Economia

;Caminhamos para o mundo IP;, afirma Silvio Meira

Leia a seguir a participação do presidente do Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife, Silvio Meira, no EXAME Fórum - "O Futuro das Telecomunicações". Silvio Meira: Talvez valha a pena começar falando que uma das coisas que mais dizemos em sala de aula: tudo é possível no papel. Estamos falando talvez do futuro […]

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 11h15.

Leia a seguir a participação do presidente do Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife, Silvio Meira, no EXAME Fórum - "O Futuro das Telecomunicações".

Silvio Meira: Talvez valha a pena começar falando que uma das coisas que mais dizemos em sala de aula: tudo é possível no papel. Estamos falando talvez do futuro das economias como um todo, da brasileira em particular, e de qual o componente de telecomunicações nessa economia. Na realidade, qual o componente de conexão digitalizada. Para mim, um componente que tem necessariamente a ver com o componente computacional e com a componente de comunicação. Eu exageraria um pouco e também diria com uma componente de controle dessas economias, de controle no sentido eletrônico, de controle no sentido computacional, de controlar dispositivos em geral. Eu queria expandir um pouco mais a discussão de comunicação, computação e controle nas economias, para não falar somente de coisas que usamos, telefones que temos, máquinas conectadas à rede de uma forma ou de outra. A construção dessas infra-estruturas, que vem acontecendo há bem mais de uma década, desde o Unix, desde o protocolo Internet, desde os primeiros sistemas celulares na década de 70, no Japão e na Europa, é de fato a construção da infra-estrutura de convergência digital. É muito mais, na minha opinião, do que simplesmente duas palavras bonitas.

O último secretário executivo da União Internacional de Telecomunicações (UIT) propôs no discurso de despedida dele, não sei se brincando, a troca do nome International Telecommunications Union para International Internet Union. E muita gente levou na brincadeira na época, mas muita gente dentro da própria UIT levou a coisa a sério. É óbvio que estamos caminhando para um mundo completamente IP. O que significa um mundo completamente IP? Significa um mundo de comunicação profícua e pervasiva, disponível para todo mundo em todos os lugares, e o tempo todo, e também altamente interativo. Não se trata pura e simplesmente dizer que meu telefone funciona em qualquer lugar. Mas é um mundo em que viveremos a partir de duas singularidades que começaram a acontecer nas economias desenvolvidas há algum tempo. A primeira é a que se chama singularidade de Moore, a singularidade dos PCs, a idéia de que estamos começando a viver numa geração, numa economia em que cada um tem um computador à sua disposição. Não é mais um computador compartilhado por muita gente. Na realidade, hoje cada pessoa tem mais de uma máquina à sua disposição, quando se leva em conta, por exemplo, que um celular de hoje é muito mais potente que um computador de vinte anos atrás. A outra é obviamente a singularidade das conexões. É o fato de eu passar a ter um endereço IP ou vários endereços IP atribuídos a mim, como pessoa física, fixa ou móvel, ou ainda mais como pessoa jurídica. A singularidade dos processadores conectados cria de fato a possibilidade de a gente começar a vir a administrar um universo em que teremos na Terra dezenas de bilhões de endereços IP simultâneos. Se a gente olhar para o plano de metas da operadora japonesa DoCoMo, talvez uma das operações mais agitadas de telefonia móvel que existe no planeta, eles assumem que vão ter alguma coisa como 360 milhões de endereços, 360 milhões de dispositivos celulares em 2010. Desses, apenas um terço, ou 120 milhões, seriam celulares nas mãos de pessoas. Eles assumem, por exemplo, que haverá 100 milhões de celulares em automóveis. Não que por acaso um carro queira falar com alguém. Ele não quer fazer uma ligação para casa, para outro carro que ficou na garagem, porque está com saudade do carro que ficou na garagem. Mas é óbvio que a gente pode pensar imediatamente que, se você tiver um sistema de transmissão de dados, que não precisa nem ser de alta velocidade, o carro poderia mandar dados da sua operação para a fábrica, que eventualmente poderia ligar para o celular do dono e dizer: Olha, se você não trocar o óleo, você vai perder a garantia . Ou uma mensagem poderia vir para o painel do carro: Pare no próximo posto e troque o óleo, senão vou parar o carro, porque o motor vai falhar . Isso funcionaria muito bem, por exemplo, com a minha mulher. Ela trocaria o óleo, e o motores falharia com menos freqüência. Nesse cenário da DoCoMo, você tem endereços IP até em coleira de cachorro. E é apropriado que haja, porque o estresse de perder um cachorro é muito grande. Se você tiver localização em cima disso, ainda por cima eu saberia exatamente onde meu cachorro está. Se eu botar um pouquinho mais de controle, eu posso mandar um comando e paralisar o cachorro onde ele está, para que não saia de lá e eu consiga pegá-lo.

Nesse universo em que processadores se conectam e exercem funções de controle, que não é o universo necessariamente clássico das comunicações que temos hoje, eles servem para a gente melhorar a forma de fazer negócio e para aumentar a eficiência da economia. Vamos pensar, na construção do futuro das telecomunicações no Brasil de uma forma eficiente, sem esperar que os outros façam primeiro, para a gente fazer aqui como segunda ou terceira geração e, conseqüentemente, perdermos competitividade como economia, como país. É como se a gente tivesse de fazer com que fosse desregulamentado o que está e passasse a regulamentar o que não está. Como o Wi-Fi, por exemplo (o protocolo 802.11b), que também é capital intensivo, para que os agentes econômicos, para que os investidores sintam a necessidade keynesiana de investir lá., porque você teria um conjunto de regras do jogo mais ou menos assegurado para quem investir seus bilhões, por exemplo, em tecnologias IP conectadas em qualquer lugar. Então, a tensão do futuro é como desregulamentar algumas coisas que funcionam muito bem hoje, mas não vão funcionar daqui dez anos ou quinze, e como regulamentar de uma forma mais apropriada coisas que funcionam hoje, mas que não têm o impacto econômico que poderiam ou talvez devessem ter na economia brasileira, sem destruir os dois. Esse é o desafio dos reguladores e o desafio político.

Na minha opinião, a única forma de começar a fazer isso é experimentar. O Brasil é muito ruim de experimentação. A gente tem uma história trágica de deixar passar oportunidades de experimentar e de perder mercados um após o outro, por pura incerteza da nossa capacidade de conseguir fazer as coisas como a Embraer faz ou como a Embrapa faz. Se a gente não tivesse experimentado nas coisas que a Embrapa experimentou há 20, 30, 50 anos, provavelmente estaríamos importando coisas que hoje estamos exportando. Do ponto de vista tecnológico, com raríssimas exceções, entre as quais incluo a Embraer, como disse um ex-presidente da República, somos caipiras, sempre fomos caipiras . Precisamos ter um pouco mais de confiança para investir na possibilidade de que possamos liderar algumas coisas. Não todas, ninguém vai querer concorrer com os Estados Unidos. Aliás, um dos nossos erros é achar que nossa competição óbvia é com os EUA, quando, por exemplo, a Finlândia por não ter achado isso há 20, 30 anos atrás virou um líder mundial de mobilidade. Para ter uma indústria de classe mundial do ponto de vista de serviços de telecomunicações, a gente poderia pensar um pouco mais alto e ter planos de classe mundial. O Brasil é um dos poucos países que pode se arvorar a isso. Se você fizer um cruzamento de área nacional, de área de terra disponível, um cruzamento da geografia com a população, com o PIB, o Brasil está junto de muito poucos países. Está na classe da China, dos Estados Unidos, da União Européia toda combinada. Mas está muito à frente de Canadá ou Austrália, que são muito pouco extensos para fazer o tipo de experimento que a gente precisaria fazer para criar a possibilidade de que, no futuro, sejamos um pouco mais competitivos na industria de telecomunicações. Não só nos serviços de telecomunicações para consumo interno, mas na indústria em si. Para isso, é preciso ter planos, parar de reclamar do passado, do que nós não fizemos. É preciso ter planos a partir de uma visão compartilhada que envolva a indústria, o pessoal que faz serviços de infra-estrutura e operação para as operadoras, os centros de pesquisas, as universidades e, principalmente, o capital.

Duas semanas atrás passei a ser membro do conselho consultivo da Financiadora de Estudos e Projetos. É um Conselho que tem 36 pessoas e não tem nenhum representante dos investidores. É até bem distribuído entre governo, academia e empresários, com a participação acima do normal da academia para o meu gosto, apesar de eu ser acadêmico, mas não tem ninguém que queira investir naquele negócio lá. Isso provavelmente significa que, depois de a gente ter combinado o jogo todinho, vamos ter de repetir aquela célebre frase do Garrincha para o Feola: combinamos com os russos ou não? Usando a alegoria keynesiana do ex-ministro Mendonça de Barros, assumindo que as operadoras, pelas regras normais a que estão impostas e pelas dificuldades de concorrência internacional e nacional, não vão investir em grandes projetos para o futuro, porque não investem em grandes projetos para o futuro no longo prazo, 10, 15, 20, 25 anos em nenhum lugar no mundo, é papel do poder público criar as condições, ou fazer com que as condições existentes, como Funtel e o Fust, se tornem realmente operacionais para a gente ter planos de mais longo prazo, para a gente criar a possibilidade de que algumas coisas que existem hoje na economia, sejam no futuro realmente um diferencial competitivo do Brasil. Não que a gente vá de repente criar uma nova Ericsson, uma nova Nokia ou uma Motorola. Mas pode ser que, na cadeia de valor desses gigantes, haja coisas que podemos fazer melhor do que todo mundo. Meu centro no Recife faz jogos e software para rodar nos celulares da Motorola. Até há bem pouco tempo, nenhum deles rodava no Brasil. A maior parte rodava na China e na Europa. Então, não só neste lugar que conheço de perto, mas em muitos outros lugares no Brasil temos competência para fazer isso. Precisamos ter planos de gente grande. Precisamos parar de pensar como um país que não pode ou que não fez, ou que deixou de fazer por causa disso ou daquilo, e passar a ter planos arrojados e arriscados. Para isso, no meu entendimento, a infra-estrutura legal criada para a universalização e o desenvolvimento dos serviços de telecomunicação no Brasil precisa ser modificada. É preciso transformá-la em algo muito mais ágil, para criar a possibilidade de desenvolvimento econômico integrado ao setor de telecomunicações, não só de crescimento da base instalada de celulares, do número de linhas de banda larga disponíveis e assim por diante.

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