Ciência

Por que vacinar crianças contra a covid-19 é seguro

Janeiro é o mês que inicia a campanha de vacinação para brasileiros entre 5 e 11 anos de idade; entenda a diferença da vacina pediátrica da Pfizer e o processo para aprovação da Anvisa

Crianças em Israel são vacinadas contra a covid-19; no Brasil, campanha deve começar ainda em janeiro (Corinna Kern/Reuters)

Crianças em Israel são vacinadas contra a covid-19; no Brasil, campanha deve começar ainda em janeiro (Corinna Kern/Reuters)

LP

Laura Pancini

Publicado em 6 de janeiro de 2022 às 16h25.

Última atualização em 12 de janeiro de 2022 às 12h37.

Vacinar crianças contra a covid-19 ou não vacinar? No Brasil, país que é referência global em imunização, a dúvida chamaria a atenção simplesmente por existir. Mas em meio à disseminação de fake news e de uma comunicação confusa em nível federal a respeito do tema, o questionamento pode tomar as mentes de pais e cuidadores. No mês em que o país deve receber a primeira leva de doses para imunizar crianças de 5 a 11 anos, a EXAME compilou dados locais e globais para explicar por que a vacinação de crianças é necessária e recomendada.

Trazendo a perspectiva local, nesta quarta-feira, o Ministério da Saúde realizou uma entrevista coletiva, em que afirmou que não exigirá receita médica para vacinar crianças. Apesar de voltar atrás na decisão de exigir prescrição para aplicar o imunizante nos pequenos, a pasta trouxe o tom de que pais podem “procurar recomendação prévia de um médico antes da imunização”. Essa postura é totalmente diferente da adotada por agências de saúde como a FDA, dos Estados Unidos, e a própria Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), responsável por aprovar todas as vacinas aplicadas nos brasileiros.

Hoje, pelo menos sete países já vacinam crianças de 5 a 11 anos: Alemanha, Argentina, Canadá, Chile, França, Estados Unidos e Israel. No país de Joe Biden, por exemplo, mais de 8,7 milhões de doses já foram aplicadas nessa faixa etária e nenhuma morte foi registrada desde o início da campanha em 3 de novembro. Resultados da FDA sugerem que a vacina pediátrica tem cerca de 91% de eficácia na prevenção de covid-19.

Já em solo brasileiro, onde mais de 1,4 mil crianças já morreram em decorrência do vírus, a autorização da Anvisa para o uso da vacina da Pfizer em crianças de 5 a 11 anos foi anunciada em 16 de dezembro. Para a avaliação da ampliação da faixa etária dessa vacina, a Agência contou com a consulta e o acompanhamento de um grupo de especialistas em pediatria e imunologia.

Porém, a insistência do governo para que a vacinação de crianças fosse feita somente com receita médica acabou atrasando o processo. O Ministério da Saúde chegou a fazer uma consulta pública, mas o resultado mostrou que a maioria das pessoas é contra a necessidade de prescrição. Será necessária somente uma autorização por escrito caso nenhum responsável legal esteja presente no momento da vacinação.

A estimativa da pasta é que, até o fim de janeiro, 3,7 milhões de doses da Pfizer cheguem ao país — ao todo, 20 milhões foram encomendadas. Porém, seria necessário mais de 40 milhões para imunizar todas as crianças de 5 a 11 anos — são 20,4 milhões que contemplam essa faixa etária no Brasil.

O Rio de Janeiro planeja começar sua campanha de vacinação infantil em 17 de janeiro, enquanto São Paulo estima concluir a sua em até três semanas, a partir do recebimento das doses encaminhadas pelo governo federal.

Por que posso confiar na vacina para o meu filho?

O processo para aprovação de vacinas no Brasil é bastante criterioso e segue uma série de etapas elaboradas pela Anvisa. Este é o órgão responsável, no país, pela aprovação de todas as vacinas aplicadas no país — incluindo os da covid-19.

Até chegar ao braço das pessoas, um imunizante passa por algumas etapas: a primeira compreende estudos não clínicos (ou seja, realizados em animais de experimentação) e tem como objetivo investigar a ação e a segurança da molécula em laboratório. 

Nessa fase, a vacina passa por ensaios que auxiliam os pesquisadores a verificar a dose adequada a ser administrada e a conhecer o mecanismo de ação do produto, bem como determinar sua segurança e imunogenicidade, antes de passar aos testes em humanos.   

Depois de cumprir as etapas da fase não clínica com sucesso, a empresa que está desenvolvendo o imunizante submete à Anvisa o pedido para realizar estudos clínicos (ou seja, em voluntários) em três fases, para avaliar e determinar a segurança e a eficácia do uso da vacina em humanos. 

Essa submissão do pedido é feita por meio de um documento chamado Dossiê de Desenvolvimento Clínico de Medicamentos (DDCM). É esse conjunto de informações que traz, em detalhes, tudo sobre o estudo e sobre a vacina a ser desenvolvida. Se tudo estiver dentro dos padrões da agência, o estudo segue com os voluntários.

Para encurtar a história: na fase 1 de estudos clínicos (ou seja, com humanos), um pequeno grupo de indivíduos é testado com o medicamento. Na fase 2, há a inclusão de um maior número de indivíduos e o produto é administrado em uma faixa etária maior, até que, na fase 3, a vacina é administrada a milhares de pessoas, para que seja demonstrada a eficácia e segurança — ou seja, que a vacina é capaz de proteger os indivíduos com o mínimo de reações adversas. 

Por fim, a empresa do setor farmacêutico tem que enviar uma série de documentos à Anvisa, que constam na Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) 55/2010. Nele, a empresa tem de explicar, por exemplo: justificativa para o registro, plano de farmacovigilância e informações gerais sobre o produto, a empresa deve entregar relatório com dados sobre as matérias-primas utilizadas na vacina, como a descrição das cepas, sua origem, identificação, processos de obtenção ou construção, entre diversos outros dados. 

Além dos dados de pesquisa clínica, a empresa responsável pelo produto também tem de garantir pesquisas pós-comercialização, como forma de monitoramento de reações adversas não detectadas em estudos anteriores. No Brasil, esses efeitos também serão monitorados pela Anvisa em conjunto com o Ministério da Saúde por meio da plataforma e-SUS Notifica.

O que há de diferente na vacina pediátrica da covid-19 em relação à de adultos?

A vacina contra covid da Pfizer para crianças tem dosagem e composição diferentes daquela utilizada para os maiores de 12 anos. As duas doses terão 0,2 mL cada (equivalente a 10 microgramas). A Anvisa recomendou um intervalo de pelo menos 21 dias entre as doses, mas o ministério definiu uma espera de oito semanas.

A vacinação desse público será feita em ordem decrescente de idade e começará pelas crianças com comorbidade ou deficiência permanente, ainda sem data definida. O imunizante terá uma tampa laranja para facilitar a diferenciação entre as vacinas de crianças e adultos.

Meu filho pode ter efeitos colaterais?

Assim como aqueles acima de 12 anos, as crianças que recebem a vacina da Pfizer estão sujeitas aos mesmos efeitos colaterais. São eles: 

  • Dor no lugar da aplicação;
  • Fadiga;
  • Dor de cabeça;
  • Dor muscular;
  • Febre; 
  • Náusea.

É comum que os efeitos colaterais apareçam até três dias após a vacinação. Caso persistam, um médico deve ser contatado. De acordo com a organização sem fins lucrativos Mayo Clinic, mais crianças relataram esses sintomas, exceto dor no local da injeção, após a segunda dose da vacina.

O que diz a Sociedade Brasileira de Pediatria?

A Sociedade Brasileira de Pediatria afirma que existem justificativas éticas, epidemiológicas, sanitárias e de saúde pública para a vacinação de crianças no país, com base em um estudo publicado no dia 28 de dezembro, em que analisa a necessidade de imunização do público infantil. Veja o estudo na íntegra.

Em um comunicado emitido no dia 3 de janeiro, o Departamento Científico de Infectologia e Imunizações da SBP afirmou que está convencido de que a vacinação desse público é, sim, uma prioridade.

“A menor gravidade da covid-19 em crianças quando comparada com adultos fez com que, infelizmente, houvesse uma subestimação da sua real carga neste grupo etário. Os estudos com a vacina de RNAm da Pfizer demonstraram que a doença e suas complicações são passíveis de prevenção, inclusive em adolescentes e crianças. Aumentar o universo de vacinados oferece além da proteção direta da vacina, possibilidade de redução das taxas de transmissão do vírus e das oportunidades de surgimento de variantes”, afirma a Sociedade, em nota.

Nesta quinta-feira, a associação divulgou uma nota de repúdio, intitulada "O Brasil deve temer a doença, nunca o remédio". Veja a íntegra abaixo:

Diante de comentários de autoridades sobre possíveis riscos decorrentes da imunização de crianças de cinco a 11 anos contra a covid-19, a Sociedade Brasileira de Pediatria
(SBP) vem a público reiterar aos pais e responsáveis os seguintes pontos:

1) A população não deve temer a vacina, mas, sim, a doença que ela busca prevenir, bem como suas complicações, como a covid longa e a Síndrome Inflamatória Multissistêmica, manifestações que consolidam a necessidade da imunização do público infantil.

2) O acesso das crianças à vacina contra a covid-19 é um direito que deve ser assegurado, o qual conta com o apoio da maioria dos brasileiros, conforme expresso em consulta pública realizada sobre o tema pelo Ministério da Saúde.

3) A vacinação desse público é estratégia importante para reduzir o número de mortes por conta da covid-19 nessa faixa etária, no Brasil, cujos indicadores são mais expressivos do que em outras nações.

4) Até o momento, os estudos realizados apontam a eficácia e a segurança da vacina aplicada na população pediátrica, a qual é fundamental no esforço para reduzir as formas graves da covid-19.

5) A vacina previne a morte, a dor, sofrimento, emergências e internação em todas as faixas etárias. Negar este benefício às crianças sem evidências científicas sólidas, bem como desestimular a adesão dos pais e dos responsáveis à imunização dos seus filhos, é um ato lamentável e irresponsável, que, infelizmente, pode custar vidas.

Acompanhe tudo sobre:BrasilCoronavírusMinistério da SaúdePfizervacina contra coronavírus

Mais de Ciência

Monte Everest cresce devido à erosão de rios, dizem pesquisadores

No Rio, Paes promete Ozempic nas clínicas da família em campanha de reeleição

FDA aprova novo tratamento para esquizofrenia após décadas de estagnação

Missão espacial chinesa planeja construir rede sem fio e geração de energia na Lua