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Inovação e Urbanismo: Ricardo Birmann Discute o Impacto da Cidade Urbitá em Brasília

Planejada para ser um núcleo polinucleado, a Urbitá promete desafogar o tráfego e o fluxo habitacional do Plano Piloto da capital

Ricardo Birmann, CEO da Urbanizadora Paranoazinho (Acervo pessoal)
Ricardo Birmann, CEO da Urbanizadora Paranoazinho (Acervo pessoal)

No coração do Distrito Federal, uma transformação urbanística de grande escala está em andamento. Trata-se da Cidade Urbitá, um projeto ambicioso de urbanização em um terreno de 900 hectares, que visa não apenas expandir a área urbana, mas também introduzir um novo paradigma em design urbano e habitacional. Planejada para ser um núcleo polinucleado, a Urbitá promete desafogar o tráfego e o fluxo habitacional do Plano Piloto de Brasília, oferecendo uma alternativa mais sustentável e integrada. 

À frente deste projeto está Ricardo Birmann, CEO da Urbanizadora Paranoazinho, uma figura central no desenvolvimento urbano brasileiro. Com uma visão inovadora, Birmann lidera a criação de um espaço que combina residências, comércios, e instituições, almejando equilibrar as necessidades habitacionais com a preservação ambiental e a qualidade de vida urbana. A entrevista a seguir mergulha nos detalhes deste empreendimento, explorando tanto os desafios quanto as inovações que a Urbitá propõe para o urbanismo no Brasil. 

Instituto Millenium: A Cidade Urbitá é o maior empreendimento imobiliário do Brasil. O projeto combina conceitos inovadores no urbanismo brasileiro, como a adoção de escala humana, com noções pioneiras de 'cidade privada' e 'cidade startup'. Como você vê o impacto desse modelo inovador de empreendimento imobiliário na dinâmica urbana e social de Brasília e nas tendências futuras do urbanismo no Brasil? 

Ricardo Birmann: A cidade compacta, com usos misturados e escalas mais compatíveis com a nossa fisionomia – daí o nome “escala humana” – vem sendo resgatada desde os anos 60 com o trabalho de pioneiros como Jane Jacobs e Jan Gehl, mas ganhou força no mundo ocidental mais para o final do século passado, quando as consequências negativas do modelo modernista e rodoviarista do século XX começaram a ficar mais evidentes. 

Apesar de a adoção da escala humana ser relativamente um consenso hoje em dia, o ciclo urbanístico e imobiliário é bastante longo e vai levar muitos anos para vermos um impacto significativo nas cidades brasileiras. 

A cada ano que passa, porém, vejo surgir novos empreendimentos Brasil afora incorporando esses conceitos de uma cidade mais caminhável, com cada vez mais foco na qualidade do espaço “fora dos muros”.  

Iniciamos recentemente as obras de infraestrutura na Cidade Urbitá e estamos ansiosos para começar os empreendimentos imobiliários ano que vem. Estamos apostando muito nesse modelo de cidade compacta e esperamos que o nosso trabalho aqui ajude outros empreendedores a valorizar e investir nesse tipo de projeto.  

IM: Quais estratégias serão adotadas para transformar Urbitá em um celeiro de inovações urbanísticas e tecnológicas? Que ferramentas um empreendimento desse tipo pode utilizar para atrair moradores e fomentar a instalação de talentos e empresas inovadoras em seu espaço? 

RB: Temos esse tipo de debate diariamente em nosso escritório. Não aceitamos soluções prontas de “especialistas”. Questionamos desde as plantas dos apartamentos até os modelos de gestão da infraestrutura da cidade. Do paisagismo ao relacionamento com o corretor. Do papel do síndico no condomínio até a governança das calçadas. A gente fica até meio chato, mas é quase uma cultura de busca obsessiva por formas de inovar o produto imobiliário. 

Alguns assuntos a gente acaba não achando uma forma prática de inovar, outros estão muito amarrados por alguma lei ou regulamentação absurda e incontornável, mas em alguns casos a gente acaba conseguindo achar uma oportunidade de inovação e aos poucos vamos agregando pequenas melhorias. 

Metro quadrado virou commodity e nosso foco não é disputar preço do metro. O que queremos é proporcionar uma oportunidade de vida urbana que é inexistente em Brasília. 

Ao passo que estamos experimentando bastante em nosso produto, também pretendemos trazer empresas e instituições parceiras que possam se beneficiar do ambiente urbano, denso e compacto, com todas as oportunidades de relação e realização de negócios que isso normalmente traz, a fim de que aos poucos a Urbitá vá se tornando um verdadeiro laboratório urbano de inovação.  

Já estamos fechando parcerias com algumas marcas que querem estar associadas a esse tipo de desenvolvimento e devemos ter algumas operações comerciais funcionando antes inclusive dos primeiros apartamentos estarem sendo ocupados.  

IM: O projeto Urbitá inclui a adoção de uma série de elementos urbanísticos que privilegiam o pedestre, como fachadas ativas e escala humana. Como esses elementos serão empregados para criar espaços comunitários dinâmicos e fomentar uma nova forma de interação social evitando os prejuízos de condomínio fechado? 

RB: As ruas da Urbitá são abertas e integradas à região e aos bairros vizinhos. Isso é fundamental para que as pessoas possam chegar e sair da Urbitá de forma eficiente, com várias opções de trajeto e com fluidez. 

Dentro de cada quarteirão, porém, os nossos edifícios serão condomínios totalmente fechados e seguros. A diferença é que a área condominial não é cercada por muros e grades, mas pelo próprio edifício que deve ser obrigatoriamente construído no limite da calçada, isto é, sem os recuos e afastamentos que vemos na maioria dos bairros brasileiros. 

Quando o edifício é encostado na calçada e no prédio vizinho, fica mais fácil ativar o pavimento térreo com lojas e outras atividades viradas para a rua. Além disso, a parte residencial fica protegida pelo próprio prédio, o que é muito mais seguro do que uma solução baseada em grades e muros. 

Isso não é, obviamente, invenção nossa. Os bairros mais atrativos e mais desejados das melhores cidades do mundo foram construídos desta forma, com o que se chama de “edifício perimetral”.  

Esse tipo de modelo intensifica o uso da calçada e favorece deslocamentos a pé ou de bicicleta, o que coloca mais gente na rua e torna a rua mais segura, favorecendo ainda mais o pedestre. É um ciclo virtuoso. 

Para acomodar esse tipo de vida urbana, é fundamental que tenhamos excelentes calçadas e esse será um ponto de destaque da Urbitá. Com larguras de 7 metros ou mais, nossas calçadas são extremamente generosas e literalmente teremos mais área de calçada do que de asfalto no empreendimento. 

IM: E como Urbitá se integra à cultura e estrutura urbana já existente em Brasília? 

RB: Para nós é de certa forma um privilégio poder desenvolver a Cidade Urbitá em Brasília, uma cidade que – como poucas – teve um protagonismo global pelo seu planejamento urbano.  

É claro que nosso projeto é muito diferente do Plano Piloto de Lucio Costa, mas se a Urbitá puder contribuir minimamente para que Brasília volte a ter protagonismo no debate urbanístico, ficaremos honrados.  

A oportunidade que temos não é insistindo na “escala monumental” e nos cruzamentos sem esquina tão tradicionais de Brasília, mas sim trazendo novos elementos, alinhados com os valores urbanos do século XXI, como a escala humana, a sustentabilidade, a caminhabilidade, etc. 

IM: Você está envolvido em iniciativas relevantes para o urbanismo em São Paulo, como o projeto B32, bem como as ações da Fundação Aron Birmann na gestão de parques urbanos. Como esses projetos refletem sua filosofia de desenvolvimento urbano e quais são os aprendizados que estão sendo aplicados em Urbitá? 

RB: Não apenas nos nossos projetos, mas também em algumas iniciativas de outras empresas, temos percebido uma clara tendência de mais aceitação de produtos que têm uma preocupação maior com a cidade e com o desenvolvimento urbano. Tem ficado cada vez mais claro que os brasileiros estão carentes de bom urbanismo. 

Isso vai de encontro com um foco em qualidade urbana que tentamos implantar em todos nossos projetos e empreendimentos, especialmente a Urbitá, cujos projetos vêm sendo desenvolvidos há mais de uma década. Nesse período, trabalhamos com inúmeros projetistas, nacionais e internacionais, sempre buscando pessoas e empresas reconhecidas por representarem o estado da arte em seus campos de especialidade. 

Um projeto mediano e um projeto excelente têm um custo muito parecido, mas trazem retornos muito diferentes para o produto final. O beneficiário final será sem dúvidas o morador, lojista, usuário ou visitante da Urbitá, que poderão experimentar um ambiente urbano de padrão internacional. 

IM: Qual é sua perspectiva sobre o papel da iniciativa privada no desenvolvimento de um urbanismo de qualidade?  

RB: A iniciativa privada tem uma responsabilidade fundamental no progresso da sociedade. As pessoas às vezes têm a impressão de que o governo faz a cidade, controla a economia e promove o desenvolvimento, mas qualquer programa do governo só pode existir se for financiado por uma atividade privada que, antes, tenha gerado valor para a sociedade e deixado uma fatia como imposto. 

Toda a produção, todo o emprego, todo o desenvolvimento vêm da iniciativa de pessoas em colaboração voluntária, seja através do comércio ou organizando-se em uma empresa. Nossas cidades só têm ruas, escolas e hospitais, além de novelas, aulas de yoga e conferências de medicina, porque há pessoas que se organizaram e se reuniram, com as competências e os recursos necessários, para oferecer esses bens e serviços a preços que seus clientes consideram adequado e – voluntariamente – topam pagar. 

A livre iniciativa é o motor da sociedade e, na minha visão, esse é um papel que deve ser abraçado com força e responsabilidade pelos empresários. Empresários são as pessoas que investem e se arriscam para entregar solução para um problema específico e é fundamental que eles tenham participação ativa no debate público em torno do tema onde atuam. 

Quando os empresários se ausentam desse debate, ele é monopolizado por pessoas e entidades que não estão necessariamente comprometidas com uma eventual mudança de direcionamento, dentre eles o governo, grupos de interesse e a academia. É como a galinha que se dispõe a contribuir com um café da manhã de ovos com bacon, sem consultar a opinião do porco. 

Voltando ao urbanismo, a cadeia produtiva envolvida na operação e no desenvolvimento das cidades é imensa e é fundamental que essas pessoas e empresas tenham participação ativa e engajada nos debates importantes, seja coletivamente através de associações e entidades, seja individualmente nos relacionamentos de seu dia a dia. 

IM: Vemos cidades 'startup' como Gurgaon, Masdar City e Próspera se destacarem por sua autonomia regulatória e gestão privada. Diferente dessas cidades, a Urbitá não é uma jurisdição especial, mas se beneficia de partir de uma grande propriedade privada, o que pode implicar inovações em licenciamentos e modelo de urbanismo. Como essa característica diferencia a Urbitá de outros empreendimentos imobiliários? 

RB: Infelizmente o fato de partirmos de uma grande propriedade privada não nos concede nenhuma flexibilidade ou possibilidade de inovação no licenciamento. Veja que faz quase 15 anos que adquirimos a área e apenas agora estamos iniciando as obras. Se a grande escala tem algum efeito na burocracia e no processo de aprovação, ele é no sentido contrário, de tornar o processo mais lento e mais complexo, infelizmente. 

Ainda assim, há inegáveis e importantes diferenças entre a Urbitá e desenvolvimentos urbanos governamentais ou projetos privados de menor escala. 

Principalmente, a nossa natureza privada e comprometida com o longo prazo, nos permite olhar para a geração contínua de valor para o nosso futuro usuário. Nosso objetivo é equilibrar o ganho de curto prazo com o potencial de valorização no longuíssimo prazo, a ser compartilhado com os nossos clientes. 

Pode não parecer muita coisa, mas por não termos propensão a liquidar ativos buscando maximizar o retorno imediato, conseguimos viabilizar uma série de oportunidades de negócio que em outras circunstâncias não seriam possíveis.  

Um bom exemplo é o mercado de locações, que costuma perder para a venda no curto prazo, mas pode ganhar no longo, especialmente numa situação de controle da oferta, gestão de mix comercial etc. É essencialmente o modelo de negócio dos shopping centers, mas numa implantação urbana.