primeira vez desde Hoover que um presidente vê o mercado de trabalho encolher durante o seu mandato.

A situação é desconsoladora para Bush. A economia americana perdeu 3 milhões de empregos desde sua posse, em janeiro de 2001. É de pensar que nos oito anos da era Clinton foram gerados 22 milhões de empregos. Em junho, a taxa de desemprego nos Estados Unidos alcançou 6,4%, um recorde de nove anos. Embora a taxa tenha baixado um pouco em agosto (para 6,1%), o presidente não tem motivos para se tranqüilizar. A taxa caiu porque muitos desempregados ficaram desencorajados para buscar ocupação. O economista Robert Kuttner, editor da revista American Prospect, calcula que a taxa real de desemprego já tenha superado os 10% se forem incluídos os "desencorajados" e os que fazem "bicos" e gostariam de trabalho em tempo integral.

Além disso, a imprensa está repleta de histórias sobre a mobilidade social nos EUA. Dessa vez é para baixo. Em 13 de agosto, véspera do megablecaute, o The Wall Street Journal publicou uma ampla e desalentadora reportagem mostrando como está difícil gerar esperanças na terra por excelência das oportunidades. Gente que tempos atrás ganhava 100 000 dólares anuais em posição de gerência fica agora satisfeita se leva a metade ou menos do que isso numa função modesta, sem maiores perspectivas.

O desemprego veio a calhar para a oposição democrata, que parece ter encontrado um alvo fácil na ofensiva contra a Casa Branca. Para os nove postulantes democratas à Presidência, o desemprego, transformado no calcanhar- de-aquiles de Bush, rende mais do que denunciar as dificuldades no Iraque.

A necessidade de sustar a hemorragia de empregos numa temporada eleitoral deve reforçar o muro do protecionismo comercial, e nessa obra estarão irmanados os republicanos do presidente e os democratas. Nos comícios e nas entrevistas, os candidatos da oposição não expressam otimismo nem pelo Nafta, aprovado pelo ex-presidente Clinton. "Hoje, eu não votaria a favor", diz o senador John Kerry.

Essas são lamúrias protecionistas clássicas, embora ainda procedentes. Afinal, dos 3 milhões de empregos perdidos na era Bush, 2,5 milhões foram no setor manufatureiro, muitos deles reciclados a custo bem mais baixo nas maquiladoras montadas no vizinho México. Mas há um problema quente e explosivo de exportações de empregos que vai muito além-fronteiras. Empresas americanas estão fazendo negócios da China, da Índia ou das Filipinas com um outsourcing cada vez mais sofisticado, transferindo funções e divisões burocráticas e de alta tecnologia para países asiáticos ou qualquer lugar mais barato do que o Vale do Silício e afins. Para que trazer engenheiros indianos para a Califórnia? Melhor levar os empregos para lá. O número de postos no setor de computação nos EUA caiu 10% nos últimos dois anos, de 5,7 milhões para 5,1 milhões, de acordo com a AeA, uma newsletter de tecnologia baseada em Washington.

As contas são elementares. Uma empresa americana paga 300 dólares mensais para ter um contador nas Filipinas. Em casa, o mesmo trabalho custa 5 000 dólares. Fez todo o sentido para a empresa BearingPoint instalar seu novo centro de desenvolvimento de software em Xangai. Nos EUA, o salário mensal de um engenheiro é 4 000 dólares. A Índia é uma boa pedida (700 dólares), mas a China é o grande negócio, onde a BearingPoint está pagando 500 dólares. Com o fechamento de fábricas durante duas décadas, tradicionais estados industrializados, como Michigan, onde está localizada Detroit, a meca dos automóveis, atraíram atividades de alta tecnologia nos anos 90. Mas, agora, no começo do século 21, esses bons empregos também estão em debandada para a Ásia. E não há nenhuma surpresa no fato de que a General Motors tenha recorrido a uma equipe de designers chineses para o projeto do Buick Excelle, um novo sedã que começará a ser vendido nos próximos meses no país. He Renke, professor da Universidade Hunan, disse à revista Business Week que "nosso objetivo é a transição do made in China para o designed in China".

Nas assembléias legislativas de nove estados americanos, inclusive Michigan, foram apresentados projetos de lei vetando contratos governamentais para companhias que investem em outsourcing no exterior. Nenhum deles passou.

Para Bush, essas mudanças estruturais no universo de empregos representam boas e más notícias. Ele pode ficar tranqüilo. Não existe risco de outsourcing no seu tipo específico de trabalho. Mas, com as inquietações dos americanos, nada garante sua permanência no Salão Oval após janeiro de 2005.

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