A cidade dos meus sonhos
O ponto de partida para a construção de um lugar ideal é que haja oportunidades para todos
Da Redação
Publicado em 9 de outubro de 2008 às 10h35.
São Paulo ocupa toda a minha história de vida: foi nesta cidade que nasci, construí a minha carreira e criei os meus filhos. É aqui, portanto, que está o embrião da cidade dos meus sonhos. Afirmo isso não apenas porque tenho uma forte relação afetiva com São Paulo, mas porque reconheço aqui um enorme potencial humano e econômico, que alimenta sonhos de uma vida melhor para todos os que compartilham desse sentimento pelo lugar onde moramos.
Um sonho de cidade passa, inevitavelmente, por projetos coletivos. O ponto de partida para a construção de um lugar ideal é que haja oportunidades para todos. Na cidade que idealizo, as pessoas teriam direitos iguais. Pobres, ricos, brancos, negros, mestiços, católicos, judeus, muçulmanos: todos teriam as mesmas chances de prosperar. Obviamente, uns chegariam mais longe que outros. Mas isso faz parte do processo, considerando-se as diferenças de potencial e os projetos de vida. Os menos favorecidos nessa competição seriam amparados por programas de estímulo ao trabalho e à geração de renda, numa versão mais abonada dos projetos sociais da prefeitura de São Paulo.
DESDE O BERÇO
Todas as pessoas teriam direito a uma educação ou requalificação de alta qualidade em todos os ciclos da vida. Os investimentos nessa área já começariam nos primeiros anos de vida dos futuros cidadãos, quando lhes estariam assegurados berçários e creches nos postos de trabalho das mães. Isso possibilitaria uma atenção permanente aos filhos, além da garantia à amamentação pelo período mais longo possível. O atendimento nesses lugares ficaria a cargo de uma equipe multidisciplinar altamente qualificada.
Aos portadores de deficiências seriam reservados espaços próprios, em todas as fases da educação, com equipes especializadas. Para os demais, seriam construídas escolas-padrão, valorizando-se um conceito de educação integrada, tal como o modelo concebido no projeto dos Centros de Educação Unificada (CEUs) da prefeitura. Essas escolas teriam ginásio de esportes, oficinas, teatro e piscina e seriam abertas à comunidade nos fins de semana. A iniciação musical seria uma realidade em todas as unidades. Além disso, todas seriam abastecidas com três nutritivas refeições diárias.
As comunidades participariam dos conselhos gestores das escolas, podendo opinar sobre atividades curriculares e extracurriculares. As unidades da educação seriam espaços privilegiados para esporte, cultura e lazer. Os eventos seriam apresentados pelos próprios alunos, que teriam a chance de desenvolver seus talentos e suas vocações em oficinas internas. Eventualmente, poderiam ser levados às unidades espetáculos de peso no cenário nacional.
O intercâmbio entre as equipes das escolas e nomes de projeção no país seria estimulado também nos esportes. Atletas de renome, idolatrados pelos jovens, seriam convidados a abrir campeonatos internos. Essa troca de experiências facilitaria a busca de patrocínio para os alunos de maior destaque. Seria uma maneira de as escolas revelarem seus talentos para o meio artístico e esportivo, para angariar investimentos da iniciativa privada e programas públicos. Quantos talentos não são desperdiçados pelo Brasil afora por falta de estímulos e de canais de projeção?
Com relação às atividades curriculares, haveria abertura para a inclusão de novos temas, dependendo das demandas do mercado de trabalho e da evolução dos acontecimentos no mundo. Os alunos receberiam material e uniforme gratuitos. O corpo docente passaria por atualização constante, em programas específicos para cada área. Os professores seriam muito bem remunerados: ocupariam um patamar salarial condizente com a sua missão social de formar cidadãos respeitáveis.
As unidades escolares ofereceriam recursos de última geração. Os alunos teriam a chance de assimilar o conteúdo das aulas por meio de programas avançados de computador que nada ficariam devendo aos dos centros educacionais de Primeiro Mundo. A linha pedagógica não seria esquecida em momento nenhum. As escolas reservariam espaço para discussões críticas sobre o conteúdo ensinado, evitando a simples "descarga de informações".
SAÚDE INTEGRAL
No sistema de saúde, o atendimento seria integral e descentralizado, seguindo princípios do Sistema Único de Saúde (SUS). A diferença é que não haveria limites no orçamento. Cada unidade estaria muito bem equipada, com material de última geração e profissionais de qualidade e bem remunerados, para oferecer um atendimento global à população. Os pacientes passariam por um diagnóstico cuidadoso, no qual seriam considerados todos os aspectos de sua vida. Encontrariam amparo a todas as suas necessidades nas unidades de saúde, de assistência psicológica a tratamentos continuados para doenças crônicas, passando pelo planejamento familiar.
Os hospitais da cidade dos sonhos seriam espaços muitíssimo limpos, agradáveis, silenciosos e relaxantes. A arquitetura seria bela, com áreas verdes para a contemplação dos pacientes e ambientes acolhedores. Não faltariam leitos, medicamentos, equipamentos e profissionais para atender a todas as demandas. Os familiares seriam acompanhados por psicólogos e assistentes sociais durante o período necessário.
A população teria assistência permanente em saúde e qualidade de vida. Equipes médicas multidisciplinares visitariam as casas periodicamente para fazer um check-up dos moradores e avaliar a situação das famílias, seguindo um procedimento semelhante ao do Programa Saúde da Família, adotado pela prefeitura. Com base nos problemas detectados, as pessoas seriam encaminhadas a unidades especializadas. Todos os serviços de saúde, tanto nas unidades como nos hospitais, teriam pronto atendimento. Os pacientes não precisariam esperar nem um minuto e marcariam as consultas por telefone.
As moradias na cidade dos sonhos seriam garantidas pelo governo. Os cidadãos poderiam optar por casas ou apartamentos, em padrões diferentes, de acordo com o tamanho da família. As construções seriam amplas, bonitas, com áreas de lazer para as crianças e espaços verdes. Todos os bairros teriam saneamento e não enfrentariam nenhum problema de abastecimento de água ou de oferta de energia elétrica. Não haveria muros nas casas nem nos prédios, pois a segurança não seria um problema nessa cidade.
Todas as ruas seriam asfaltadas, com manutenção periódica, e contariam com serviços de limpeza permanentes. As pessoas já seriam ensinadas nas escolas a preservar o patrimônio público e o meio ambiente. Também estaria garantido o acesso, em todos os locais da cidade, aos portadores de deficiência física. O centro da cidade seria um exemplo de ordem e limpeza, e valorizaria a história local pela preservação arquitetônica. As praças seriam igualmente limpas e bem cuidadas, com espaços para eventos públicos e equipamentos de lazer. Haveria guardas nas ruas para prestar assistência às pessoas e encaminhar possíveis ocorrências, com total respeito aos direitos humanos. A Justiça seria ágil e transparente.
Os transportes seriam gratuitos, eficientes e diversificados, dispensando a necessidade de automóveis particulares. O sistema seria minuciosamente planejado para evitar congestionamentos e demora no atendimento à população. Tecnologias de ponta garantiriam velocidade e segurança aos veículos. Ônibus, metrôs e soluções mais modernas teriam veículos confortáveis e acolhedores, com espaços reservados a idosos, gestantes e deficientes.
A cidade dos sonhos seria uma responsabilidade coletiva. Os diferentes setores do governo e a iniciativa privada, assim como os próprios cidadãos, teriam total conivência na manutenção do patrimônio público e na oferta dos serviços. As parcerias seriam institucionalizadas. Cada setor daria sua parcela de contribuição para o funcionamento da máquina administrativa e para os projetos coletivos.
A cidade estaria aberta ao mundo, principalmente por meio de parcerias com empresas e administrações de outros países. Esse é um dos pontos que o governo municipal de São Paulo busca incentivar com a realização da Urbis 2002, uma feira internacional que será promovida pela prefeitura em julho deste ano.
Os cidadãos teriam um canal aberto para se comunicar com o resto do mundo pelos postos de informática -- nos moldes dos Telecentros, salas criadas para difundir o acesso à internet --, que estariam presentes em todos os bairros e funcionariam 24 horas por dia. Os turistas contariam com um serviço exclusivo de transporte, que os encaminharia aos pontos de destaque na história, na gastronomia e no comércio da cidade. Também teriam assistência de guias poliglotas para conhecer locais de interesses próprios. Certamente, levariam o melhor conceito da cidade dos sonhos, ajudando a projetá-la no resto do mundo.
Enfim, como paulistana, gostaria que São Paulo coubesse dentro do ideal e do imaginário de cada cidadão que mora nesta cidade. Como prefeita, farei o possível para que esses sonhos se realizem. As condições para alcançar os objetivos citados aqui são limitadas, mas minha disposição é imensa. Parafraseando o poeta Drummond, "tenho apenas duas mãos e o sentimento do mundo".
Primeiros lances da diplomacia paulistana
Tirar proveito da globalização é uma das metas da prefeitura de São Paulo. Tanto que foi criada uma secretaria exclusivamente para estabelecer parcerias com outros países e captar recursos internacionais. No primeiro ano de governo, muitos contatos foram realizados. Só a prefeita Marta Suplicy viajou ao exterior em quatro ocasiões. Os resultados práticos do esforço ainda são modestos. Mas o secretário municipal de Relações Internacionais, Jorge Mattoso, faz um balanço positivo. Ele afirma que era preciso mudar a imagem ruim que a administração paulistana tinha no exterior. "Nos últimos oito anos, a cidade freqüentou em demasia as páginas policiais dos jornais brasileiros. Obviamente, isso repercute no exterior", diz Mattoso. "Esse é o primeiro desafio, e já está apresentando frutos."
São Paulo mantém hoje relações formais com oito cidades da Europa e da América Latina: Buenos Aires, Montevidéu, Cidade do México, Paris, Lyon, Genebra, Milão e Turim. "São cidades importantes, com as quais buscamos um intercâmbio maior e acordos de cooperação", diz Mattoso. Com uma dívida de cerca de 20 bilhões de reais, cuja amortização consome 13% do orçamento anual de 9,6 bilhões de reais (previsão para 2002), a prefeitura ficou impedida, no último ano, de contrair novos empréstimos em agências multilaterais de crédito. A saída foi buscar recursos a fundo perdido. "Temos de buscar recursos externos do jeito que der", diz o secretário.
De concreto, a cidade obteve 300 mil dólares da organização Cities Alliance para iniciar neste ano um projeto piloto de urbanização de favelas no bairro de Campo Limpo. Fez também uma parceria com o Banco Mundial (Bird) para desenvolver um programa contra a corrupção. O Bird vai aplicar 500 mil dólares no programa, que deve começar em fevereiro.
As visitas de Marta a Paris e Turim resultaram em convênios de cooperação técnica para a reforma de edifícios de uso residencial no centro da cidade. A prefeitura pretende pedir verbas à Comunidade Européia assim que concluir os projetos arquitetônicos e urbanísticos de reaproveitamento dos prédios. Com o governo da Alemanha, assinou um protocolo de intenções para recuperar áreas degradadas da cidade, como os aterros sanitários desativados. O projeto pretende transformar em parque o lixão do Jacuí, em São Miguel Paulista, na zona leste. Além do suporte técnico, a prefeitura negocia com os alemães um possível financiamento do projeto.
No âmbito do Mercosul, a prefeitura assinou acordos de intercâmbio cultural e educacional com a cidade de Buenos Aires. Participou também dos encontros que articulam as cidades dos países membros, como o Mercocidades. Em março, Marta irá a Tóquio a convite do governo japonês. A prefeita quer dar início a uma ofensiva comercial. Vai levar uma comitiva de empresários de ascendência japonesa liderada por Chieko Aoki, presidente da rede de hotéis Blue Tree.
Embora Mattoso diga que, num passado recente, a cidade de São Paulo esteve ausente no exterior, o atual governo municipal está implementando alguns acordos firmados na gestão de Celso Pitta. É o caso de um convênio com o governo da França para o ensino do idioma francês em escolas municipais. Outra iniciativa da gestão anterior que está sendo detalhada agora é a criação de uma rede municipal de monitoramento da qualidade do ar interligada ao sistema da Cetesb. Os recursos financeiros e o suporte técnico são da Agência de Desenvolvimento e Cooperação do Japão.
Programada para julho deste ano, a Feira e Congresso Internacional de Políticas e Práticas Inovadoras de Gestão de Cidades (Urbis 2002) foi idealizada pela prefeitura para alavancar o potencial da cidade de São Paulo no turismo de negócios. A administração municipal espera atrair para o evento cerca de 60 mil visitantes e 1,5 mil expositores de todo o mundo. "Um dos objetivos da viagem da prefeita à Itália (em novembro passado) foi divulgar a Urbis", diz Mattoso. A ida de Marta à Business Travel & Meeting Exhibition, em Genebra, em maio passado, também serviu para divulgar a política de turismo de negócios e eventos da cidade.
Mas uma questão central continua aberta: como os contatos externos da prefeitura podem gerar investimentos e contribuir para o desenvolvimento econômico da cidade? Mattoso admite que a prefeitura não tem uma idéia clara a respeito do assunto. A instalação de uma agência de desenvolvimento -- constituída mas não implementada na gestão Pitta -- começa a ser discutida. "Pensamos numa agência que articule as diferentes secretarias que desenvolvem atividades capazes de favorecer o ingresso de investimentos na cidade", diz Mattoso.
Por Dan Gedanken