Carreira

Quem era o professor Abilio Diniz?

Além de empreender, Abilio tinha paixão por compartilhar conhecimento na sala de aula onde tudo começou

Abilio Diniz ministrava há mais de 10 anos na FGV-SP e ensinou mais de mil alunos sobre empreendedorismo e gestão  (Divulgação: FGV-EAESP)

Abilio Diniz ministrava há mais de 10 anos na FGV-SP e ensinou mais de mil alunos sobre empreendedorismo e gestão (Divulgação: FGV-EAESP)

Publicado em 19 de fevereiro de 2024 às 14h27.

Última atualização em 10 de abril de 2024 às 01h43.

Formado em Administração de Empresas em 1956 pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, Abilio fez uma trajetória brilhante como empreendedor; transformando o Grupo Pão de Açúcar de um negócio de família a um dos maiores grupos de varejo do mundo, e fazendo história em grandes empresas como Carrefour Global, Península Participações e BRF. Com sua marca registrada no mundo dos negócios, ele encontrou prazer em compartilhar o que aprendeu onde tudo começou.

“Abilio tinha uma grande vontade e prazer em transmitir tudo aquilo que ele aprendeu no mundo dos negócios, e temos orgulho de ele voltar para a sala de aula onde um dia foi a sua escola”, afirma Maria José Tonelli, professora há mais de 30 anos da FGV-EAESP, parte da faculdade que coordena os cursos de graduação e pós-graduação de Administração de Empresas em São Paulo.

A ideia de entrar para a vida acadêmica surgiu em 2019. Abilio foi até a FGV e foi designado para falar com Jaci Correa Leite, professor titular da FGV-EAESP há mais de 30 anos. “Ele sempre se preocupou em distribuir o conhecimento dele, de compartilhar um pouco do que ele aprendeu. Foi assim que pensamos juntos em um curso aberto, para pessoas já formadas”, diz Leite.

O curso recebeu inicialmente o nome de ‘Desenvolvendo Talento em um Mundo em Transformação’ e era realizado duas vezes ao ano. “A procura era tão intensa nos primeiros 4 anos que chegamos a fazer duas turmas de forma simultânea em um semestre”, afirma o professor, na época coordenador dos cursos executivos da faculdade.

Jaci Correa Leite e Abilio Diniz em uma das aulas na FGV-EAESP (Divulgação: FGV-EASP)

A forma de Abilio ensinar era carismática e muito verdadeira, segundo Tonelli. “Ele gostava de um ensino participativo, de ouvir as perguntas e de aprender com os outros. Ele contribuiu não só para o mundo dos negócios, mas na formação de muitos profissionais.”

"A forma de passar o conhecimento atraia os alunos. Nos dias em que ele daria aula, era difícil faltar alguém”, afirma Leite. Normalmente, Abilio falava de temas como gestão de crise, gestão de equipe, superação de diversidades, planejamento e visão futura.

Líder não nasce líder

O curso que Abilio participava contou com mais de mil alunos de diferentes estados, de forma presencial e recentemente online.

As aulas começaram no formato presencial, das 19h às 21h30, e como ele sempre foi uma pessoa muito ligada à família e aos alunos, ele não costuma prolongar nem chegar atrasado, afirma Leite. “Presencialmente, nunca conheci alguém tão ocupado como Abilio. Em mais de 10 anos de curso, precisamos remarcar a aula dele apenas duas vezes e ele nunca chegou atrasado. Porque quando ele assumia um compromisso, sabíamos que ele estaria lá.”

Não foi à toa que ele revolucionou o mercado do varejo brasileiro, afirma Leite. “O Pão de Açúcar foi a primeira empresa brasileira a ter um ombudsman, ele praticamente implantou o conceito de trainee no Brasil nos anos 70 quando ninguém falava disso e apostou no primeiro e-commerce nos anos 90”, diz Leite, que reforça que Abilio apostava em ESG quando a sigla ainda não existia. “Lembro que as lojas dele há muito tempo faziam coleta de reciclagem e tinham práticas de redução de consumo de energia.”

O curso que era presencial ganhou o formato online em 2023 e o nome de “Liderança 360”. Um dos alunos foi Vanderlei Júnior, CEO da CotaBest, empresa de transformação digital de vendas que desde 2020 tem 51% das ações pertencentes ao Atacadão, do grupo Carrefour.

“Reinventar sempre, líder não nasce líder e valorizar as pessoas são alguns dos conselhos que ouvi do Abilio como professor e que me ajudam até hoje no meu negócio”, diz Júnior que reforça que Abilio foi e será uma referência de empreendedorismo e gestão.

“Como CEO de uma companhia, você ter conselhos como os do Abilio realmente é inspirador, ainda mais no nosso mercado de varejo”, afirma Júnior.

Além dos conteúdos e experiência compartilhada em classe, Abilio se notabilizou por demonstrar garra e um espírito incansável. "Ele tinha uma confiança na vida que era inspiradora, ele mostrava a importância de fazer de tudo para ir atrás do que ele acreditava”, diz Tonelli.

A professora também diz que outra grande lição que ele deixou foi de trabalhar e compreender os fracassos. “Além de aprender com o que não deu certo nos negócios e não desistir, Abilio mostrava resiliência”, afirma. Uma das aulas que marcou Tonelli e que exemplifica essa resiliência foi na época em que Abilio perdeu seu filho.

“Pensávamos que ele não iria dar aula após uma perda recente, mas para a nossa surpresa, Abilio apareceu e foi uma das aulas mais marcantes que eu já vi. Ele não escondeu a emoção e comentou da dor que sentia”, diz.

“Ele comentou algo que eu jamais vou esquecer. Ele disse que: 'quando morrem os pais, a pessoa fica órfã; quando morre um cônjuge, a pessoa fica viúva; mas quando morre um filho, não tem nome'. Ele começou a aula assim e seguiu com o conteúdo sobre liderança, porque para ele dar aula era algo muito especial e importante".

Cuidar de gente

Além de visionário, Leite afirma que outra característica do empresário e professor Abilio a disposição. “Costumava brincar que ele chegaria aos 3 dígitos. Era algo impressionante a condição de saúde dele”, afirma o professor que recorda que um dia esperava Abilio no estacionamento da faculdade e viu ele aos 82 anos amarrar o tênis sem dobrar o joelho.

Além da saúde, Abilio tinha disposição para formar líderes, segundo Tonelli. “Ele tinha disposição de apostar em novos negócios e de dividir o conhecimento com aqueles que estavam ali para ouvi-lo, porque sabia que tinha valor para o próximo.”

A ideia de criar o curso na FGV foi literalmente voltada para o cuidado com a gente. “A grande preocupação do Abilio era de formar líderes para o Brasil. O pagamento dele ficava 100% para a faculdade distribuir livros para os alunos” diz Leite que lembra que no primeiro dia da turma ele compartilhava o e-mail dele para as pessoas enviarem dúvidas sobre os seus negócios. “Ele era focado em desenvolver pessoas.”

Isso reflete na vida de Júnior até hoje, que guarda as anotações da aula em um caderno adquirido exclusivamente para o curso de Abilio. O item, precioso, é consultado com frequência e tem temas grifados para ajudar no dia a dia como CEO.

“Um dos pontos mais fortes que me ajudam muito no dia a dia é a parte da gestão, do saber cuidar de gente, do valorizar e estimular o time a ser cada vez melhor. A gente não faz nada sozinho e não teria conseguido empreender sem ter um bom time. Abilio sempre trazia na fala dele o respeito e o agradecimento às pessoas. Conheci várias pessoas que trabalharam diretamente com ele e reforçaram que essa era uma marca forte de sua gestão”, diz Júnior, que reforça que a outra lição marcante foi a inovação e a resiliência.

Um empresário como Diniz teve muitas conquistas, mas muitos desafios também, afirma o CEO. “Ele dizia que os crescimentos mais importantes foram nas crises, que é na crise que crescemos, que evoluímos, e ele tinha muita razão sobre isso. Inovar o que já existia de bom era outro conselho, que basicamente era fazer o básico bem-feito. Ele era um homem à frente do tempo.”

Para o professor Leite, Abilio viveu e cumpriu com excelência o que ele dizia em quase todas as aulas: “Eu quero aprender todos os dias da minha vida, um pouquinho a cada dia, até o fim da minha vida.”

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