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As estratégias de Natalie Klein, da NK Store, para enfrentar a pandemia

A empresária prevê que até o final do ano as vendas presenciais no varejo vão diminuir 30% e as do e-commerce terão um acréscimo de 120%

A empresária Natalie Klein: novos tempos (Divulgação/Divulgação)
DS

Daniel Salles

Publicado em 14 de setembro de 2020 às 09h51.

Em um momento em que estereótipos de liderança e modelos de negócio vem se desconstruindo, e cada vez mais estamos buscando enxergar pessoas por seus talentos e capacidades, a criatividade e sensibilidade feminina vem se destacando ainda mais em tempos da atua crise e pandemia mundiais. Um belo exemplo foi postura de liderança “fora da caixa” que Natalie Klein, um dos mais respeitados nomes da moda brasileira e Chief Inspirational Officer do seu negocio de moda e lifestyle, implementou na sua NK Store com a chegada da pandemia.

O varejo e a pandemia
A NK Store foi uma das primeiras a fechar as portas no dia 16 de março, com o inicio da pandemia. E com isso Natalie se viu em um exercício profundo de entender qual seria o papel da empresa e como iriam atravessar essa crise tão diferente de tudo que já vivemos. Exercendo uma liderança sensível ao fator humano, sentiu que o primeiro grande desafio seria fazer todos os seus colaboradores acreditarem que estavam passando por essa estranhíssima e ameaçadora crise juntos. Natalie trouxe todos a bordo, e se posicionou de forma a levar todos a confiarem em um ponto de chegada, sabendo que a travessia não seria fácil, mas que precisariam agir com unidade para sobreviver. Foi um exercício de união, e de fazer com que seus times acreditassem em um lugar a frente que, como todos nós naquele momento, não podiam enxergar.

O primeiro passo foi montar um comitê de gerenciamento de crise que, segundo Natalie, gerou uma integração de equipe única na historia da NK. “Foi incrível, pedimos 40 voluntários que foram divididos nos 6 pilares importantes que precisariam atuar”. Os pilares foram formados de forma transversal, com costureiras, manobristas, estoquistas, vendedores, gerentes dentro de um pilar de caixa por exemplo.  O próximo passo foi compartilhar toda a situação de caixa da empresa, e discutir como teriam que fazer para enfrentar os meses seguintes, em especial com relação ao corte de custos e ao relacionamento com clientes. Em 15 dias de discussões a NK tinham um Guide Book, com grande participação e ideias vindas de seus colaboradores em um recorte totalmente inusitado, e em consequência levando a total transparência entre os colaboradores da situação financeira da empresa. Além disso, os comitês foram responsáveis por definir como passariam a agir com os clientes, e o conjunto de medidas que seriam implantadas para enfrentar o fechamento das lojas físicas, entre eles cortes de custos e salários.

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Natalie conta que antes da pandemia os departamentos eram muito independentes, então quem comandava a área de vendas tinha muita pouca interação com o corte, com a modelagem, pilotagem, e ao final dos primeiros 15 dias essas pessoas se sentiram completamente integradas. E pela primeira vez todos conheciam os produtos, os nomes dos produtos, a área de liquidação, quem foi o arquiteto da loja. Houve uma grande preocupação e sentindo maior de obrigação de passar para as equipes internas o mundo que normalmente vendas passa para os clientes. Foi uma integração nunca antes vista na história de mais de 20 anos de NK, e pela primeira vez não foi a liderança que deu as respostas, a liderança deu as perguntas e as respostas vieram das equipes, com uma quebra de paradigma total.

Uma das primeiras ações implantadas foi a campanha “Somos todos vendedores” onde absolutamente todos os funcionários foram cadastrados, ente eles, modelistas, motoristas, costureiras, em um esforço para tentar minimizar uma possível redução de salário que poderia vir pela frente, e fazer com que todos se sentissem parte importante desse esforço. Na sequencia, a campanha foi aberta para convidados e amigos da marca, que também se tornaram vendedores, seguido pelos vendedores digitais, que agora são 30 ao redor do brasil.

Outro movimento importante foi doar resíduo têxtil para as oficinas fabricarem e venderem mascaras, para conseguirem uma renda extra, achava importante dar oportunidade para as oficinas comercializarem essas mascaras; criou-se uma politica de comissionamento dobrado, onde a metade foi revertida ao Instituto Alinha que tinha acabado de fazer um trabalho de 1,5 ano de certificação, qualificação e aperfeiçoamento, profissionalização da cadeia produtiva. Graças ao Instituto hoje todas as oficinas que trabalham com a NK Store são certificadas, olhando cada uma as suas demandas de qualificação, em um esforço para tornar a cadeia produtiva mais profissionalizada e organizada.

Paralelamente, o acervo de tecidos foi oferecido a preços simbólicos para alimentar a cadeia, adotou-se comissionamento dobrado onde metade iria para a Alinha para garantir que as oficinas continuassem se mantendo vivas, isso tudo saiu do Comitê de Gerenciamento de Crise. Cadeia produtiva da moda no Brasil ainda eh muito informal, segmentado, artesanal, são pequenas oficinas que vão se formando de forma muito pulverizada, o que na maioria das vezes torna muito difícil de fazer mapeamento dessa cadeia. Por essa razão, foi feito um extenso trabalho com essa plataforma onde as oficinas podem ter um rating de qualificação, onde é feito um preço justo para todos saberem quanto estão pagando pela mão de obra, e as oficinas podem oferecer os serviços para varias outras marcas porque elas não podem depender de fornecer só para a NK Store para sobreviver. Hoje são 23 oficinas que fizeram o processo de certificação, e que a cada 1 ano são reavaliadas. A pandemia chegou quando esse processo tinha acabado de ser concluído, levando todos os pedidos a serem cancelados, pagamentos prorrogados. A empresa se viu responsável por essa parte da cadeia, razão da parceria com o Instituto Alinha e a ajuda continua de todos esses meses para dar suporte a cadeia produtiva.

A NK Store de Natalie passou por um processo de transformação irreversível, com uma forte mudança do mindset das pessoas que entenderam que a nossa cultura organizacional foi fundamental para que pudessem sobreviver. Hoje no novo cenário enfrentam o desafio de tratar a cliente online, que talvez não seja uma cliente conhecida, ou próxima, já que a NK Store reconhecida não apenas pela edição e curadoria de moda, mas também pela prestação de serviço.

Quanto ao futuro do mercado e o conceito do novo luxo, acredita na importância de identificar o proposito das marcas, fazer uma edição para uma compra consciente. A indústria do luxo não é voltada para preço, mas sim para o processo criativo, cadeia produtiva, processos que envolvem as pessoas, artesãos. Natalie acredita que o luxo tem mais valor do que nunca por essa conexão e por essa transparência de processos, já que está claro que a compra eh uma escolha politica, uma decisão onde o consumidor opta por compactuar com uma determinada marca e seus valores, principalmente em uma era onde para fast-fashion os processos haviam deixado de ser importantes.

No inicio da pandemia, conta que o que mas chamou a atenção do mercado foi o manifesto de Giorgio Armani, que trouxe uma luz a maneira insana e insustentável da indústria, dando voz a outros players do mercado para repensar. Uma oportunidade que o mercado não pode perder, segundo ela. Natalie também acredita que os ciclos da indústria da moda e em especial da brasileira deverão mudar, já que o mercado todo tentou se colocar no ritmo do fast-fashion que é inviável para a nossa estrutura de produção, lead time de desenvolvimento de produto ate produto na loja... Afirma que uma coleção saudável se faz de 6 a 8 meses, então tentaram equacionar o varejo em uma velocidade que não é sustentável. E conta que leu recentemente no Business of Fashion, os varejistas de moda drogaram os clientes, e é obrigação tirar esse vicio do consumo onde a cada 2 meses o produto entra em liquidação e eh lançada uma nova versão com 3 bolsos a mais para substituir a anterior. A indústria como um todo estava insustentável e o consumidor final confuso, reforça.

Sobre liderança feminina
Quando o assunto são as mulheres, Natalie concorda existe um gap histórico mundial das mulheres no mercado de trabalho, um gap real, já que vivemos em uma sociedade que por vezes protege ou confia mais, e da preferencia para profissionais homens em cargos de liderança. A arma feminina para mudar o jogo, na visa de Natalie, é a capacitação e qualificação das mulheres como instrumento fundamental, para que seja possível chegar lá por mérito. Existem tabus que o tempo da mulher é mais escasso, que a mulher quando tem filhos fica com a qualidade do trabalho comprometido. Ao contrario, considera que o maior MBA que uma mulher pode fazer é a maternidade, já que você se torna responsável pelo desenvolvimento humano da pessoa que mais tem importa na sua vida, aprende nuances humanas que em qualquer processo de empresa um homem dificilmente tenha essa possibilidade. Considera muito valido que os homens aprendam com aa mulheres, porque desenvolvemos habilidades que trazer muito para o ambiente de trabalho. Segundo ela precisamos quebrar o tabu que mulheres que tem filho trabalham menos ou vão faltar mais...

Por outro lado, a pandemia nos mostra as habilidades de multi-tasking femininos, já que é evidente a sobrecarga feminina com o home office, onde dificilmente veremos homens sendo interrompidos pelos parceiros ou pelos filhos em uma reunião de Zoom, enquanto a mulher é fortemente demandada por todos sem que exista a devida proteção da sua posição de profissional. Por exemplo, conta Natalie, “o dia em que a escola ligar primeiro para o meu marido a gente vê que já é uma quebra de paradigma, por outro lado, quando uma mãe sai correndo todos dizem, puxa que pena ela não vai conseguir participar da reunião, e quando um homem sai de uma mesa de reunião a gente fala nossa que pai incrível, ele deixou uma reunião para atender um filho”. Ainda existe essa visão muito diferente na sociedade que precisa ser ajustada.

Segundo Natalie, a formula para acelerar essa mudança do mercado de trabalho é fazer com que as mulheres se coloquem em pé de igualdade principalmente através da incontestável entrega de resultados. Quando nos colocamos em uma posição de liderança, esforço continuo, performance incansável, não existe época de baixa na carreira. “Nós mulheres temos que ir além das expectativas, temos que nos provar mais, mostrando consistência, entregando resultados e surpreendendo. Temos que entrar em uma sala de reunião e fazer a nossa extra-mille, estudar mais, saber mais, falar mais, ir além das expectativas para conseguir nosso espaço”, afirma.

 

Falando das dores de mulheres bem-sucedidas, Natalie afirma que são normalmente muito parecidas. Existe recortes diferentes e enfoques diferentes da mulher no campo empresarial, e temos que trazer cada vez mais mulheres que queiram fazer esse papel, porque muitas mulheres não querem, mas quando elas querem tem que estar muito bem preparadas. Na visão de Natalie, não eh uma questão de haver equidade, mas sim de que as mulheres sejam muito bem representadas, muito bem preparadas, eh um ciclo que vem acelerando cada vez mais, e quanto mais mulheres atuantes, mais rapidamente empresas entenderão o papel fundamental que as mulheres têm a desempenhar. “Não eh um papel politicamente correto, mas sim um benefício enorme. Trazer mulheres qualificadas para uma empresa é um ganha-ganha de todos os lados, empoderar mulheres com essa visão de negócios eh incrível, e mulheres passam por esses ciclos, não só por serem mulheres mas o grande dificultometro são os filhos na carreira, porque tem uma demanda diferente” conclui Natalie.

Em todas as entrevistas que faz, Natalie é questionada sobre como concilia a vida de mãe e vida de empresária, e pode falar que jamais fizeram essa pergunta para o marido, o empresário Tufi Duek, ou para seu irmão Rafael Klein que tem 3 filhos, com o eles fazem para conciliar a vida de pai e a vida de empresário. “Ainda tem um olhar diferente pra a vida da mulher e do homem no trabalho, mas acredita que a gente vem ganhando, andando a largos passos para alcançar o espaço merecido” afirma.

O valor agregado do olhar feminino, Natalie afirma que a mulher tem um aspecto emocional que agrega uma visão mais ampla na tomada de decisão, com esse equilíbrio onde aliado ao racional, a intuição e sensibilidade estão a flor da pele, o que possibilita acolher pessoas de uma forma diferente, com uma gestão mais humanizada. “Uma empresa com recorte masculino de largada já perde admiração desse publico de 52% de brasileiras que poderiam se identificar mais com essa empresa como um lugar que reforça a importância da mulher, que engaja mulheres” afirma.

Caminhos com Propósitos
Natalie e o irmão Rafael Klein fundaram o Instituto Samuel Klein para manter o legado do avo vivo, comenta Natalie “essa pessoa generosa, filantrópica, sobrevivente de campo de concentração que era meu avo. Meu pai nasceu em um campo de refugiados, então eles construíram o que construíram no Brasil” se referindo as Casas Bahia e mais recentemente Via Varejo. Natalie diz sentirem a obrigação de devolver para a sociedade, com um forte senso de corresponsabilidade, o que levou o Instituto a atuar em duas áreas principais, a primeira com recorte em Educação com um sub recorte em primeira infância, seguido do foco em tradição e cultura judaicas. O Instituto é brand maker, ou seja, aporta em iniciativas já existentes, pois acredita haver muita gente competente com projetos que merecem apoio, atualmente totalizando cerca de 20-26 projetos por ano.

Sobre o papel das mulheres, diz existir um elo muito grande entre a atuação feminina não só o terceiro setor mais também iniciativas cada dia mais relevantes de investimento de impacto, pois considera que mulheres tem a sensibilidade de investimento mais aguçada, mais a flor da pele. “O terceiro setor, assim como a moda é o 2º maior empregador de mulheres do mundo, ate pelo nosso olhar maternal e sensível. Mulheres tem que engajar mulheres, trazer mulheres, para que nós possamos cada vez mais ter um senso de comunidade, da mesma forma que existem diferentes recortes de comunidades, como tem o recorte da comunidade judaica, negros, asiáticos, e fazer com que as mulheres se empoderem”, afirma.

Por outro lado acredita que nos dias em que Lives no Instagram e ZOOMs viraram a forma de se comunicar e relacionar, critica “existem muitos guru para poucos discípulos, assim como tem muita gente fazendo muito e falando pouco, então temos que entender quem são as pessoas que vão nos inspirar, se são as pessoas que falam ou se são as pessoas que realmente fazem. Eu acho que temos esse desafio, eleger pessoas em quem a gente consiga se inspirar. Eu tenho varias pessoas que eu me inspiro diariamente. A gente se retroalimenta, o que é muito importante. Eu não posso achar que eu estou em uma posição de liderança e que aqui é a minha linha de chegada, muito pelo contrario, tem muitas pessoas que podem me olhar como ponto de chagada mas eu me vejo como o primeiro degrau da escada tem vários lugares que eu queria chegar com pessoas que me inspiram.” O fato é que Natalie é uma dessas pessoas, que faz muito e nos inspira a buscarmos um mundo melhor.

 

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