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"Brasil e Estados Unidos têm muito a colaborar no etanol", diz assessor americano

A parceria entre americanos e brasileiros é estratégica num momento em que o mercado mundial de etanol está em criação

EXAME.com (EXAME.com)
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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 11h12.

Este é um momento estratégico para que Brasil e Estados Unidos trabalhem juntos na pesquisa e desenvolvimento do etanol. Juntos, os dois países detêm cerca de 70% do mercado mundial desse biocombustível, e têm todas as condições de ditar a tecnologia e os padrões que os demais países deverão adotar, se quiserem competir nesse mercado. A avaliação é de Gregory Manuel, assessor especial de Energia da Secretaria de Estado dos Estados Unidos. Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista concedida a EXAME:

EXAME - Qual é o futuro do etanol?

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Gregory Manuel - Eu acho que este é um ponto de virada na história, no qual os biocombustíveis, que são um elemento muito importante na democratização, serão levados para muitos países, que participarão da indústria de energia de uma forma que não havia acontecido até hoje. Os Estados Unidos e o Brasil, os mais importantes e poderosos produtores de biocombustíveis no mundo, vão liderar esse projeto. É um momento extraordinário. Podemos unir os melhores talentos e esforços para criar uma grande oportunidade para o hemisfério e outros países.

EXAME - É um complemento a outros combustíveis? Com qual potencial? Vai substituir 10%, 20% 50% da gasolina do mundo?

Manuel - Vai variar de um país para outro porque eles têm infra-estruturas diferentes. Qualquer automóvel produzido por qualquer montadora pode rodar com até 10% de etanol no combustível. Além disso, é preciso ter um motor flex fuel. Claramente, o primeiro estágio será nessa margem de 10% ou menos. Conforme os países amadurecem o mercado, melhoram suas infra-estruturas e ficam mais à vontade com os biocombustíveis, eles estarão numa posição para mudar para o E85 ou alguma porcentagem maior do que os 10%, como é o caso do Brasil, e mais e mais, o caso dos Estados Unidos.

EXAME - É o combustível da transição entre o petróleo e a célula de hidrogênio, ou um combustível definitivo?

Manuel - Acredito que haverá muito progresso nos sistemas de entrega, armazenamento de energia no futuro. A tecnologia de baterias é uma grande oportunidade que vai permitir que a energia de um setor elétrico eficiente seja transmitido para o setor de transportes. Fundamentalmente, isso vai mudar o mix de energia de uma forma muito importante. Acho que existirão vários caminhos de fontes de energia que estão apenas começando a se desenvolver. Mas os biocombustíveis, não apenas o etanol, são muito importantes e vão responder por um fatia cada vez maior do mix de energia no futuro. Não os vejo apenas como um combustível de transição, mas sim um passo muito importante no mix de energia.

EXAME - Como o Brasil é visto nesse mercado?

Manuel - O Brasil está claramente na liderança mundial em termos de custo de produção. O seu custo de produção é mais ou menos 32 dólares de barril de óleo, o mais baixo do mundo. O Brasil tem muita experiência, infra-estrutura, um ambiente regulamentado e know-how. Tudo isso é traduzido para o sucesso que o Brasil teve no setor nos últimos anos. Mas o mercado vai crescer e vamos ver mais países com uma posição climática parecida com a do Brasil competindo em custo e em volume com o Brasil.

EXAME - A que países o senhor se refere?

Manuel - Alguns na Ásia, mas prefiro não especular nesse momento. Existem vários países na região que estão numa boa posição, como Indonésia e Malásia. Mas ainda é cedo para saber como isso vai acontecer. Os Estados Unidos, com a produção que usa a celulose como matéria-prima, e novas plantações energéticas também vão estar bem posicionados no futuro.

EXAME - Esses países vão replicar o modelo brasileiro ou vão criar seu próprio?

Manuel - Se replicar significa usar cana-de-açúcar, acho que muitos países vão produzir etanol com base nessa matéria-prima. Mas muitos países vão entrar no mercado de forma própria. O Brasil tem feito etanol com cana há 25 anos. Muitos países querem entrar no negócio, mas não querem gastar esse tempo todo até terem resultados. Os países vão investir em etanol de formas diferentes, isso é uma certeza.

EXAME - Qual o papel do Brasil para o desenvolvimento do mercado de etanol?

Manuel - São vários. Na nossa parceria, existem três áreas nas quais Brasil e Estados Unidos estão trabalhando juntos. A primeira é pesquisa e desenvolvimento. Achamos que os dois países vão intensificar a cooperação em torno dos biocombustíveis com o intuito de acelerar o caminho para tecnologias que usem novas matérias-primas e processo de celulose. O segundo é em relação a outros países. Os Estados Unidos e o Brasil têm um grande peso na hora de ajudar outros países que podem se beneficiar com os biocombustíveis a entrar nesse mercado. A idéia é levar os benefícios dos biocombustíveis para os países que estão em condições para seguir nessa direção. Finalmente, códigos e padrões. Os Estados Unidos e o Brasil têm pouco mais de 70% do mercado mundial de etanol. Acabamos de lançar o Fórum Internacional de Biocombustíveis no início de março. Nele, os dois países podem ajudar a criar uma nova commodity para o mundo. Criar códigos e padrões é uma parte necessária para isso.

EXAME - Qual o potencial de expansão do etanol de milho? Qual é a saída?

Manuel - Ainda não atingimos o nosso limite na produção de etanol. Na verdade, existem milhões e milhões de acres que estão sendo plantados com milho. Com o aumento do consumo de energia tão rapidamente e o fornecimento restrito, estamos vendo a nossa matéria-prima ser usada para uma terceira finalidade, além da comida e da ração: a energia. Leva tempo até que o mercado equilibre essas demandas. Muitos fazendeiros estão plantando muito mais nos Estados Unidos, o mesmo está acontecendo no Brasil. Isso será o suficiente para equilibrar o mercado. Só que não acontece imediatamente, uma vez que é preciso plantar, esperar crescer para somente então produzir. Os ciclos são um pouco longos. Não é como a internet, em que é possível colocar novos servidores online e, três dias depois, atender mais dez milhões de pessoas.

EXAME - No futuro próximo, o senhor acha que os Estados Unidos terão de importar milho para atender à demanda?

Manuel - Os Estados Unidos estão num caminho muito forte para atender os objetivos de 2010 por meio da nossa produção doméstica e avanços de tecnologia, especialmente na área de celulose.

EXAME - Em que fase estão as pesquisas americanas com o etanol da celulose de milho?

Manuel - Temos alguns trabalhos pilotos, mas não em grande escala. Os pilotos vão começar a funcionar em três a cinco anos.

EXAME - Qual é a vantagem desse processo?

Manuel - Ela é enorme. É possível converter uma porcentagem maior da matéria-prima em etanol. Isso significa que é possível produzir muito mais com a mesma quantidade usada hoje. Faz com que uma commodity atrativa se transforme em muito atrativa. A produção industrial de etanol celulósico vai começar em cinco a sete anos.

EXAME - Existe uma corrida tecnológica em torno do álcool. O Brasil está no centro dessa corrida? Ou os americanos acreditam que lideram o processo?

Manuel - Não, acho que temos diferentes abordagens no assunto. Nós usamos milho, o Brasil cana-de-açúcar. Mas os dois países têm em vista plantações que vão virar energia. No Brasil, estão sendo pesquisados novos derivados de cana-de-açúcar, plantas que precisam de menos água e que podem ser cultivadas em qualquer terra. Os Estados Unidos estão fazendo o mesmo com o milho, com capim e qualquer tipo de matéria-prima que seja apropriada para o nosso clima. Estamos vendo o começo de uma verdadeira transformação na produção de energia.

EXAME - Quantos países o senhor visitou?

Manuel - Não sei se posso dizer isso. Mas posso dizer que fui a muitos, principalmente àqueles que importam quando o assunto é biocombustível: Brasil e Estados Unidos. Passei muito tempo nos dois me encontrando com empresas, investidores, cientistas que desenvolvem pesquisas de ponta na área. Todas essas pessoas têm a mesma opinião que a nossa em relação ao etanol. É muito animador. Acho que o Brasil e os Estados Unidos têm muito o que falar e o que fazer para transformar isso numa realidade.

EXAME - O senhor pode ser mais específico em relação à parceria Brasil e Estados Unidos?

Manuel - Existem três frentes. A primeira é intensificar a cooperação em pesquisa e desenvolvimento. A segunda é trazer os benefícios dos biocombustíveis para os países de terceiro mundo, começando pelos países da América Central e do Caribe. Mas essa parceria é global. Estamos começando nessa região, mas queremos ampliá-la. E a terceira é criar um mercado de biocombustíveis com padrões e códigos.

EXAME - O senhor acha que os Estados Unidos precisam do Brasil nessa empreitada?

Manuel - Acho que os dois países se beneficiam ao trabalharem juntos. Temos um relacionamento muito bom, interesses parecidos na região, um objetivo em comum que pode ajudar nossos vizinhos a se mexer na direção dos biocombustíveis. Mais países podem participar e se transformar em produtores de energia, ficar menos dependente dos países que fornecem energia.

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