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As dúvidas dos empresários sobre o novo modelo do setor de energia

As bases gerais da proposta do governo todo mundo já entendeu, mas a falta de detalhes sobre a regulamentação e a implementação do novo modelo contribui para paralisar os negócios

EXAME.com (EXAME.com)
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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 11h22.

Só existe hoje uma certeza em meio às dúvidas e questionamentos dos executivos do setor elétrico: O diabo mora nos detalhes . O dito popular ganhou status de prólogo nas análises da área de energia elétrica durante o fórum Infra2020, encontro que avalia o setor de infra-estrutura e discute, nesta edição, os rumos do setor de energia elétrica. A maioria dos executivos ligados a empresas e entidades do setor cita a frase antes de analisar o novo modelo, em elaboração pelo governo. Veja os exemplos de dúvidas a seguir:

1) A Tractebel responde por 7% da geração de energia elétrica do Brasil. Maurício Stolle Bähr, presidente da empresa, ainda não está convencido de que o grupo de empresas de geração, lançado no projeto para um novo modelo do setor, será o melhor lugar para fechar negócios e não sabe se o novo modelo irá lhe assegurar a autonomia necessária para ficar fora do grupo. O que percebemos até agora são restrições de acesso ao mercado , diz Bähr.

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2) O governo tem dado a entender que vai rever o uso do IGP-M como indexador das tarifas de energia. Mas o presidente da distribuidora CPFL, Wilson Ferreira Jr., não acredita que isso seja viável. O índice foi acertado durante a privatização, e todos os compromissos do setor inclusive contratos de financiamento em moeda nacional - estão indexados a ele. O governo não pode mudar isso sem fazer uma ampla negociação , diz Ferreira.

Fazer a lista das dúvidas do mercado em relação ao novo modelo tomaria dezenas de páginas. Entre as mais freqüentes, porém, podemos destacar:

  • Como reverter o quadro de inadimplência das distribuidoras e oferecer uma perspectiva futura de recomposição das receitas? Uma das propostas do novo modelo é utilizar recebíveis das distribuidoras como garantia para as geradoras que aderirem ao pool, uma empresa que seria criada para contabilizar e administrar os contratos entre geradoras e distribuidoras. Mas os executivos do setor se perguntam quantos recebíveis as combalidas distribuidoras brasileiras ainda possuem para dar como garantia e quem vai confiar em recebíveis de distribuidoras inadimplentes ou com problemas de caixa. A regra para a distribuição é hoje incompleta, imperfeita e subjetiva , diz João Carlos Albuquerque, vice-presidente da Associação Brasileira de Infra-Estrutura e Indústria de Base (Abdib). E o novo modelo não sinaliza que isso será alterado.
  • O Mercado Atacadista de Energia (MAE) vai acabar e será substituído pelo pool? Qual organismo se encarregará de fazer no curto prazo os ajustes da diferença entre as previsões e o real consumo/produção das empresas? No negócio de energia, essas diferenças precisam ser regularmente ajustadas. O MAE é hoje o espaço para o acerto de diferenças. Antes da privatização, os ajustes eram feitos pelo Grupo Coordenador da Operação do Sistema Interligado (GCOI), da Eletrobrás. Era uma ajuste entre amigos, pois o grupo reunia estatais , diz Ricardo Lima, presidente da Associação Brasileira dos Agentes Comercializadores de Energia Elétrica (Abraceel). Em 1993, o grande acerto de contas das pendências de diferenças acumuladas em anos custou 28 bilhões de dólares em recursos do Tesouro Nacional. Manter em dia os acertos das diferenças é fundamental , diz Lima.
  • Como vai ficar a situação das geradoras que adquiriram as concessões pagando ágio à União? O Ministério das Minas e Energia anunciou que pretende mudar a regra das licitações e, em vez de receber ágio nos leilões, oferecer às empresas uma receita garantida. Aquela que aceitasse a menor receita seria a vencedora do leilão. Mas isso não deixa claro o que acontece com quem já pagou muito dinheiro nos leilões, adquirindo concessões onerosas.
  • De quanto será a remuneração das empresas que investirem em novas obras de geração? Como a proposta do governo é fazer licitações das obras usando como atrativo a receita futura das geradoras construídas, os executivos do setor lembram que existe um padrão internacional de remuneração, que inclui, no caso de países como o Brasil, o risco-país e o risco comercial. Se a proposta do governo não for aceitável, essas licitações podem não atrair interessados.
  • Como serão tratados os contratos de comercializadoras já assinados com prazos longos, como 20 anos? Praticamente todos esses contratos estipularam o pagamento de um valor pela energia comprada e efetivamente consumida. Essa energia é medida em megawatts-hora (MWh). No entanto, o novo grupo de geração vai operar de outra forma, voltada não para o consumo, mas para o custo de geração. O contratos passariam a ser assinados de acordo com a capacidade geradora, medida em megawatts (MW). Novamente, é uma incógnita o que acontece com os contratos do passado.
  • Como ficam os consumidores parcialmente livres? Fabricantes de alumínio, papel e celulose ou ferro liga, por exemplo, além de serem consumidores cativos, costumam ter produção própria ou ainda adquirem energia de comercializadoras livres ou no próprio mercado atacadista. Não se sabe.

    As bases gerais da proposta do governo todo mundo já entendeu e ela já ganhou até defensores entre representantes da iniciativa privada. A volta do planejamento de longo prazo, proposto pelo governo, lembra os planos decenais da Eletrobrás e muitos especialistas saúdam a tentativa de dar um norte ao setor. Mas toda essa falta de detalhes sobre a regulamentação e a implementação do novo modelo alimenta o clima de indefinição e contribui para paralisar os negócios. O setor parou, diz José Augusto Marques, presidente da Abdib. Ninguém sabe para quem vender, por qual preço ou se receberá o dinheiro.

    De acordo com Marques, dos cerca de 7,9 mil megawatts em capacidade de geração já licitados pelo governo nos últimos anos, apenas 500 se materializaram em obras até agora. Todos esperam regras claras. Apoiamos grande parte do modelo, mas entendemos que seu maior problema são as regras de transição, ainda desconhecidas , diz ele. Como o novo modelo pressupõe alterações legais, que dificilmente vão mobilizar os congressistas num ano em que a prioridade é a votação das reformas da previdência e tributária, Marques não acredita em mudanças para o mercado no curto prazo: O ano para o setor de energia está perdido .

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